sexta-feira, 28 de junho de 2019

Sobre a desaparecida igreja paroquial de S. Fagundo de Melgaço





A localização exata da antiquíssima igreja paroquial de S. Fagundo de Melgaço perdeu-se no tempo. Sabemos por documentos de época que, onde hoje se situa a vila de Melgaço, existiam, até há cerca de 500 anos, não uma mas sim três paróquias: Santa Maria da Porta, Santa Maria do Campo e S. Fagundo. As igrejas paroquiais das duas primeiras ainda hoje existem, apesar de muito antigas. Acerca da de S. Fagundo, apenas sabemos que no primeiro quarto do século XVII já se encontrava em ruínas, não se conhecendo referências posteriores.
O saudoso Padre Bernardo Pintor num artigo de há meio século atrás traz-nos alguma luz sobre a paróquia de S. Fagundo, extinta na segunda metade do século XVI. No seu trabalho refere que “a primeira notícia da igreja de S. Fagundo encontra-se em um documento do Cartulário de Fiães outorgado em Junho de 1246, na arbitragem de um litígio entre o mosteiro de Fiães e a igreja de Chaviães, em que interveio como árbitro João Joanes, pároco de S. Fagundo e procurador de Santa Maria da Porta juntamente com Rodrigo Mendes, padre de Chaviães.
Vem esta igreja mencionada nas inquirições de D. Afonso III, de 1258, a par com as de Santa Maria da Porta e Santa Maria do Campo, sem qualquer referência em pormenor.
Em 1320 foram os rendimentos avaliados em 30 libras, como os de Santa Maria do Campo, o que a situava em posição baixa ao lado das outras.
No Igrejário de D. Diogo de Sousa, princípios do século XVI, vem mencionada como benefício de livre atribuição de arcebispo e já sem cura, isto é, já não tinham cura de almas, ou melhor, já não era paróquia. Qualquer leitor dado a estes estudos encontra nos livros antigos S. Facundo, mas eu prefiro a grafia evoluída S. Fagundo.
O falecido Dr. Augusto César Esteves achou referência à igreja de S. Fagundo até ao ano de 1619. O mesmo criterioso investigador das antiguidades melgacenses diz que a Fonte da Vila se chamou em tempos antigos Fonte de S. Fagundo, o que nos indica ter ficado nas proximidades a sua igreja.
Mais ainda: segundo elementos por mim fornecidos, aceitou a mudança da invocação da referida igreja para Sant’Iago, de que achou referências no ano de 1733. A velha igreja paroquial, já sem cura de almas na entrada do século XVI, deve ter sido reduzida à condição de simples capela, como aconteceu com a antiga paroquial da Santa Comba de Felgueiras, primeiro anexa a Paderne e depois incorporada em Penso, e uma outra de S. Vicente, ali em Alvaredo contra o rio Minho.
O Concílio de Trento deu aos Prelados das dioceses faculdades para anexar ou extinguir as paróquias cuja subsistência era demasiado precária ou para fundar novas paróquias onde fossem precisas, e daí terá vindo a extinção da de S. Fagundo.
A mudança do título tem a sua explicação e não é caso único. Aconteceu também com outras, como por exemplo com a padroeira de Chaviães que era Santa Seguinha e passou para Santa Maria Madalena.
O fundamento da mudança de S. Fagundo para Sant’Iago é o seguinte: Sabe o leitor que há vários santos com o mesmo nome, dois apóstolos são Sant’Iago, o maior e o menor. Mais conhecido por nós é o que se festeja em 25 de Julho, que em Compostela tem antiquíssimo culto, visitado por peregrinos das maiores categorias sociais e de terras distantes desde recuados tempos. É o Sant’Iago de Longe, como dizem os velhos.
Há um outro Sant’Iago, chamado Interciso, que a Liturgia recorda em 27 de Novembro, dia também dedicado a S. Fagundo. Como ambos os Santos são comemorados no mesmo dia, e S. Fagundo deixou de ser festejado na categoria de padroeiro da freguesia, porque ela tinha desaparecido, veio a sobrepor-se o culto, a Sant’Iago, Interciso.
