sexta-feira, 31 de março de 2017

Um passeio até à fronteira de S. Gregório (Melgaço) em 1913


No início do século passado, Melgaço e as sua águas estavam na moda. Os aquistas além de desfrutarem das virtudes das sua águas milagrosas, gostavam de dar os seus passeios. Um dos passeios mais apreciados era saírem dos hotéis e irem dar uma volta até à fronteira de S. Gregório e apreciarem as belezas do vale do Minho. Em 1913, um desse passeios ficou descrito numa reportagem publicado na revista Ilustração Portugueza: 

"No Extremo Norte de Portugal
À tarde, em pleno mês de Julho, quando os cravos ensanguentam os muros dos hortejos, - é agradável abalar em direção a S. Gregório.
O veículo, tirado a dois finos, nervosos cavalos, roda serenamente sobre um macadam lavado, batido de sol. Atravessada a pequena ponte, onde delicado regato se escoa por entre rosários de redondos, polidos seixos, - pinheiros esguios, de cor verde azeitona, acolhem, num requinte de fidalga gentileza, os transeuntes com a sua sombra protetora, amável.
Bouquets de flores silvestres pintalgam, mancham numa orgia de coloração forte, bizarra as leiras que se estendem por aí fora. Do alto da estrada, após ligeira curva, enorme veiga se desenrola até à vista poisar na fita de montanhas que abraça carinhosamente o Peso. À esquerda, a via pública, que dá acesso às termas, com os seus hotéis e habitações indígenas.
Acolá, o casarão da Quinta do Peso, onde lindas rosas chá se entrelaçam volutuosamente pelo frontispício do hotel como que tentando, numa ânsia revolucionária, esconder maliciosamente o brasão de visconde, que encima o velho solar.
É a região do Belo em guerra aberta de extermínio às velharias. À direita, a povoação raiana – Arbo, sobranceira ao rio.

Carruagem Taxi da época a travessar a PonTe do Martingo, próximo do Peso (Melgaço)
(Foto de Aurélio da Paz dos Reis)

Da nossa margem, ciprestes, grandes de altivez, postam-se à entrada de vetustas residências solarengas. No fundo, seguindo um carreiro bordado de fetos, o manancial milagroso das águas minerais.  Para além, deixado os vinhedos que se agacham medrosamente pelas leiras, surge a encarroada torre do castelo de Melgaço. Mais alguns metros percorridos, num ápice, ei-nos no lugar de Prado. Quintas e pomares, próprios para almas floridas de ventura, vão ficando presos ao nosso olhar apaixonado.

Torre de Menagem do castelo de Melgaço

Deixemos Melgaço, com os prédios a debruçarem-se sobre a corrente do Minho, e tomemos a estrada que segue para o extremo norte da pátria lusitana.
Cristos, de rosto macerado, incutindo fé ao viajante, e alminhas que penam num inferno de tostas, inestéticas figuras, em profusão, se deparam. De Marelhe, olhando para baixo, descortina-se majestoso panorama.
Lá está, emergindo de entre viçoso ramalhete de verdura, a freguesia de Paços, salpicada de imersos casões escuros. Por toda a parte aqui, ali, acolá, se divisam canteiros cuidadosamente amanhados. Uns retangulares, tabuleiros arrelvados que amaciam a retina, outros em quadrilátero, tapete policromo. É o verde do linho, o matiz aloirado do centeio que está a pedir a sega.
Circunda-se a vinha baixa, que oscula levemente o solo abençoado, ou a cheirosa madressilva que se enovela em ouriçada cabeleira, pontuada de negras e apetitosas amoras. Vê-se na outra banda a paróquia espanhola de Crecente. O caminho de ferro do país vizinho, duas filas de aço luzidio, contorna o rio Minho, que nos vai amigavelmente separando da Galiza. As telhas, de nuances carregadas, batidas fortemente pelo reflexo solar, berram atrevidamente na paisagem campesina.
A maior parte, representam propriedade de gente que, quando menina e moça, demandou aos Brazis, em busca do oiro almejado.
A água espadana-se, precipita-se às catadupas monte abaixo. Silhuetas de cachopas, de formas esculturais e olhares provocadores, agarotados, formigam nas agras, enquanto, - mais adiante - rapazes, descaradamente, com ligeirezas de acrobata, rebolam-se à vontade na relva.

