Uma vez instalado clandestinamente em Portugal de acordo
com o mandato da Internacional Comunista, Victor Garcia adotou uma série de
identidades falsas pelas quais se faziam passar em diversos locais e contextos.
Ele faz-se passar por cidadão português e atuava na zona norte do nosso país,
tendo a sua base logística no Porto.
Durante a Guerra Civil Espanhola, desde 1936, a situação
na linha de fronteira melgacense em Castro Laboreiro é muito delicada. Sabe-se
que havia um número significativo de militantes de esquerda espanhóis escondidos
em terras castrejas que tinham atravessados a fronteira clandestinamente. A
posição de Salazar e de Franco é de cooperação no que toca a esta temática. O
acordo previa a entrega dos esquerdistas portugueses capturados em Espanha e
Portugal entregava a Franco os militantes de esquerda apanhados deste ldo da
fronteira. Além da apertada vigilância que as autoridades policiais portuguesas
e espanholas moviam a esta zona raiana, havia ainda os grupos de falangistas
que por vezes atuavam sem qualquer controlo e por conta própria. A prová-lo está
um episódio ocorrido a 6 de Dezembro de 1936. Neste dia, a Guarda Fiscal de
Ameixoeira (Castro Laboreiro) impediu, de forma violenta, a violação do
território nacional por parte de uma esquadra de falangistas que entraram em
Portugal, ameaçando de morte a população raiana de Ribeira de Baixo. Os
falangistas vinham a esta povoação à procura de esquerdistas aqui refugiados.
No ano de 1939, em data que não se pode precisar, chegava
a Castro Laboreiro (Melgaço) um tal de Manolo, conhecido como o “Dente de
Ouro”, por causa desse pormenor físico. Em terras castrejas, vivia entre a
Várzea Travessa e o Ribeiro. Segundo dizem, era muito hábil e chefiava um bando
de militantes de esquerda fugidos, sobretudo da Galiza, à repressão franquista.
Além de assumir múltiplas identidades, dizia-se que era um especialista em sair
ileso de situações muito difíceis como se comprova numa tentativa para o
capturar, por parte da Guarda Fiscal, no Ribeiro de Baixo (Castro Laboreiro) em
1943, de que falarei mais à frente.
Na realidade, o homem conhecido em terras castrejas como
o Manolo era Victor Garcia. Era também conhecido como António, o “Brasileiro”
por ter estado emigrado no Brasil, além de vários outros tantos nomes que
utilizava na sua vida clandestina tais como Estanillo, Manuel Brasileiro,
António Ortiz Risso, Manuel Garcia, António Garcia, entre outros. Com a chegada
dele a Castro Laboreiro, inaugura-se um novo paradigma de articulação entre os
fugidos ao franquismo assentado numa clara definição política da situação.
Segundo dizem, ele propôs unir-se aos refugiados escondidos em terras castrejas
e ajudarem-se mutuamente pois não estavam ali como bandidos mas por motivos que
tinham a ver com o facto de serem militantes de esquerda e opositores ao regime
franquista, estando alinhados com a causa republicana e a Frente Popular.
Foi desta forma que o Brasileiro, ou o ”Dente de Ouro”
criou o primeiro grupo guerrilheiro organizado na região, contando com a
fronteira castreja para se movimentar com relativo à vontade em terras
castrejas.
Segundo depoimento de outros refugiados, Manolo parava
sobretudo em Castro Laboreiro e o grupo tinha bastante armamento. A este
respeito, numa Comunicação Interna da Guarda Fiscal de Valença para a PVDE
datada de 1938, encontra-se documentado a confissão de um galego antifranquista
fugido e escondido em Melgaço. Quando foi capturado em Alvaredo (Melgaço), foi
repatriado e entregue às autoridades espanholas. O mesmo acaba por confidenciar
às autoridades em Espanha que perto da Ameixoeira (Castro Laboreiro) já nessa
altura, havia escondidos cerca de trezentos foragidos galegos e que se
encontravam bem armados com Mauser e pistolas metralhadoras.
Segundo o depoimento da castreja Rosa, mais conhecida na
terra como a “Africana”, moradora no lugar de Ribeiro de Cima, esta tinha
vários filhos já crescidos na época e a sua casa era habitualmente frequentada
por guerrilheiros. Rosaura Rodriguez chegou a declarar, durante um
interrogatório a que foi submetida, que os filhos da “Africana” acompanhavam
frequentemente Manolo, o “Dente de Ouro”.