Isto tem uma explicação e o leitor deve querer saber qual seja, por isso eu vou expô-la: Nos princípios do século XII, o arcebispo de Braga, D. Maurício, conseguiu trazer de Roma para a sua catedral o corpo de Sant’Iago Interciso, mártir da Pérsia do tempo das perseguições aos cristãos.
No tempo do arcebispo D. Agostinho de Jesus realizou-se em Braga um sínodo, ou seja um concílio diocesano, em 1606, com início a 18 de Outubro. Entre outras actividades do sínodo, teve lugar em 27 desse mês a transladação das relíquias de Sant’Iago Interciso para melhor jazida. Este facto provocou o revigoramento do culto do referido Santo cujas relíquias até então permaneciam na sacristia da catedral desconhecidas do público.
O seu culto estendeu-se a toda a diocese sobrepondo-se ao de S. Fagundo que assim foi esquecido em Melgaço com a vinda da memória do novo Santo, novo no culto dos fiéis.
Sobrepondo-se, no mesmo dia, à comemoração de S. Fagundo, absorveu a denominação da sua igreja e com o seu nome ficaram conhecidas as antigas terras ou passais, de S. Fagundo, conhecidas ainda nos nossos dias por campos de Sant’Iago, ali nas proximidades da nova escola primária da vila.
O Dr. Augusto César Esteves, na obra já citada, escreveu: «A alguns passos dos fossos pertinho da fortaleza, no caminho aquingostado para os Chãos, a vila ainda hoje situa o Poço de S. Tiago. No local onde se fez, há meia dúzia de anos, uma casa de campo, erguia-se uma igreja pequena, chamada pelo povo capela de São Tiago.»
Quanto à meia dúzia de anos, lembro que o livro do Dr. Esteves tem a data de 1952. Julgo ficarmos a saber com aproximação onde era a Igreja de S. Fagundo.”
Num interessante artigo publicado no jornal “A Voz de Melgaço”, na edição de Julho de 2017, com o título “Dois párocos de S. Fagundo de Melgaço – 1360”, aflora mais alguns pormenores acerca as parcas informações que hoje em dia temos acerca da igreja e desaparecida paróquia de S. Fagundo, acerca de factos ocorridos nesse ano: “É possível que o título deste breve artigo leve os leitores mais novos a interrogarem-se onde ficava esta paróquia melgacense, de que hoje nem o orago é conhecido. Para os mais interessados, esta e outras oportunidades contribuirão para conhecerem melhor a história do nosso concelho e das freguesia ou paróquias que o integravam.
Simplificando a resposta à pergunta sugerida, adiantamos que a freguesia de S. Fagundo era uma das três existentes ao longo da Idade Média e até ao terceiro quartel do século XVI, na sede do concelho de Melgaço e junto das muralhas do castelo, conhecidas pelos seus oragos ou titulares das igrejas paroquiais: Santa Maria da Porta, situada dentro das muralhas; Santa Maria do Campo, fora das muralhas, do lado sul, que tinha como sede a atual igreja da Misericórdia; e finalmente, S. Fagundo, a noroeste do castelo, cuja sede estaria nas proximidades da Fonte da Vila.
Três freguesias com as sua igrejas num espaço não concentrado, sabendo da crise demográfica a que Melgaço não ficou isento, apenas seria compreensível por respeito à tradição e à longevidade das mesmas. Depois do Concílio de Trento, encerrado em 3 de Dezembro de 1563, a cuja e terceira e última fase assistiu e na qual participou ativamente o arcebispo D. Bartolomeu dos Mártires, que muito gostaríamos de ver canonizado, na sequência do conhecimento direto desta e doutras situações pastorais existentes em Melgaço, que se impunha corrigir, extinguiu as paróquias de Santa Maria do Campo e de S. Fagundo, integrando-as na de Santa Maria da Porta, que ainda hoje não abrange uma área muito vasta, nem tem população excessiva.
Quanto à de S. Fagundo, perdeu-se o conhecimento do local exato da implantação da igreja paroquial e a memória dos clérigos designados para a orientação dos seus fiéis. Para isso, muito terá contribuído o facto de a região de Entre Douro e Minho, que – desde a célebre divisão diocesana realizada, em Lugo, em 569, sob a presidência de S. Martinho de Dume, arcebispo de Braga e metropolita de toda a Galécia Sueva, promulgada pelo rei Miro – também designado Teodomiro -, ter permanecido integrada na diocese de Tui, até 1381, e só após algumas vicissitudes, ter passado para a Arquidiocese de Braga, em 1514.
