segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

José Cândido Gomes de Abreu (1825 - 1908) - O PAI do Hospital da Misericórdia de Melgaço

 


Em 16 de Outubro de 1892, é inaugurado o primeiro hospital que Melgaço conheceu na sua História, onde nasceram ou foram tratados gerações de melgacenses e que ali funcionou durante quase um século. Para que a sua construção fosse uma realidade, José Cândido Gomes de Abreu surge como o seu maior impulsionador. Mas quem é este distinto filho da terra a quem Augusto César Esteves chama de “o primeiro dos melgacenses da sua época”?

José Cândido Gomes de Abreu era filho de Tomáz António Gomes de Abreu e de Mariana Gertrudes de Abreu Magalhães, proprietários, da Vila de Melgaço. Era neto paterno de Tomáz José Gomes de Abreu e de Constança Teresa de Araújo, e neto materno do Dr. João Caetano Gomes de Abreu Magalhães e de Maria Bárbara Morfi Ervelha Gaioso e Puga.

Provem de uma das mais prestigiadas famílias melgacenses da época. O seu avô paterno, Tomás José, chegou a fazer estudos eclesiásticos mas abandonou-os sem os concluir. Mais tarde foi escrivão do público, judicial e notas nesta vila de Melgaço, onde casou com D. Constança Teresa de Araújo Lima, filha de Manuel António de Araújo e mulher Maria Gonçalves, moradores na Rua Direita e neta paterna de Domingos António de Araújo e Eugénia Fernandes e materna de Manuel Gonçalves casado com Maria Gonçalves, todos naturais da falada vila. Era fortemente comprometido com a causa liberal.

O seu avô materno, João Caetano Gomes de Abreu Magalhães, nasceu na vila em 1 de Fevereiro de 1744, tendo recebido em Coimbra o grau de bacharel formado, foi Cavaleiro Fidalgo da Casa Real e por morte de seu irmão primogénito a lei chamou-o à administração do morgado dos Chãos e dos bens deixados em capela por João Gomes de Magalhães. Em 1782 morava no Campo da Feira de Dentro e já era sargento-mor das ordenanças de Melgaço. Mais tarde, iria viver para Galvão de Baixo.

O seu pai, Tomás António, filho de Tomás José Gomes de Abreu e esposa, nasceu na Casa da Calçada em 5 de Junho de 1798 e casou na vila de Melgaço em 7 de Outubro de 1824 com D. Mariana Gertrudes de Abreu Magalhães, filha do Dr. João Caetano Gomes de Abreu Magalhães e mulher D. Maria Barbosa Morfi de Puga. Como D. Mariana, que nascera em 15 de Março de 1794 e falecera em 18 de Julho de 1834, Tomás António casou em segundas núpcias no dia 30 de Junho de 1857 com D. Maria Vitória de Araújo, viúva de Domingos José Gonçalves, da vila e filha natural de Felícia Marques, de Soutomendo, lugar de Fiães e dela não teve descendência. Com a esposa teve vários filhos. Além de José Cândido, teve Luís Camilo, nascido em 13 de janeiro de 1828, e Pedro Eduardo, nascido a 8 de Agosto de 1830, ambos fruto do primeiro casamento.

Contudo, José Cândido não quis deixar mal os seus antepassados. No dizer de ESTEVES (1989), era um “negociante probo e acreditado, vereador e prestigioso presidente da Câmara Municipal, integérrimo substituto do Juiz de Direito e, sem dúvida, o primeiro dos melgacenses da sua época; grande homem de bem e um grande e generoso coração - o fundador do Hospital do Santa Casa do Misericórdia, o seu maior título de glória, porque enquanto houver no concelho deserdados da fortuna, o seu nome há-de ser lembrado, querido e respeitado de todos.

José Cândido Gomes de Abreu nasceu na Calçada, freguesia de Santa Maria da Porta, a 16 de Agosto de 1825, e foi batizado na igreja católica três dias depois. Foram seus padrinhos o seu avô paterno, Tomás José Gomes de Abreu e Teresa Clara Pereira da Gama, moradora na Rua da Calçada, desta mesma freguesia.

ESTEVES (1989) carateriza-o nestes dizeres: “De génio alegre e folgazão como é comprovado por inúmeras pessoas e passos da sua vida contados outrora pelos seus auxiliares do comércio,…”.

