sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A linguagem oral das gentes de Melgaço eternizada há cerca de um século atrás



O etnólogo José Leite de Vasconcelos é seguramente um dos maiores imortalizadores das tradições melgacenses. Esteve em Melgaço entre a década de 90 do século XIX e várias vezes durante o primeiro quarto do século XX. Visitou várias freguesias do concelho, desde Paderne ou Cristoval até Cubalhão ou Castro Laboreiro.
Entre outras tradições melgacenses que eternizou na sua obra, encontra-se a maior inventariação de palavras, expressões ou cantigas populares da nossa terra alguma vez feita e que seria publicada na Revista Lusitana, ainda na década de 20 do século passado.
José Leite de Vasconcelos deixou-nos uma impressionante recolha de quase 400 palavras usadas na tradição oral da nossa terra de há cerca de um século atrás. Alguns termos ainda se usam, outros caíram entretanto em desuso. Tudo compilado numa espécie de "dicionário". Faça uma viagem entre as palavras que os nossos avós pronunciavam...


VOCABULÁRIO






























Extraído de:

- VASCONCELOS, José Leite de (1926) - Linguagem de Parada do Monte. In: Linguagens de Portugal e Hespanha. Separata da Revista Lusitana, Lisboa.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Sobre a origem do nome de um lugar da freguesia de Rouças (Melgaço)




Na freguesia de Santa Marinha de Rouças, neste concelho de Melgaço, próximo do antigo Mosteiro de Fiães, encontra-se o lugar de Bilhões, uma localidade referida em documentos históricos com mais de 800 anos.
Nos documentos que compõe o Cartulário de Fiães, podemos encontrar referências a este lugar sob formas com as variantes Uileones, Uelóes e Uilones, às quais podemos juntar ainda a forma Velhoos que surge nas Inquirições de 1288, todas designações primitivas utilizadas na Idade Média. Este pequeno conjunto de registos dá para extrairmos algumas conclusões acerca da etimologia e a evolução formal do topónimo Bilhões.
As mais antigas referência ao lugar de Bilhões datam de 15 de Maio de 1164 e contam num documento em que um tal de Pedro Pais vende a Mendo Gosendes, frade do mosteiro de Santa Maria de Fiães, a herdade que detinha em Bilhões. No dito documento, pode ler-se “De Uilleones (…) Ego Petrus Pelagij uobis Menendo Gosendiz fratris de Fenalis propria uoluntate uendo hereditatem, scilicet quartam illam de Uelóes (Bilhões)...”
Segundo o estudo de LEMA, Paulo M. (2018), basta o confronto dessas referências primitivas com a forma atual Bilhões para repararmos em como a codificação gráfica hodierna deste nome de lugar veio a ficar condicionada pela conhecida desfonologização do par /b/ – /β/ (> /b/) que, provavelmente desde época muito recuada, acabou por prevalecer nos falares portugueses setentrionais — sobretudo nos de Entre Douro e Minho —, bem como nos galegos.
O mesmo autor acrescenta que “de resto, como assinalado, as formas retiradas do Cartulário de Fiães esclarecem alguma coisa a propósito da provável origem do topónimo ou, no mínimo, fornecem-nos alguns elementos de interesse a partir dos quais elaborarmos uma hipótese que julgamos, em tese, verosímil. Lembremos que Piel/ Kremer (HgNb §302, 24), que registam o topónimo sob a forma Vilhões, já o tinham incluído no alargado grupo daqueles nomes de lugar que, à partida, ter-se-ão filiado num tema germânico *will(j)- ‘desejo’, ‘prazer’. Este item, enquanto pré-componente, é facilmente reconhecível no repertório onomástico galego-português alto-medieval através de vários antropónimos bitemáticos que, por sua vez, geraram uma quantidade relativamente elevada de formas toponímicas: e.g. WILIAREDUS (> gal. Guillarei, Guillareo), WILIAFREDUS (> port. Guilhofrei), WILIARIUS (> gal. Guillar, Guilleiro), WILIFONSUS (gal. Guilfonso, port. Guilhafonso, Vila Fonche), WILIAMIRUS (> gal. Guillamil, Villamir; port. Guilhomil), WILIAFREDUS (> port. Guilhabreu, Guilhofrei) etc. Ora importa notar que, como observável aliás noutros constituintes onomásticos homologáveis, o tema *will(j)- terá funcionado também como elemento nominal autónomo.
É na sequência destes registos — que indiciam alguma vitalidade onomástica do tema que estamos a analisar enquanto item autónomo — que achamos assumível colocar, como possível origem do topónimo Bilhões, uma forma antiga *WILIONIS, interpretável por sua vez como genitivo do antedito antropónimo WILIO com flexão consonântica, sendo esta habitual — e até praticamente exclusiva — dos antropónimos monotemáticos ou com sufixo lexical átono (Boullón Agrelo 2012,157)4, como GOTO, ‑ONIS → *(UILLA) GOTONIS > gal. Godóns, FAFILA, ‑ANIS → *(UILLA) FAFILANIS > gal. Fefiñáns, port. Fafiães etc. Quanto à evolução fonética, podemos reconstruir para esse alegado sintagma *(UILLA) WILIONIS um percurso que condiz com aquilo que sabemos da fonética histórica galego-portuguesa e, ainda, com os registos retirados do Cartulário de Fiães: *WILIONIS > *Vilhones > Vilhões > Bilhões.
É assim que podemos explicar de maneira satisfatória a alternância representada pelos antropónimos Gilloi / Uilloi — desde que sejam, na verdade, variantes grafo-fonéticas do mesmo tipo antroponímico".