Conhecemos as circunstâncias em que se processou essa transferência, incluindo a de alguns livros de registo, até então, utilizados na chancelaria episcopal de Tui, que, devidamente autenticados, passaram para a chancelaria arquiepiscopal bracarense. Entre eles, embora desnecessariamente, veio também para Braga um códice pergamináceo, com os registos das confirmações, isto é, das cartas de nomeação e confirmação dos presbíteros e, eventualmente, de outros clérigos, incumbidos da ação e do governo pastoral das diversas paróquias,à medida que iam vagando , pelos mais diversos motivos ou por transferências decididas pelo bispo de Tui que, de 1351 a 1385, foi D. João de Castro, da conhecida família dos “Castros”, com extensões em Portugal. Trata-se do códice nº 314 do Arquivo Distrital de Braga, cuja publicação está a ser ultimada.
A informação anunciada em epígrafe encontra-se no registo nº 234, datado de Tui, em 10 de Setembro de 1360, integralmente em latim, que vamos expor nas suas linhas gerais, de forma a identificarmos os dois párocos de S. Fagundo – Melgaço, publicando-o na íntegra, a fim de respondermos à eventual curiosidade dos mais interessados.
Pelo teor deste documento, ficamos a saber que, em 1360, o reitor ou pároco de S. Fagundo de Melgaço era Martim Gil (Martinus Egidii), que foi para a igreja ou paróquia de Santa Maria de Panton, na diocese de Orense, com plena anuência do bispo de Tui, D. João de Castro. Impunha-se por isso, preencher a vaga aberta pela saída de Martim Gil. Aqui surge uma informação inesperada, quanto ao padroado desta freguesia melgacense, que pertencia ao bispo de Tui e ao Mosteiro de S. João de Longos Vales, cada um destes padroeiros com direito de apresentação sobre metade do benefício, cabendo, no entanto, ao bispo o direito de decidir sobre a idoneidade do candidato proposto pelo outro padroeiro e de proceder à necessária confirmação.
Estas eram as disposições canónicas inerentes ao direito de padroado, de que o prelado diocesano era guardião e lhe competia observar. Como é compreensível, em relação ao clérigo apresentado pelo Prior e Convento de S. João de Longos Vales, além de não o ter identificado nem mencionado o motivo da falta de idoneidade para assumir as funções de pároco – opção compreensível, inerente ao sigilo episcopal, limitou-se a afirmar apesar de lhes pertencer o direito de apresentação para metade deste benefício, não apresentaram pessoa idónea - “presentaverunt persona minus idonea” - não o tendo aceitado.
Nessas condições, considerou o direito de apresentação do Mosteiro de Longos Vales ineficaz, a título devolutivo - “iure devoluto” -, por esta vez somente, passava a pertencer-lhe também o direito de apresentar para a metade do mosteiro agostinho de Longos Vales. Como lhe pertencia o direito de apresentar para a outra metade, podia apresentar e confirmar, de pleno direito, o novo pároco de S. Fagundo, que passou a ser o padre Lourenço Domingues, natural de Melgaço, que, na data acima referida, investiu nessas funções, de acordo com as formalidades do estilo, reiteradamente expressas no citado códice das Confirmações, a publicar brevemente.
A decisão tomada pelo bispo de Tui, D. João de Castro, que sabemos ter passado por diversas localidades de Entre o Douro e Minho, como Fontoura, S. Pedro da Torre, S. Paio de Paderne (atualmente designada apenas, S. Paio), Orada, Corujeiras, Mazedo, Merufe, Ganfei, Friestas e Viana, revela mais um ponto de ligação entre o mosteiro de S. João de Longos Vales e Melgaço, além da já conhecida colaboração na construção das muralhas do nosso castelo...”