Desde jovem que se dedicou ao comércio. Teve estabelecimento no Campo da Feira de Fora. Foi vogal do Conselho Municipal, presidente da Câmara (nas décadas de oitenta e noventa do século XIX), mandando construir a capela e casa depósito do cemitério, abrindo – ou alargando – duas ruas: a do Rio do Porto (onde ele teve um estabelecimento de fanqueiro, mercearia, etc.) e a Rua Nova de Melo, depois de demolido completamente o forte construído no século XVII.

Numa fase mais avançada da sua vida, o seu braço direito, no negócio, era um tal Aurélio de Araújo Azevedo, e por morte do mesmo e arrumo familiar da herança foi um dos societários do respetivo estabelecimento, de que, ao cabo, se tornou único dono e senhor.

Em 12 de Setembro de 1876, faleceu a sua tia D. Maria Benedita Júlia Gomes de Abreu. Assim, José Cândido Gomes de Abreu, entre os bens herdados desta sua tia recebeu um pequeno oratório de São Benedito e fiel à memória da falecida, interpretando-lhe o seu maior desejo, quando chegou a oportunidade, mesmo ao lado da casa, no recanto norte, a nascente de um dos seus campos, a rasar com a nova estrada real, fez erguer para S. Benedito uma pequenina mas elegante capela, de pedra lavrada, com altar em forma de nicho gracioso.

A porta de ferro, gradeada, sustenta uma caixa forrada para a recolha das esmolas dos caminheiros. Talvez para outros lhe seguirem as pisadas, no frontispício da capela fez gravar em placa marmórea: “Mandado construir por José Cândido Gomes de Abreu – 1882”. O tempo consumiu as primitivas cores da pintura da imagem e José Cândido mandou-a retocar e reencarnar de novo em 1894.

José Cândido foi juiz eleito efetivo na Comarca de Melgaço no biénio 1856-1857 tendo tomado posse em 25 de Fevereiro de 1856. Foi também juiz substituto de 1870 a 1879, e em mais períodos, além de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço (1868 a 1898).

Como provedor, mandou erguer o Hospital da Misericórdia, inaugurado a 16 de Outubro de 1892, cujo edifício serviu no século XX (depois da década de oitenta) de Escola Superior do Desporto e Lazer (polo de Viana do Castelo). Já neste século, as suas instalações servem diversos departamentos de atuação da Santa Casa.

Esta foi a sua obra maior, dotando Melgaço de um hospital muito bem apetrechado. Contudo, foi em 1860 que o Provedor desta Santa Casa, Frei António Joaquim de Santa Isabel Monteiro, que lançou, pela primeira vez, a ideia de construir um Hospital de Caridade em Melgaço. Mais tarde, em 1863, o Frei António voltou a insistir e reuniu a Mesa com o objetivo de fixar as joias a pagar pelos irmãos aquando da sua entrada na confraria e também para que fosse escolhida uma comissão executiva a favor do projetado hospital. Em 1864, a 12 Março, é conhecida essa comissão, sendo provedor José Cândido Gomes de Abreu, comerciante da terra, com grande espírito empreendedor, que logo começou a advogar a construção do hospital escrevendo a amigos, conhecidos, deputados do Círculo e a todos os que pudessem apoiar a causa. Após este sucesso, nas vésperas do Natal desse ano, em 23 de Dezembro, Justino Augusto de Amorim Azevedo e José Cândido Gomes de Abreu, respetivamente, Administrador do concelho e Provedor da Misericórdia de Melgaço, na qualidade de membros da Comissão Promotora do Hospital de Caridade, compram por 30$000 réis a João Manuel Marques e mulher Plácida Antónia Alves o terreno ocupado por uma pequena casa térrea sita na Rua Nova de Melo, entre a área cedida pelo Ministério da Guerra para o levantamento do hospital e a casa, ainda em construção, do médico João Luís de Souza Palhares. Em 1874, a fim de obter fundos para as obras, José Cândido Gomes de Abreu levou os irmãos a reduzirem o número de missas fixado para os sufrágios pelos irmãos falecidos. Assim, em Outubro de 1875, depois de reunidos os fundos e vencidos os obstáculos burocráticos, inicia-se finalmente a construção do hospital. Iniciaram-se os trabalhos de pedreiro, que foram dirigidos pelo famoso Manuel José Gomes, o “Mestre do Regueiro”, que era assim conhecido na época por ser natural deste lugar da freguesia de S. Paio. Mais tarde, foi contratado também o mestre João Manuel Esteves, morador na vila de Melgaço mas natural de Messegães, e foi encarregado de dirigir as obras de carpintaria. Em 1892, a 16 Outubro, um domingo, é feita a inauguração do Hospital da Caridade, com mais de 300 pessoas de todo o concelho e vizinhos percorrendo demoradamente as enfermarias e outras dependências. Nas palavras de Augusto César Esteves, “a energia indomável de José Cândido Gomes de Abreu patenteou aos olhos de todos o grande milagre da sua geração, inaugurando nesse memorável dia o Hospital da Caridade” e refere-se ao então Provedor como “o primeiro e mais representativo melgacense dos seus séculos” (ESTEVES, A., 1957).