Informações extraídas de:
- LEMA, Paulo Martinez (2018) - O Cartulário de Fiães enquanto corpus toponímico: acerca de alguns nomes de lugar na fronteira galego-portuguesa. projeto de investigação Inventario Toponímico da Galicia Medieval (ITGM), desenvolvido no Instituto da Lingua Galega (Universidade de Santiago de Compostela.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A freguesia de Remoães (Melgaço) em tempos antigos




Não encontramos, até 1258, referências documentais a Remoães. Apenas nas terceiras Inquirições de D. Dinis, datadas do ano de 1307, é mencionada esta terra, sendo que o inquiridor régio se refere a Remoães como tendo privilégio de "honra".
Em tempos antigos, Remoães foi vigairaria anexa à freguesia de São Paio de Melgaço e da apresentação do abade desta última, antes de se tornar freguesia independente.
São raras as descrições antigas desta pequena freguesia do nosso concelho. A descrição mais antiga com algum pormenor das terras de Remoães remonta ao início do século XVIII. O padre Carvalho da Costa na sua obra “Corografia Portuguesa”, publicada em 1706, descreve a freguesia nestes termos: “S. João de Remoães, é Vigairaria do mesmo Abade, a quem é anexa, rende ao Vigário vinte e cinco mil reis, os dízimos vão na Matriz. Tem oitenta e dois vizinhos. Aqui está a Juradia da Várzea sujeita a Melgaço, mas da Freguesia do Mosteiro de Paderne em Valadares.” Além disto, o autor elogia os presuntos e outros produtos do campo produzidos em terras de Remoães nesta época escrevendo que Melgaço “tem boas e férteis terras, pela maior parte, mas em particular o vale da Folia [designação antiga para o atual território da freguesia de Remoães, concelho de Melgaço] com grandes vantagens: dá muito pão e vinho, frutas, feijão, hortaliças e cebolas muy celebradas por doces e as melhores desta província, excelentes presuntos sem sal...
Em meados do século XVIII, ficamos a conhecer algo de Remoães na época pelas Memórias Paroquiais redigidas em 13 de Maio de 1758. O padre de Remoães, na época, era um tal Gregório Salgado. O dito pároco deixou escrito que esta freguesia pertencia ao termo de Melgaço, comarca de Valença, arcebispado de Braga e, no secular, era da comarca de Barcelos, da Casa de Bragança. Remoães tinha 25 fogos inteiros e 25 meios fogos, 147 pessoas maiores e 11 menores. A igreja, com orago de São João Baptista, ficava no meio do lugar e não tinha naves. Tinha o altar-mor com as imagens da Senhora do Rosário, São Miguel e o padroeiro São João Baptista, o altar colateral do Evangelho com a imagem da Senhora da Purificação e São Domingos, e o colateral da Epístola com as imagens de Nossa senhora e Santo António. O pároco era vigário perpétuo ad nutum apresentado pelo abade de São Paio de Melgaço, tendo de rendimento 20 alqueires de pão, 2 alqueires de trigo, 12 potes de vinho e 8$000 em dinheiro. Na época, os fogos inteiros pagavam meio alqueire de pão e um pote de vinho e os meios fogos pagavam um quarto de pão e meio pote de vinho. Segundo o pároco, nesta época existia na freguesia um barco de duas dornas para passar as pessoas de uma margem para a outra no rio Minho.
Já no último terço do século XIX, encontramos duas curtas descrições da terra de Remoães. No livro “Portugal Antigo e Moderno” do professor Pinho Leal (1874) esta freguesia é assim descrita: “...comarca e concelho de Melgaço (foi do mesmo concelho, mas da comarca de Monção), 70 Kms ao norte de Braga, 430 ao norte de Lisboa, 56 fogos. Em 1757, tinha 50 fogos. O orago é S. João Baptista. Arcebispado de Braga, e districto administrativo de Vianna. O abbade de S. Payo de Melgaço, apresentava o vigário, collado, que tinha 8$000 réis de congrua e o pé d'altar. Clima excessivo e pouco fértil.”
No livro “O Minho Pittoresco”, publicado em 1886, o autor conta-nos que “contigua a Prado, ali está à beira-Minho REMOÃES, cuja multiplicidade de pequenos campanários em forma pyramidal, destaca ao longe d'entre as àrvores que rodeiam a egreja e lhe dão um aspecto pittoresco.
Como Prado, foi em tempo annexa à freguezia de S. Payo. Ultimamente descobriram-se em Remoães umas importantes nascentes de aguas minerais, alcalinas, ferruginosas e sulphureas, que uma empresa já organizada trata de explorar.”
Atualmente, a freguesia encontra-se unida à de Prado...