S. Gregório no início do século XX

À nossa frente, de ponto em branco, S. Gregório. À entrada, meia dúzia de casitas alinham-se. Esta povoação teve em tempos de antanho grande movimento comercial com os pueblos fronteiriços. O comboio galego, depois, deu-lhe o golpe mortal. Então, mantinha estabelecimentos importantes como demonstram os prédios construídos nessa época. A rua Verde, a mais movimentada da terreola, desce por escabrosa ladeira à ponte internacional sobre o rio Trancoso. 

Ponte Internacional de S. Gregório/Ponte Barjas
(Foto de Aurélio da Paz dos Reis)

Das janelas das casas cravos rubros fintam atrevidamente quem passa. Castanheiros seculares, de frondosa ramaria, trepam ousadamente encosta acima. Calcorreando alguns metros de piso escorregadio, estamos na ponte. Meia dúzia de velhas, desmanteladas tábuas ligam-nos ao lugarejo espanhol Ponte Barjas. Sob o tosco pontilhão, leques de verdura prendem-se nervosamente. E as águas, rio abaixo, num turbilhonar desordenado, cobrem de beijos loucos os ventres roliços das pedras.

Peso (Melgaço) – Julho de 1913."


Extraído de:
- Reportagem "No extremo norte de Portugal" In: Revista "Ilustração Portugueza", edição de 4 de Agosto de 1913.

sábado, 25 de março de 2017

Reportagem da RTP em Castro Laboreiro no programa "Portugal em Direto" (23 de Março de 2017)



Veja ou reveja a reportagem emitida no programa "Portugal em Direto" da RTP1 na passada quinta feira, 23/03/2017, relativa à tradição da carpeada recriada no centro de dia "Castro Solidário"...

sexta-feira, 24 de março de 2017

O Assalto à Guarda Fiscal da Ameixoeira (Castro Laboreiro) e a prisão do "Leão das Montanhas" (1912)


Nos tempos a seguir à implantação da República, o ambiente nas fronteiras de Melgaço é muito tenso. Fala-se da presença de guerrilheiros portugueses afetos à causa monárquica refugiados na Galiza. Estes estariam a preparar uma incursão em Portugal com o objetivo de voltar a implantar a monarquia. No meio destes acontecimentos, um grupo de monárquicos assaltou o posto da Guarda Fiscal da Ameixoeira (Castro Laboreiro) roubando armamento e munições e fugiram de seguida para Espanha. Supostamente, na sequência deste episódio, o professor de instrução primária da escola de Castro Laboreiro, Mathias de Souza Lobato, mais conhecido como o ”Leão das Montanhas” é acusado de ter exibido uma bandeira monárquica e logo é preso e suspenso da profissão docente.
Encontramos em imprensa da época, notícias que nos contam estes factos.   No Jornal do Brasil, na sua edição de 30 de Abril de 1912, fala-nos do assalto ao posto da Ameixoeira nestes termos: “Comunicam de Monção que uma guerrilha de conspiradores portugueses assaltou o posto fiscal de Ameixoeira, em Castro Laboreiro. Perseguida pelas forças republicanas, a guerrilha internou-se em Espanha.”
No mesmo jornal, na sua edição do dia seguinte, 1 de Maio de 1912, fala-nos com mais pormenor destes factos:
“A situação em Portugal
Os monárquicos fazem uma incursão e apoderam-se de grande material de guerra dos republicanos. Os monárquicos emigrados na Espanha fizeram agora uma incursão que tem sido motivo para muitíssimos boatos.
O Capitão Conceição Mascarenhas e o Coronel Almeida Fragoso, das forças republicanas que estavam na Ameixoeira comunicaram ao Governo que cinquenta conspiradores assaltaram o posto fiscal da Ameixoera, carregando todo o material de guerra que encontraram e que um professor arvorou a bandeira monárquica.
Desse ponto da fronteira chegam certas notícias importantes sobre esta sortida dos monárquicos cuja ousadia está sendo muito comentada.
O Ministro da Guerra, entrevistado por um redator de “A Capital”, sobre a invasão feita pelos monárquicos, que levaram todo o material de guerra que encontraram em Ameixoeira, sem que a força ali destacada pudesse impedir ou resistir com energia ao assalto, declarou que tal tentativa não tinha importância e que atribuia esse assalto ao posto fiscal a um pretexto para distrair a atenção das forças republicanas de qualquer golpe que os monárquicos pensam dar.
Acrescentou o Ministro que as últimas notícias recebidas da fronteira dizem haver ali completo sossego.
Foi preso o Comendador Mathias Lobato, professor oficial, por ser acusado de estar conivente com a incursão dos monárquiscos na Ameixoeira. O Comendador Lobato reside em Castro Laboreiro.”
Como atrás é referido, além de ser preso o ilustre professor de instrução primária da escola de Castro Laboreiro, Mathias Lobato, foi suspenso da sua atividade docente por despacho publicado no Diário do Governo em 2 de Maio de 1912 como aqui se comprova:


(extrato do Diário de Governo de 2 de Maio de 1912)

Contudo, este episódio que envolve o professor Mathias parece tratar-se apenas de uma falsa acusação num tempo de desenfreada guerrilha política. Desta forma, no Diário do Governo de 17 de Maio de 1912, é publicado o levantamento da suspensão sendo o professor ressarcido de todos os vencimentos cativados. 

(extrato do Diário do Governo de 17 de Maio de 1912)

O levantamento da suspensão ao Comendador Mathias Lobato seria noticiado também na imprensa. O jornal brasileiro “O Paiz”, na sua edição de 6 de Junho de 1912 conta-nos que “O professor de Castro Laboreiro, o célebre Mathias, sempre estava inocente, como “O Século” o disse pela boca de um seu correspondente. Dessa inocência também se inteirou o Governo que lhe levantou a suspensão e lhe mandou abonar os dias em que esteve suspenso.”
O professor Mathias era, provavelmente, a pessoa mais respeitada em Castro Laboreiro na época mas tinha atividade política e como tal muitos inimigos. Se lermos os jornal melgacenses da época, poderemos compreender que esta época são tempos de intensas lutas políticas mesmo em meios como Melgaço. Valia tudo!... Até intoxicar a imprensa com factos alternativos...



Fontes consultadas:
- Diário do Governo, de 1 de Maio de 1912;
- Diário do Governo, de 17 de Maio de 1912:
- Jornal “O Paiz”, edição de 6 de Junho de 1912;
- Jornal “Jornal do Brasil”, edição de 30 de Abril de 1912;
- Jornal “Jornal de Brasil”, edição de 1 de Maio de 1912.

terça-feira, 21 de março de 2017

Voando sobre Parada do Monte (Melgaço)



Imagens recolhidas dos céus sobre Parada do Monte. Um vídeo muito belo que nos dá uma bonita panorâmica desta freguesia melgacense...

sexta-feira, 17 de março de 2017

Soldados monárquicos ocupam o castelo de Castro Laboreiro (1911)


Em 5 de Outubro de 1910 era implantada a República em Portugal substituindo a Monarquia. Contudo, a transição para o novo regime não seria pacífica. Existia uma falange de apoio ao regime monárquico que iriam organizar a resistência contra a República. Chefiados pelo General Paiva Couceiro, as forças realistas iriam-se refugiar nas montanhas do norte do país e na Galiza e o ambiente nas fronteiras de Melgaço era tenso na época. Existiam rumores que se estaria a organizar uma invasão a partir de vários pontos da fronteira norte portuguesa, com o objetivo de voltar a implantar a monarquia.
Na realidade, pouco mais de seis meses depois da implantação da República, fala-se nos jornais no Brasil que estes combatentes estariam algures nas montanhas de Castro Laboreiro e na serra da Peneda. Tal informação é reiterada no jornal “O Pharol”, na sua edição de 28 de abril de 1911:
“Pelas mais recentes notícias do norte, sabe-se que as forças realistas que haviam tomado posição no ponto mais alto da serra da Peneda e em S. Gregório, marcharam para sul, fazendo o trajeto pelos pontos mais elevados da serra, vindo acampar nas vizinhanças de Castro Laboreiro, província do Minho, a poucos quilómetros da fronteira com a província espanhola de Orense.
Dizem os conhecedores daquela região que a posição das forças realistas tem grandes vantagens estratégicas mas poucos materiais para ser sustentada por muito tempo.”
Como se vê, a notícia diz-nos que existiriam combatentes monárquicos a acampar nas proximidades de Castro Laboreiro. Uma outra notícia da época que encontrei no jornal, também brasileiro, “Correio da Manhã”, na sua edição de 25 e Outubro de 1911, fala-nos de um acampamento de soldados monárquicos que estariam estacionados nas ruínas do castelo de Castro Laboreiro:
Portugal em plena revolução