Fontes citadas: 
- PINTOR,  Padre Bernardo (2005) - Obra Histórica. Edição do Rotary Club de Monção.

- MARQUES, José (2017) - Dois párocos de S. Fagundo de Melgaço - 1360. In: "A Voz de Melgaço", edição de 1 de Julho de 2017.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

O património da paróquia de Paderne há cerca de 100 anos

Paderne (1903)
Foto de Aurélio da Paz dos Reis



Com a implantação da República em 1910, veio, pouco tempo depois, a Lei da Separação das Igrejas do Estado, que cria uma divisão clara entre as instituições do Estado e as instituições religiosas. No âmbito da referida lei, foi feito o arrolamento dos bens pertencentes às paróquias que nos permite conhecer o património das mesmas na época. Em Paderne, o dito inventário dos bens foi feito no dia 13 de Janeiro de 1913 e dá-nos uma ideia clara do património da paróquia padernense desde o seu convento e propriedades anexas, até às capelas espalhadas pela freguesia. Ora leia o que está escrito no dito documento: Aos treze dias dos mês de Janeiro de mil novecentos e treze, nesta freguezia de Paderne, e no edifício da igreja denominado “Convento”, onde compareceram o cidadão bacharel José Joaquim de Abreu, administrador deste concelho e bem assim o cidadão Francisco Luiz Fernandes. Membro da Junta da Paroquia indicado previamente pela Câmara Municipal do referido concelho, comigo, Manuel José da Costa, servindo de secretário de Finanças e da Comissão Concelhia de Inventário para os fins consignados no artigo sessenta e dois da Lei de Separação das Igrejas do Estado, e assim principiamos o arrolamento e inventário da forma seguinte: igreja paroquial, antiquíssimo convento remontando a data da sua fundação a tempos anteriores à monarquia portuguesa, que se não pode precisar, vendo-se uma inscrição existente ao lado esquerdo da porta principal do mesmo convento, que este foi reconstruido em mil cento e oitenta e seis e o qual se compõe de seis altares, dois púlpitos, coro, encontrando-se ao longo da porta principal do mesmo convento, bancos destinados aos frades regrantes para exercerem as suas funções eclesiásticas. Três daqueles referidos altares, encontram-se separados do corpo principal da igreja por grades de madeira também de manufatura antiga, uma pia baptismal rodeada de grade e ao lado um retábulo antiquíssimo designando o Baptismo de Christo. O coro, já mencionado, também tem assentos dos lados, onde os frades faziam as sua rezas diariamente. Vinte e cinco imagens de diferentes santos. Casa de residência paroquial composta de um andar e jojas, com uma porta principal por uma escadaria de pedra e outra lateral para a cozinha.
Casa denominada de “Fábrica”, de um andar e lojas, destinada à realização das sessões da Junta da Paróquia, tendo o referido convento ou igreja uma torre com quatro sinos. Cemitério proquial contíguo ao adro da mesma igreja. Capela de S. Miguel com um altar com quatro imagens. Capela de Crastos com adro e nesta seis árvores e uma sineta, com um altar e duas imagens. Capela de São Roque, com sineta e um altar com quatro imagens. Capela de S. Silvestre com sineta e um altar e três imagens. Capela de Pomares, com sineta e um altar com cinco imagens. Uma custódia que se supõe de prata dourada, muito antiga e de grande valor artístico, que, desarmada pode servir de cálice. Uma cruz de prata e vara do mesmo metal e ainda uma outra vara delgada, de prata. Um turíbulo e naveta também de prata. Dois cálices, sendo um de prata e outro de latão dourado. Um santo lenho de prata, antiquíssimo e de grande valor artístico, marchetado com sete pedras e cujo valor não se pode precisar, por não haver indivíduo competente para lhe dar o respetivo valor. Um braço dourado onde estão guardadas as relíquias dos mártires de Marrocos e cujo braço é de madeira, segundo informações. Uma banqueta de seis castiçais e cruxifixo de pau dourado e mais quatro