Entre outras tantas coisas que tinha entre mãos, sabemos também que, em 1883, José Cândido figurava entre os acionista do Banco Comercial do Porto, onde era detentor de 10 ações da instituição bancária.

Foi Cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, comenda concedida pelo Governo a 17 de Fevereiro de 1886.

A vida de José Cândido também passou pela imprensa local. A 6 de Novembro de 1887, fundou o jornal “O Melgacense”, cujo redator principal era o Dr. António Joaquim Durães. Sobreviveu quatro anos. A seguir, em Janeiro de 1892, nasceu o “Espada do Norte”, dirigido pelo padre António Avelino do Outeiro, natural de Paços. Durou um ano, ou seja, até Dezembro de 1892. Lê-se em Melgaço, Sentinela do Alto Minho, 2.º volume: «Apareceu depois, num último esforço para captar as simpatias dos leitores do primeiro semanário, um outro periódico – O Melgacense – propriedade e administração de José Cândido Gomes de Abreu e redação do padre Aníbal de Vasconcelos Passos (…) Nem um ano deitou fora (1893), que se todos respeitavam José Cândido como homem de grande iniciativa e de bondoso coração, muitos não o toleravam como político.»

Os seus negócios eram bastantes abrangentes: depositário da Companhia de Tabacos, agente dos Bancos Comercial e Aliança, e ainda agente de uma funerária. Era ainda agente do “Banco do Minho”, em Melgaço, através do qual eram despachadas remessas de emigrantes no Brasil para a nossa terra, provenientes do “Banco do Pará” (Brasil), região onde havia uma importante comunidade de emigrantes melgacenses, na época. Repare-se em anúncios no “Diário de Manaos”, como na edição de 21 de Agosto de 1891, relativo às agências do “Banco do Minho” em Portugal para onde eram despachadas as malas com dinheiro ou outros valores, e que cita José Cândido Gomes de Abreu como agente desta entidade bancária em Melgaço.

José Cândido casou na Vila de Melgaço catolicamente, a 27 de Dezembro de 1894, com a sua governanta de muitos anos, Ana Joaquina, nascida na vila, Santa Maria da Porta, por volta de 1833, filha de João Manuel Vasques e de Vicenta Gomes. Testemunhas presentes: Dr. Francisco Luís Rodrigues Passos, médico do partido municipal, e sua esposa, Ludovina Rosa Monteiro de Vasconcelos Mourão, moradores na Vila de Melgaço.

Ana Joaquina Vasques não lhe deu filhos, mas José Cândido gerou em Joaquina Gomes, solteira, da Vila de Melgaço, filha de Joana Gomes, de Cecriños, Galiza, uma criança do sexo feminino, a quem deram o nome de Paulina Cândida, nascida no lugar do Barral, Paderne, a 24 de Julho de 1852, a qual ele reconheceu como filha.

Em 1907 foi eleito primeiro presidente da Associação de Socorros Mútuos do Centro Artístico Melgacense e tinha como vice-presidente Hermenegildo José Solheiro. Esta instituição, entre outras atividades, tinha uma banda filarmónica. Tomaram posse a um domingo, 21 de Julho de 1907, na Escola Conde de Ferreira, data oficial da sua fundação. Esta associação esteve originariamente ligada à Sociedade União Melgacense que era no concelho a responsável pelo ensino da música.