Numa primeira fase, os principais guerrilheiros do grupo
davam pelos nomes de Paramo, Ramón Yañez, Rosario Rodriguez, Gabriel Hernández
González, Saturnino Darriba, O Rizo, entre outros. O combatente conhecido como
O Rizo, apesar de ser o mais novo do grupo, o Luisiño reconhecia-lhe um papel
de lugar tenente do Manolo, o “Dente de
Ouro”, que era o chefe indiscutível.
Por esta altura, a repressão por parte dos regimes
fascistas aos militantes de esquerda era muito dura, quer do lado espanhol,
quer do lado português. Em 2 de Maio de 1943, à noite, em Castro Laboreiro,
depois de um jantar conjunto em que participava Manolo, o “Dente de Ouro”, um
guarda fiscal tentou detê-lo. Segundo o depoimento de Domingos Alonso, próximo
dos guerrilheiros, houve um diálogo prévio:
- Senhor Manolo, considere-se preso! – afirmou o guarda
fiscal.
- Deixe-me em paz, se não quer ter problemas. – respondeu-lhe
Manolo.
O diálogo finalizou quando Manolo, sentindo-se
encurralado, lhe disparou desde o o bolso da sua gabardina e o matou. De
seguida, fugiu para o lugar do Ribeiro de Cima, e se refugiou em casa de Rosa
Alves, a “Africana”. Provavelmente, neste incidente participou também o
militante conhecido como “Enrique” (Ramón Yañez). Estando em Ribeiro de Cima na
casa da “Africana”, Manolo foi cercado por uns 25 guardas fiscais. Primeiro
saiu “Enrique” por um buraco feito na parede da casa, com acordo prévio de
cobrir logo de seguida a saída do Manolo da casa. Contudo, “Enrique”, ao ver-se
acossado pelos guardas fiscais, acabou por fugir. De seguida, sai Manolo, não
pelo buraco na parede, mas por uma porta da casa que dava para o caminho e
gritou aos guardas fiscais:
- Dispararei ao primeiro que se mexa!
- Oh senhor Manolo. Você não deve fazer isso! – respondeu
o guarda fiscal que comandava a operação.
A localização da casa ao pé do caminho e o facto de este
ser muito estreito, proporcionou a Manolo que lhe pudesse apontar a arma aos
guardas fiscais. Incrivelmente, Manolo foi-se afastando passo a passo sem que
ninguém lhe tivesse disparado. Apenas quando já se encontrava longe dos guardas
é que estes abriram fogo.
Manolo nunca mais foi visto em Castro Laboreiro. Dizia-se
inclusivamente que os guardas fiscais lhe tinham medo dada a estranha dificuldade
em premirem os gatilhos neste episódio.
Vitor Garcia acabaria assassinado em 1948 por militantes
comunistas e o seu corpo apareceu em Silleda (Pontevedra, Galiza). Tratou-se,
ao que tudo indica, de um ajuste de contas entre fações opostas dentro do
Partido Comunista Espanhol.
Fontes consultadas:
- http://blocs.tinet.cat/lt/blog/victor-garcia-g.-estanillo-el-brasileno/
- Arquivo Histórico-Militar, Ofício da Guarda Fiscal de
Melgaço, 6 de Dezembro de 1936;
- Comunicação Interna/Documento confidencial nº 31/938 ao
Secretário Geral da PVDE, endereçado pelo Posto da Guarda Fiscal de Valença;
- OLIVEIRA, César (1988) - Salazar e a Guerra Civil de Espanha. Lisboa;
Excelente trabalho como sempre .
ResponderEliminarA señora Rosa a Africana de Ribeiro de Cima era la sogra de Delfina Fernandes ( 100 años en 2021 ) la Delfina cuyos padres dieron alojamiento ,auxilio en una verdadera solidaridade entre hermanos del Laboreiro « Justos de la humanidade « todavía sin ningún reconocimiento en nuestras democracias occidentales !
Esperemos una Ley de memoria histórica Democrática a nivel estatal ! ( Portugal es el país del 25 de Abril de 1974 ) !