castiçais e competente cruz de estanho e ainda quatro tocheiras de madeira. Um cordão de oiro, uns brincos (um par), um alfinete de oiro, um collar de oiro e com uma cuz, antigo, um par de argolas e um par de botões. Duas inscrições de cem mil réis nominais cada uma com os números cento e oitenta mil e cem e cento e oitenta mil cento e um. Treze escrituras na importância total de um conto noventa mil seiscentos e oitenta e seis, cento e um documentos particulares de mútuo na importância total de dois contos trezentos e trinta mil e cento e vinte e seis. Dois gavetões e uma caixa, tudo de castanho para a guarda das alfaias, que são as seguintes: a saber. Arco camarim completo, arco cruzeiro, arco de S. Sebastião, arco de Santa António, arco de São Salvador, arco de São Francisco, dois arcos incompletos, duas sanefas dos púlpitos, completas; nove sanefas, dezoito peças de damasco vermelho, duas de tafetá, duas peças da tribuna, uma de damasco roxo, um pano encarnado da grade do Santíssimo, um palio com as respetivas varas, uma vestimenta, seis peças de damasco para o andor de São Francisco, quatro sanefas para o andor de São Francisco, um reposteiro, uma opa de seda, treze de lanzinha, encarnadas, dois pendões, uma bandeira, quatro lanternas, um paramento completo de seda, branco, três capas de asperges, oito tralhas de linho e seis coroas de diversas imagens, de prata e ainda seis resplendores. E para constar se lavrou o presente em duplicado, que depois de lido vai se ser assinado por todos.
Pelos vistos, no primeiro inventário, houve bens que não foram arrolados, pelo que foram feitos dois inventários adicionais. No primeiro, pode ler-se: Aos oito dias do mês de Fevereiro de mil novecentos e dezassete, nesta freguezia de Paderne e local chamado Campo da Feira, junto à casa da residência paroquial (…), para os fins consignados no artigo sessenta e dois da Leia da Separação das Igrejas do Estado, e assim principiamos o arrolamento adicional e inventário pela forma seguinte: Um quinteiro junto da residência paroquial, que se compõe de um terreno murado com vinha em latadas que confronta pelo nascente com a escadaria da residência paroquial, poente com a horta da residência, norte com o largo da feira e do sul com a referida residência.
Um terreno de horta com vinha em latadas e dois pessegueiros murado em volta e que confina pelo nascente com o quinteiro da residência paroquial, poente e norte com o largo da feira e do sul com Maria da Glória Pereira e Cândido de Abreu. E para constar se lavrou este em duplicado ficando um exemplar na Câmara Municipal sendo outro enviado à Comissão Central da Lei da Separação do estado das Igrejas...
No segundo inventário adicional, realizado no mesmo dia do anterior aqui citado, e referentes a bens legado em testamento pelo Padre João Luís Rodrigues Torres, pode ler-se “Aos oito dias do mês de Fevereiro de mil novecentos e dezassete, nesta freguezia de Paderne e casa de morada do cidadão António Joaquim Rodrigues Torres, compareceram o cidadão Joaquim de Souza Alves, administrador deste concelho, bem assim o cidadão Manuel António de Souza Lobato, presidente da Junta da Paróquia, indicado previamente pela Câmara Municipal do referido concelho, comigo Luís de Passos Viana, Secretário de Finanças, da Comissão concelhia do inventário para os fins consignados no artigo sessenta e dois da Lei da Separação das Igrejas do Estado, e assim principiamos o arrolamento adicional pela forma seguinte: um relógio de bolso, com caixa de couro, marca Longines, número setenta e cinco mil e seis contos noventa e cinco, ao qual atribuiram o valor de quarenta escudos e um cordão de ouro (…) objetos estes legados em testamentos, pelo padre João Luís Rodrigues Torres, da dita freguezia, a imagem da senhora do Rozário, da referida freguezia de Paderne, que deixaram de ser arrolados e inventariados em devido tempo...