José Cândido Gomes de Abreu faleceu a 16 de Dezembro de 1908, aos 83 anos de idade, na sua casa do Campo da Feira de Fora, Santa Maria da Porta, sem sacramentos, devido ao seu estado de saúde, com testamento, e foi sepultado no cemitério municipal.

Teve mais de cem afilhados, alguns dos quais foram contemplados no seu longo testamento. O resto dos seus bens deixou-os à viúva e a outros parentes.

Passados quarenta anos da sua morte, o “Mário de Prado” escrevia no “Notícias de Melgaço: “…foi um homem invulgar, dotado de extraordinária força de vontade e excecional espírito de iniciativa.” Pede aos conterrâneos que lhe ergam um busto numa das praças, mas até hoje ninguém ousou dar esse passo.

O chamado Largo da Calçada foi designado durante muitos anos de “Largo José Cândido Gomes de Abreu. A Câmara Municipal de Melgaço, então presidida por Rui Solheiro, atribuiu ao Largo da Calçada (ou Praça José Cândido Gomes de Abreu) o nome de Praça Amadeu Abílio Lopes.

Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1003, de 2 de Dezembro de 1951: «LARGO GOMES DE ABREU – Começaram as obras de calcetamento no Largo José Gomes Gomes de Abreu e oxalá em boa hora elas sejam feitas. Precisadinho estava, pois sendo o sítio da principal entrada da Vila, há muito vinha pedindo o cuidado de o arranjarem convenientemente. E, como um dos limites da Vila, por terem desaparecido os quintais de Gomes de Abreu e Bento Dias, é hoje este Largo, torna-se necessário dar disso conhecimento ao varredor das ruas para que a vassoura municipal também a percorra. Sim, que a vassoura municipal se gaste aqui como nas outras partes, porque a Calçada é o coraçãozinho da Vila, pese a quem pesar, doa a quem doer

Escreveu o “Mário de Prado” em Outubro de 1948: “Passa no próximo dia 16 do corrente mês o quadragésimo aniversário do falecimento do grande benemérito que se chamou em vida José Cândido Gomes de Almeida, prestigioso cidadão que ainda hoje, apesar dos quarenta anos que já se escoaram pela austera ampulheta do Tempo, nós, melgacenses, recordamos com viva e pungente saudade. Antigo presidente da Câmara Municipal deste concelho, primeiro substituto do Juiz de Direito da Comarca de Melgaço, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço, comendador da Ordem da Senhora da Conceição de Vila Viçosa, e conceituado comerciante da nossa praça, a sua ação honesta, inteligente e altruísta, foi sempre orientada numa diretriz que ficou assinalada na grandiosa obra de caridade que, forçosamente, será sempre lembrada com legítimo orgulho. As obras municipais que JCGA nos legou são, também, muitas e importantes. E entre todas destaca-se, e ficou a perpetuar a sua saudosa memória, o importante edifício do hospital da Santa Casa da Misericórdia – a nossa Domus Caritatis – que é, pode afirmar-se, obra exclusivamente sua, e que, por si só, basta para ser apontado a todos os melgacenses como o maior e mais benemérito homem do seu tempo. José Cândido Gomes de Abreu foi um homem invulgar, dotado de extraordinária força de vontade e excecional espírito de iniciativa. Desinteressadamente, consagrou toda a sua vida ao progresso desta linda terra que lhe serviu de berço e sepultura. O seu passado, probo e laborioso, é, por assim dizer, um livro aberto, no qual os melgacenses bem podem colher os ensinamentos, as energias e o altruísmo que são necessários para se edificar um Melgaço maior e melhor. Pois é verdade, estimados leitores: dizia eu que faz já no próximo dia 16 do corrente quarenta anos que faleceu o comerciante Gomes de Abreu, saudoso filantropo que ainda hoje – é justo repeti-lo – apesar da poeira dos anos, todo Melgaço chora. 40 anos!... Como o tempo foge! E nós, os melgacenses, sem ainda termos liquidado uma dívida que há tantos anos trazemos em aberto. E essa dívida, embora avultada, não é impossível, nem mesmo difícil, de pagar. Estou daqui já a ouvir os estimados leitores: “se não é impossível, nem mesmo difícil de pagar, então que urge fazer para liquidá-la, ou ao menos amortiza-la”? Pouca coisa. Para amortiza-la era só preciso que no dia 16 do corrente mês se celebrassem exéquias solenes, na igreja da SCMM, em sufrágio da alma de tão saudoso extinto, findas as quais organizar-se-ia por todos os melgacenses dignos deste nome e amantes da sua terra, uma piedosa peregrinação de romagem ao cemitério onde deporia sobre o seu túmulo uma significativa coroa de flores, como preito de gratidão e homenagem póstuma à memória do maior benemérito que em Melgaço nasceu, viveu e morreu. E para liquidá-la? Para liquidá-la, é dever e obrigação, organizar-se no concelho uma comissão que se encarregue de promover e patrocinar uma subscrição pública com o fim de se angariarem os fundos necessários à aquisição do busto do grande melgacense, cuja falta há quarenta anos que se vem notando no nosso querido burgo. Ao critério e apreciação dos bons melgacenses aqui deixo as minhas paupérrimas sugestões. Dado o caso que não sejam tomadas em consideração, eu nem por isso deixarei de ficar de bem com a minha consciência por ter prestado, com estas descoloridas linhas, justiça a JCGA, ao mesmo tempo que curvar-me-ei respeitosamente, perante a sua veneranda memória com o recolhimento piedoso que sempre me inspira o dia do aniversário do seu falecimento e ainda plenamente seguro e convencido de que o seu espírito dorme tranquilo o sono dos justos junto do trono de Deus, satisfeito por na terra sempre ter semeado o Bem, única semente que germinou em tão nobre e grande coração.”