Uma coluna de realistas apossou-se do castelo de Castro Laboreiro, no Minho

Telegrama recebido ontem de Lisboa diz que um grupo de forças realistas está acampado nas proximidades de Castro Laboreiro em magnífico ponto estratégico que está a 15 quilómetros de Melgaço, e a vila fica situada em um alto. Próximo à vila, há um castelo muito antigo edificado sobre uma rocha de dificílimo acesso à distância de 400 metros. Esta rocha já é um castelo natural. É um gigante coroado de pedra de cantaria. É inacessível e seria inexpugnável, se não fora uma espécie de istmo muito estreito que a põe em comunicação, embora bem dificilmente, com o exterior.
Referindo-se ao castelo, diz um cronista: “Os muros são baixos, parecendo presidir à sua construção mais o agradável do que as necessidades da guerra. Tem duas portas, uma para o sul e outra para o norte. Por aquele, dizem que outrora, ainda que arriscadamente, se podia entrar a cavalo. Para a do norte, que dá para o tal istmo de rocha viva, custa a ir de gatas, porque sendo esta rocha tão inclinada e resvaladia, foi preciso abrir-lhes a peão uns toscos e estreitos degraus para subir por eles.
Ma o perigo não está ali, está no chegar à tal porta, ou antes fresta, pois que é tão estreita que pouco passará de 60 centímetros.
Ainda o visitante vai arrepiado do perigo que venceu, mas na esperança de recuperar a serenidade, quando um novo susto, porém mais horrível, mais sem nome, se apodera dele. Destaca-se-lhe à direita um penedo, que terá, quando muito, três metros de alto, ali posto pela natureza, de figura rigorosamente cónica, o que fica mesmo fronteiro à porta e a tão pouca distância que qualquer homem em outro sítio que não fosse este, a poderia salvar de um salto, mas aqui está a morte!
É um abismo profundíssimo que terá aproximadamente 350 a 400 metros que é a distância que tem de percorrer o ousado curioso se porventura tiver a infelicidade de se lhe escorregar um pé ou de se assustar”.
Tal é local onde atualmente se encontra uma das colunas do exército de Paiva Couceiro. Muito se tem falado das forças de Paiva Couceiro, dizendo uns que ele apenas tem um exército de maltrapilhos, composto por algumas centenas de assalariados, levando outros os seus cálculos a alguns milhares de soldados.”
Vem por isso a propósito transcrever o “Diário de Notícias” de Lisboa: “O Faro de Vigo” tráz notícias importantes relativas às forças de Paiva Couceiro, dizendo que se compõem de duas divisões, uma de 2000 homens, comandados por Paiva Couceiro, com 12 peças de artilharia e uma outra de 1800 homens, com quatro peças e quatro metralhadoras.
Estas forças dividem-se em batalhões de 300 homens com oficiais e sargentos, médico, farmacêutico e capelão. Os soldados são todos portugueses, não querendo Paiva Couceiro aceitar os muitos oferecimentos de gente estrangeira”.
As informações, quanto à dimensão do exército de Paiva Couceiro, não são muito claras. No artigo “Governo de Pimenta de Castro - Um General no Labirinto da I República”, de Bruno Marçal, diz-se que na realidade, este suposto exército não chegava a mil homens.
Paiva Couceiro só seria preso em 1938 em Arbo, quando ia passar a fronteira rumo a Melgaço.

Fontes consultadas:
- Jornal “Correio da Manhã”, edição de 25 e Outubro de 1911;
- Jornal “O Pharol”, na sua edição de 28 de abril de 1911;
- MARÇAL, Bruno José Navarro - (2010) - Governo de Pimenta de Castro - Um General no Labirinto da I República. Universidade de LIsboa, Faculdade de Letras, Departamento de História. 


Página do jornal “O Pharol”, edição de 28 de abril de 1911 com a notícia citada (clique na imagem para ampliar)

Página do jornal “Correio da Manhã”, edição de 25 e Outubro de 1911 com a notícia citada (clique na imagem para ampliar)

quarta-feira, 15 de março de 2017

sexta-feira, 10 de março de 2017

Reportagem televisiva da RTP em Lamas de Mouro (Melgaço) em 1974



Reportagem televisiva da RTP em Lamas de Mouro (Melgaço) em 1974. Nesta entrevista, podemos algumas imagens da Porta do Parque Nacional Peneda-Gerês na época. Podemos ver também entrevistas ao Diretor do PNPG ao Presidente da Junta de Freguesia, Sr. Manuel Domingos, a um elemento da GNR de Melgaço e ao Sr. Elias Lima, regente agrícola. Na reportagem, fala-se dos problemas do Parque e do relacionamento com as populações de Lamas de Mouro, por causa das pastagens e do gado...