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Notícias de Melgaço no mais antigo jornal português




O jornal português mais antigo começou a ser publicado há quase 400 anos. Chamava-se a “Gazeta” e foi publicada entre 1641 e 1647. Em alguns dos números, encontramos notícias sobre Melgaço, que se centram sobretudo nos combates das tropas portuguesas na Guerra da Restauração contra as hostes espanholas nestas terras.
Este Periódico serviu também como um importante meio de propaganda nacionalista portuguesa numa época de guerra e de consolidação da independência. É também uma importante ferramenta de estudo da Guerra da Restauração que deve ser usada com cuidado porque nem sempre as notícias parecem ser verdadeiras. Atente-se numa notícia sobre factos passados em Castro Laboreiro na primeira edição deste periódico, em Novembro de 1641, que nos conta que onze camponeses de Castro Laboreiro derrotaram doze cavaleiros espanhóis, matando sete e prendendo cinco, e que desbarataram uma companhia de 300 castelhanos.
Na edição da Gazeta de Fevereiro de 1642, conta-se que “por carta escrita entre o Douro e o Minho, no dia 7 deste mês, avisas-se que o Marquês de Val Paraíso entrou com quatro mil infantes pela Ponte das Varjas (ponte velha de S. Gregório), marchando por Lamas de Mouro, Mosteiro e Coito das Travas e que fez dano porque não havia força bastante para resistir a tanta gente. O relato ainda diz que quando chegou o aviso na praça de armas, se preveniram em Braga o General Dom Gastão Coutinho e o Coronel Francez, saindo ao encontro com a gente do presídio. De Melgasso vieram três companhias. O Marquês de Val Paraíso, vendo a multidão contra ele, não quis esperar e se retirou para Lamas de Mouro, alojando-se em um reduto que os portugueses haviam ganhado.
Na edição de Março de 1642, volta a falar-se de operações militares em Melgaço e na região. Uma notícia fala-nos da presença de oficiais franceses e holandeses na região, além de aventureiros que procuravam, antes de tudo, enriquecer à custa dos saques, e que lutavam ao lado dos portugueses leais à Casa de Bragança contra os castelhanos e os aliados de D. Filipe III. A Gazeta, em diversas notícias, revela essa situação, sendo que na peça seguinte se revela, ainda, outra função do jornalismo – a explicativa, por vezes com base no recurso a formas figurativas e adjetivas de linguagem: “De Entre-Douro e Minho, no primeiro sábado deste mês, veio uma carta em que se avisa que um capitão de infantaria francês, tenente-coronel, enfadado da suspensão das armas e do grande ódio em que os soldados estavam na cidade de Braga, por causa do Inverno, deliberou sair em campanha e entrar por terras dos inimigos, ele só com a sua companhia, para o que foi com muito segredo, persuadindo aos seus soldados (os quais eram todos portugueses que vieram da Flandres e da Catalunha; gastou oito ou nove dias em lhes dispor os ânimos e em prevenir pólvora, balas, corda e tudo o mais que era necessário para reduzir a acto esta generosa deliberação. E um dia antes do amanhecer deu traça com ele, e os seus soldados saíram à desfilada e caminharam para Melgaço e daí foram marchando pela ponte das Varjas até que entraram na Galiza, destruindo e subvertendo e assolando tudo aquilo que com os olhos descobriam. Não ficou gado que não fizessem presa nem encontraram pelo caminho homem nenhum que não rendessem. Com esta bissaria foram avançando e metendo-se pela terra dentro. Porém, acudiram os inimigos de várias partes e saíram-lhes ao encontro divididos em dois troços, uns pela vanguarda e outros pela retaguarda. Estes segundos se meteram pelos matos e, sem serem vistos, nem sentidos, lhes armaram uma cilada com que lhes cortaram o caminho por onde precisamente haviam de passar quando tornassem. De modo que se marchavam para diante iam dar nas mãos dos que investiam pela vanguarda; se se retiravam, era infalível a ruína, pois metiam-se entre os que cortando-lhes o caminho os esperavam na emboscada; e se faziam alto sem dúvida ambos os esquadrões os acometiam e seria irremediável a perdição. Vendo-se o francês neste tão horrível aperto, fez uma prática aos soldados, representando-lhes o perigo em que a fortuna os havia posto e exortando-os a que deliberassem a perder antes a vida do que a honra. Não lhe deixaram os soldados acabar o discurso, porque todos unânimes e conformes se resolveram a romper aquele esquadrão, que emboscado pretendia tolher-lhes o passo antes que o outro (que já lhe tocava arma pela vanguarda) lho estorvasse. Passou o capitão para a retaguarda e logo viraram com muita destreza os soldados os rostos e foram marchando com tão boa ordem que quando chegaram à emboscada lhe descompuseram a frente e com a primeira carga, a puras feridas e mortes, abriram caminho muito antes que chegasse o esquadrão que marchava em seu alcance. Pisando morto e pondo por terra a todos os que lhe serviam de embaraço, romperam, penetraram e saíram da filada até que se puseram a salvo com tanta galhardia e admiração dos inimigos que nem o outro esquadrão, que já estava perto, se atreveu a segui-los. E o maior assombro que houve nesta heroica ousadia foi da nossa parte não ter morrido ninguém e somente um soldado saiu ferido com uma bala no braço esquerdo, o qual se veio curar à cidade de Braga, onde naquele tempo estava o general Dom Gastão Coutinho. E com este exemplo deliberaram todos sair em campanha e logo o coronel francês foi para as fronteiras do Minho”.