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Nos primórdios da igreja de Santa Maria da Porta (Melgaço)

 


O território que na atualidade constitui a freguesia da Vila (Melgaço) repartiu-se, até meados do século XVI, entre três diferentes freguesias: Santa Maria da Porta, São Fagundo e Santa Maria do Campo, todas elas de fundação medieval. 

Segundo PINTOR (1975), a Igreja de Santa Maria da Porta “existia nos fins do século XII, e já seria antiga. Foi então que se construiu outra, se não foi que se reconstruiu a que já havia, para comportar a população da nova vila”. 

Esta igreja construi-se a uma curta distância da porta da muralha e dedicada a Santa Maria e por isso, acreditamos, se chama de Santa Maria da Porta, de forma a distinguir-se de uma outra dedicada a Santa Maria do Campo. 

O mesmo investigador refere-se a um acordo datado de 30 de Junho de 1183 entre, D. Martinho, abade do Mosteiro de Fiães e o concelho de Melgaço, pelo qual “o mosteiro tomava conta da igreja de Santa Maria de Melgaço durante 15 anos para a reparar e depois ficaria sendo metade do concelho e metade do mosteiro mas sempre indivisa e administrada pelo mosteiro”. Este acordo foi renovado em 30 de Junho de 1185 “e poderá ter sido motivado pela mudança do D. Abade de Fiães”. Trata-se da referência documental mais antiga que conhecemos a esta igreja, ainda no dito documento, a mesma é designada de “ecclesia beate Marie de Melgazo”, não se fazendo ainda referência à porta da muralha na sua designação. 

Passados mais 2 anos, a 1 de Abril de 1187, foi acertado um novo acordo mas desta vez com o arcediago de Valadares D. Garcia e “todos os moradores de Melgaço, tanto homens como mulheres”, em concessão ao referido arcediago sobre a igreja de Santa Maria com a condição de a restaurar e edificar com a ajuda deles, proporcionando-lhe materiais até que ficasse acabada e pronta. Depois ficaria o arcediago com uma terça parte para si e seus herdeiros, e eles com duas terças, continuando indivisa e em boa concórdia”. 