sexta-feira, 3 de março de 2017

"Manolo, o Dente de Ouro" e os guerriheiros antifranquistas em Castro Laboreiro (1939-1943)


Com a ascensão de Franco ao poder em Espanha, muitos militantes antifranquistas afetos à causa republicana atravessaram as fronteiras e refugiaram-se em França e outros em Portugal. Entre eles está Victor Garcia, que em terras gaulesas colabora na organização do Partido Comunista Espanhol com a ajuda de muitos milicianos vencidos. Algum tempo depois, por mandato da Internacional Comunista, regressou à Península Ibérica com a missão de criar e organizar a resistência clandestina, no norte de Portugal e Galiza, contra as ditaduras fascistas ibéricas.
Uma vez instalado clandestinamente em Portugal de acordo com o mandato da Internacional Comunista, Victor Garcia adotou uma série de identidades falsas pelas quais se faziam passar em diversos locais e contextos. Ele faz-se passar por cidadão português e atuava na zona norte do nosso país, tendo a sua base logística no Porto.
Durante a Guerra Civil Espanhola, desde 1936, a situação na linha de fronteira melgacense em Castro Laboreiro é muito delicada. Sabe-se que havia um número significativo de militantes de esquerda espanhóis escondidos em terras castrejas que tinham atravessados a fronteira clandestinamente. A posição de Salazar e de Franco é de cooperação no que toca a esta temática. O acordo previa a entrega dos esquerdistas portugueses capturados em Espanha e Portugal entregava a Franco os militantes de esquerda apanhados deste ldo da fronteira. Além da apertada vigilância que as autoridades policiais portuguesas e espanholas moviam a esta zona raiana, havia ainda os grupos de falangistas que por vezes atuavam sem qualquer controlo e por conta própria. A prová-lo está um episódio ocorrido a 6 de Dezembro de 1936. Neste dia, a Guarda Fiscal de Ameixoeira (Castro Laboreiro) impediu, de forma violenta, a violação do território nacional por parte de uma esquadra de falangistas que entraram em Portugal, ameaçando de morte a população raiana de Ribeira de Baixo. Os falangistas vinham a esta povoação à procura de esquerdistas aqui refugiados.
No ano de 1939, em data que não se pode precisar, chegava a Castro Laboreiro (Melgaço) um tal de Manolo, conhecido como o “Dente de Ouro”, por causa desse pormenor físico. Em terras castrejas, vivia entre a Várzea Travessa e o Ribeiro. Segundo dizem, era muito hábil e chefiava um bando de militantes de esquerda fugidos, sobretudo da Galiza, à repressão franquista. Além de assumir múltiplas identidades, dizia-se que era um especialista em sair ileso de situações muito difíceis como se comprova numa tentativa para o capturar, por parte da Guarda Fiscal, no Ribeiro de Baixo (Castro Laboreiro) em 1943, de que falarei mais à frente.
Na realidade, o homem conhecido em terras castrejas como o Manolo era Victor Garcia. Era também conhecido como António, o “Brasileiro” por ter estado emigrado no Brasil, além de vários outros tantos nomes que utilizava na sua vida clandestina tais como Estanillo, Manuel Brasileiro, António Ortiz Risso, Manuel Garcia, António Garcia, entre outros. Com a chegada dele a Castro Laboreiro, inaugura-se um novo paradigma de articulação entre os fugidos ao franquismo assentado numa clara definição política da situação. Segundo dizem, ele propôs unir-se aos refugiados escondidos em terras castrejas e ajudarem-se mutuamente pois não estavam ali como bandidos mas por motivos que tinham a ver com o facto de serem militantes de esquerda e opositores ao regime franquista, estando alinhados com a causa republicana e a Frente Popular.
Foi desta forma que o Brasileiro, ou o ”Dente de Ouro” criou o primeiro grupo guerrilheiro organizado na região, contando com a fronteira castreja para se movimentar com relativo à vontade em terras castrejas.