sexta-feira, 7 de junho de 2019

Um manuscrito que é o mais antigo documento sobre a tradição oral em Melgaço




Algures na viragem do século XIX para o século XX, o investigador José Leite de Vasconcelos descobriu um achado curioso na Biblioteca de Évora. Tratava-se de um manuscrito com mais de 200 anos com o título “Palavras e Phrases de Melgaço”, que continha uma recolha de expressões típica da nossa terra de finais do século XVIII.
O etnógrafo conta-nos num artigo da Revista Lusitana da época que “na bilioteca de Évora, pasta nº 12, que tem por título Papeís de D. João de Annunciada, há um folheto de 3 páginas, escritos à pena, cada uma em duas colunas, com o título de Palavras e Phrases de Melgaço. (…)
Contudo, segundo o investigador, a letra deste folheto não era da mão do tal D. João de Annunciada pela comparação que fez com outros papeis que tinha visto da sua autoria. Mas quem é este D. João de Annunciada?
Trata-se de um frade que nasceu em Covões, Cantanhede, algures na segunda metade do século XVIII, tendo falecido em 1847 em Évora. Foi bibliotecário no Mosteiro de S. Vicente de Fora e aí foi regente da cadeira de Retórica, sendo também autor de alguns livros. Por causa das suas ideias liberais, mandaram-no sair do Mosteiro de S. Vicente de Fora e foi deportado para o Mosteiro de Refoios do Lima. Foi provavelmente nessa época que lhe chegou à mão o manuscrito, do qual desconhecemos o autor, com o conjunto de expressões típicas de Melgaço que se encontrava entre os seus papéis na Biblioteca de Évora. Segundo José Leite de Vasconcelos, pelas caraterísticas do manuscrito e da escrita, este será ainda do século XVIII e foi transcrito e publicado por Leite de Vasconcelos em 1905 na Revista Lusitana, volume VIIII. O conteúdo do manuscrito foi analisado pelo médico limiano que trabalhava em Melgaço Dr. António Pereira de Sousa que salienta que algumas das expressões já não se usavam nessa época. Outras ainda hoje se usam...
Partilho aqui o conteúdo do manuscrito transcrito e comentado por José Leite de Vasconcelos na Revista Lusitana:














Fonte: VASCONCELOS, José Leite de (1905) - "Palavras e Phrases de Melgaço". In: Revista Lusitana, Volume VIII.