Tal como aludido em secção anterior desta obra, a 13 de Abril de 1205, foi outorgado novo acordo relativo à Igreja de Melgaço, desta vez entre o arcediago de Valadares D. Garcia Nunes e seu protegido André Garcia com o mosteiro de Fiães, de que era abade D. Domingos. O referido André Garcia devia ter em seu poder a “igreja de Melgaço que está edificada junto à porta da mesma vila”, mas sob a tutela do dito arcediago em sua vida. Após a morte do arcediago conservá-la-ia em sua vida mas por alma dele daria todos os anos no dia da Ceia do Senhor (5ª feira santa) oito soldos para o refeitório do mosteiro. Por morte de André Garcia, ficava a igreja de Melgaço em propriedade do mosteiro. Este documento é assinado pelo beneficiado André Garcia juntamente com o concelho de Melgaço. Tal como se alude em secção anterior desta obra, este documento contem a mais antiga citação conhecida à localização da igreja junto à porta do castelo (“ipsam ecclesiam de Melgazo que est edificata prope portam ipsius ville”). 

Pela relação das igrejas do bispado de Tui elaborada em 1258, os inquiridores régios registaram a igreja de Santa Maria da Porta, que era de "três quartas regis", e as de Santa Maria do Campo e a de São Fagundo, todas em Melgaço, reguengas, ou seja, do padroado régio. 

Em 1320, o Papa concedeu ao rei D. Dinis durante três anos a décima parte das rendas eclesiásticas para a guerra contra os mouros. Fez-se uma estimativa geral dos rendimentos das igrejas de todo o reino. Nesse rol aparece-nos Santa Maria da Porta taxada em 110 libras” (PINTOR, 1975), enquanto que São Fagundo e Santa Maria da Porta, estavam avaliadas, em 30 libras cada. Daqui se depreende que o rendimento de Santa Maria da Porta era muito superior às sua vizinhas.


Fonte consultada: PINTOR, Manuel A. Bernardo (1975) - Melgaço Medieval.

domingo, 9 de janeiro de 2022

Grande Hotel do Pezo, 6 de Agosto de 1896

 


Em 1896, as Águas de Melgaço ainda não eram muito conhecidas, mas o número de visitantes crescia de ano para ano. Ainda só havia o Grande Hotel do Pezo (Ranhada), e os hotéis Quinta do Pezo e o Alto Minho só abririam no início do século XX. 

No jornal “Commercio do Minho, encontrámos um interessante texto escrito por Almeida Silvano que se encontrava hospedado no Grande Hotel do Pezo e que nos fala da vida no hotel na época: 

“Grande Hotel do Pezo, 6 de Agosto de 1896 

(...) As Águas [de Melgaço], infelizmente tão pouco conhecidas no paiz, são de primeira ordem, como o amigo redactor pode verificar n’um folheto que lenho o gosto de lhe remeter; e de que sua critica imparcial dirá o que houver por bem, na certeza de que o auctor não se zangará se lhe applicar uma tareia monumental por se metterquasi, em seara alheia.  

Mas que quer? Elle tem a mania de ser patriota, e amigo de que os outros quinhoem dos beneficios que a mão pródiga da Providência dá para todos. 

Fui a Mondariz 2 annos a seguir, e o benefício que essas afamadas águas me fizeram, lá verá o amigo que foi nenhum. Sei que em Valença se faz propaganda de descrédito das nossas Águas de Melgaço, e tudo se apregoa em favor das hespanholas de Mondariz, sendo para lastimar que n’este conluio de descrédito se vejam empenhados alguns portuguezes, não sei se consciente ou inconscientemente. Ora isto é uma baixeza e uma vergonha, que só no interesse sórdido pode ter fundamento, as quaes estão exigindo um correctivo dos verdadeiros patriotas porque a verdade é que as nossas águas de Melgaço, pelo que testemunham quantos a ellas vem, se não são superiores às de Mondariz, como eu e muitos as consideramos, concluindo dos benefícios recebidos, certissimamente não lhes são inferiores, como lá poderá verificar nas respectivas tabellas de analyses 

Um dos motivos ou pretextos em que se fundam os que andam empenhados no descrédito d’estas águas é dizer que aqui não há hotel capaz, havendo apenas uma taberna, que recebe hospedes. Ora isto é uma falsidade revoltante. É certo que o hotel d’onde lhe escrevo, único por enquanto, o Grande Hotel do Pezo, não está no ponto em que se acham os hotéis de 1ª classe em Mondariz, como são o Hotel do Peinador e o Hotel Francez, onde se paga a média de 15 500 a 25 000 réis por dia mas digo em verdade que não fica inferior ás commodidades que lá nos proporcionam os hotéis de 2ª classe, como são o Hotel Carrera, Hotel Avelino e Modista.  