Segundo depoimento de outros refugiados, Manolo parava sobretudo em Castro Laboreiro e o grupo tinha bastante armamento. A este respeito, numa Comunicação Interna da Guarda Fiscal de Valença para a PVDE datada de 1938, encontra-se documentado a confissão de um galego antifranquista fugido e escondido em Melgaço. Quando foi capturado em Alvaredo (Melgaço), foi repatriado e entregue às autoridades espanholas. O mesmo acaba por confidenciar às autoridades em Espanha que perto da Ameixoeira (Castro Laboreiro) já nessa altura, havia escondidos cerca de trezentos foragidos galegos e que se encontravam bem armados com Mauser e pistolas metralhadoras.
Segundo o depoimento da castreja Rosa, mais conhecida na terra como a “Africana”, moradora no lugar de Ribeiro de Cima, esta tinha vários filhos já crescidos na época e a sua casa era habitualmente frequentada por guerrilheiros. Rosaura Rodriguez chegou a declarar, durante um interrogatório a que foi submetida, que os filhos da “Africana” acompanhavam frequentemente Manolo, o “Dente de Ouro”.
Numa primeira fase, os principais guerrilheiros do grupo davam pelos nomes de Paramo, Ramón Yañez, Rosario Rodriguez, Gabriel Hernández González, Saturnino Darriba, O Rizo, entre outros. O combatente conhecido como O Rizo, apesar de ser o mais novo do grupo, o Luisiño reconhecia-lhe um papel de lugar  tenente do Manolo, o “Dente de Ouro”, que era o chefe indiscutível.
Por esta altura, a repressão por parte dos regimes fascistas aos militantes de esquerda era muito dura, quer do lado espanhol, quer do lado português. Em 2 de Maio de 1943, à noite, em Castro Laboreiro, depois de um jantar conjunto em que participava Manolo, o “Dente de Ouro”, um guarda fiscal tentou detê-lo. Segundo o depoimento de Domingos Alonso, próximo dos guerrilheiros, houve um diálogo prévio:
- Senhor Manolo, considere-se preso! – afirmou o guarda fiscal.
- Deixe-me em paz, se não quer ter problemas. – respondeu-lhe Manolo.
O diálogo finalizou quando Manolo, sentindo-se encurralado, lhe disparou desde o o bolso da sua gabardina e o matou. De seguida, fugiu para o lugar do Ribeiro de Cima, e se refugiou em casa de Rosa Alves, a “Africana”. Provavelmente, neste incidente participou também o militante conhecido como “Enrique” (Ramón Yañez). Estando em Ribeiro de Cima na casa da “Africana”, Manolo foi cercado por uns 25 guardas fiscais. Primeiro saiu “Enrique” por um buraco feito na parede da casa, com acordo prévio de cobrir logo de seguida a saída do Manolo da casa. Contudo, “Enrique”, ao ver-se acossado pelos guardas fiscais, acabou por fugir. De seguida, sai Manolo, não pelo buraco na parede, mas por uma porta da casa que dava para o caminho e gritou aos guardas fiscais:
- Dispararei ao primeiro que se mexa!
- Oh senhor Manolo. Você não deve fazer isso! – respondeu o guarda fiscal que comandava a operação.
A localização da casa ao pé do caminho e o facto de este ser muito estreito, proporcionou a Manolo que lhe pudesse apontar a arma aos guardas fiscais. Incrivelmente, Manolo foi-se afastando passo a passo sem que ninguém lhe tivesse disparado. Apenas quando já se encontrava longe dos guardas é que estes abriram fogo.
Manolo nunca mais foi visto em Castro Laboreiro. Dizia-se inclusivamente que os guardas fiscais lhe tinham medo dada a estranha dificuldade em premirem os gatilhos neste episódio.
Vitor Garcia acabaria assassinado em 1948 por militantes comunistas e o seu corpo apareceu em Silleda (Pontevedra, Galiza). Tratou-se, ao que tudo indica, de um ajuste de contas entre fações opostas dentro do Partido Comunista Espanhol.

Fontes consultadas:
- http://blocs.tinet.cat/lt/blog/victor-garcia-g.-estanillo-el-brasileno/
- Arquivo Histórico-Militar, Ofício da Guarda Fiscal de Melgaço, 6 de Dezembro de 1936;
- Comunicação Interna/Documento confidencial nº 31/938 ao Secretário Geral da PVDE, endereçado pelo Posto da Guarda Fiscal de Valença;
- OLIVEIRA, César (1988) -  Salazar e a Guerra Civil de Espanha. Lisboa;