Pelo que toca a aposentos ou quartos, este não se arreceia de confronto, quanto a dimensões, pelo que, porém, diz respeito às vistas ou horizontes em que os olhos pastem, isso nem é bom fallar. Os melhores de Mondariz não chegaram a creados dos quartos da frente d’este hotel.  

Quanto ao refeitório, o d’este regula pelo d’aquelles. Não direi que esteja á altura de paladares exquisitos, nem que seja cozinha de 1ª ordem, mas satisfaz a quem vem doente e curar-se aqui. O tempo, com a concorrência, irá introduzindo os aperfeiçoamentos de que isto é susceptivel, e traz em mente o proprietário do hotel, o bom do Snr. António, como todos aqui, por justiça e sobrada razão, lhe chamamos.  

A casa vai crescendo e melhorando de anno para anno. Este em que vamos, deu-nos mais 6 quartos no  andar, dos quaes 2 podem servir para matrimónios, como por aqui também se diz. 

Aqui no hotel, pode-se beber quanta água mineral se queira, nas refeições e fora d’ellas, que nem por isso apparecem extraordinários, como em Mondariz, em que cada garrafa custa 50 réis.  

Outras vantagens pelas quaes esta estância se torna preferível a Mondariz, lá as verá o amigo apontadas. 

— Acaba de sair hoje d’aqui, quinta-feira, o illustre e amavel Commissário de Polícia da Madeira, Snr. Pedro d’ Alenquer Goes, o qual foi, como tantos outros patrícios seus, procurar a Mondariz alívio e a possível cura da terrível diabetes. Depois de 18 dias lá passados, saiu tão melancólico e acabrunhado e tão maldisposto que se resolveu a vir aqui, de que tanto mal tinha ouvido dizer em Valença, ver com seus próprios olhos. Chegou na segunda-feira, com tenção de sair logo na terça, segundo me elle disse; mas tão prezo e captivo ficou da pureza d’estes ares, da belleza d’estes sítios e do bem que as águas lhe assentavam, que só hoje se despegou, por não perder o vapor que de Lisboa o há-de levar, d’aqui a dias, ao seu posto, que dirige com tanta prudência, tino e applauso, de que é digno por seus bellos sentimentos de portuguez 

vae apostado, segundo elle affirmou a fazer todo o possível por que para o anno vindouro, em que conta vir estar aqui um mez, lhe sigam a esteira todos os seus patrícios, que constituem o maior contingente de diabéticos estrangeiros a Mondariz.  

Ao presente, estamos n’este hotel umas 26 pessoas, tendo a casa quartos para cerca de 40 pessoas. Ainda hontem chegaram 2 famílias. O viver d’aqui é simples, sincero, como em família, vivendo-se irmãmente. Como ponto de partida, para digressões alegres e aprazíveis é de 1ª ordem, offerecendo incomparável facilidade para algumas viagens em Hespanha, quer a nascente — a Orense —, quer a norte — Vigo, Pontevedra, Santiago. O ferro-carril passa-nos alli em baixo, a 10 minutos de passeio, da outra margem do Minho.  

Temos por cá um tempo fresco que parece maio metido por agosto dentro. Desde segunda-feira, temos tido chuva todos os dias, com trovões só nos dias 3 e 4. Foi uma rega abundante, que dispensa o sacho nos milharais por estes 20 ou 30 dias. As latadas estão por cá formosíssimas, começando agora a pintar o bago. 

Algo lhe queria contar mais ficará para outra assentada, porque hoje já tenho dada larga geira, para haver de satisfazer dívidas em atrazo, algumas, não poucas das quaes ainda ficam para saldar. 

E o amigo pugnando pelos créditos das nossas águas concorrerá também para uma obra de humanidade, porque estas águas são de geral efficácia, e de patriotismo igualmente, porque as dezenas de contos que anualmente vão ficar em Mondariz, paiz estrangeiro, devem vir ferlilizar esta região tão nossa, aumentando a riqueza pública da nossa casa...” 

 

Almeida Silvano