sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Sobre a origem do nome de um lugar da freguesia de Rouças (Melgaço)




Na freguesia de Santa Marinha de Rouças, neste concelho de Melgaço, próximo do antigo Mosteiro de Fiães, encontra-se o lugar de Bilhões, uma localidade referida em documentos históricos com mais de 800 anos.
Nos documentos que compõe o Cartulário de Fiães, podemos encontrar referências a este lugar sob formas com as variantes Uileones, Uelóes e Uilones, às quais podemos juntar ainda a forma Velhoos que surge nas Inquirições de 1288, todas designações primitivas utilizadas na Idade Média. Este pequeno conjunto de registos dá para extrairmos algumas conclusões acerca da etimologia e a evolução formal do topónimo Bilhões.
As mais antigas referência ao lugar de Bilhões datam de 15 de Maio de 1164 e contam num documento em que um tal de Pedro Pais vende a Mendo Gosendes, frade do mosteiro de Santa Maria de Fiães, a herdade que detinha em Bilhões. No dito documento, pode ler-se “De Uilleones (…) Ego Petrus Pelagij uobis Menendo Gosendiz fratris de Fenalis propria uoluntate uendo hereditatem, scilicet quartam illam de Uelóes (Bilhões)...”
Segundo o estudo de LEMA, Paulo M. (2018), basta o confronto dessas referências primitivas com a forma atual Bilhões para repararmos em como a codificação gráfica hodierna deste nome de lugar veio a ficar condicionada pela conhecida desfonologização do par /b/ – /β/ (> /b/) que, provavelmente desde época muito recuada, acabou por prevalecer nos falares portugueses setentrionais — sobretudo nos de Entre Douro e Minho —, bem como nos galegos.
O mesmo autor acrescenta que “de resto, como assinalado, as formas retiradas do Cartulário de Fiães esclarecem alguma coisa a propósito da provável origem do topónimo ou, no mínimo, fornecem-nos alguns elementos de interesse a partir dos quais elaborarmos uma hipótese que julgamos, em tese, verosímil. Lembremos que Piel/ Kremer (HgNb §302, 24), que registam o topónimo sob a forma Vilhões, já o tinham incluído no alargado grupo daqueles nomes de lugar que, à partida, ter-se-ão filiado num tema germânico *will(j)- ‘desejo’, ‘prazer’. Este item, enquanto pré-componente, é facilmente reconhecível no repertório onomástico galego-português alto-medieval através de vários antropónimos bitemáticos que, por sua vez, geraram uma quantidade relativamente elevada de formas toponímicas: e.g. WILIAREDUS (> gal. Guillarei, Guillareo), WILIAFREDUS (> port. Guilhofrei), WILIARIUS (> gal. Guillar, Guilleiro), WILIFONSUS (gal. Guilfonso, port. Guilhafonso, Vila Fonche), WILIAMIRUS (> gal. Guillamil, Villamir; port. Guilhomil), WILIAFREDUS (> port. Guilhabreu, Guilhofrei) etc. Ora importa notar que, como observável aliás noutros constituintes onomásticos homologáveis, o tema *will(j)- terá funcionado também como elemento nominal autónomo.
É na sequência destes registos — que indiciam alguma vitalidade onomástica do tema que estamos a analisar enquanto item autónomo — que achamos assumível colocar, como possível origem do topónimo Bilhões, uma forma antiga *WILIONIS, interpretável por sua vez como genitivo do antedito antropónimo WILIO com flexão consonântica, sendo esta habitual — e até praticamente exclusiva — dos antropónimos monotemáticos ou com sufixo lexical átono (Boullón Agrelo 2012,157)4, como GOTO, ‑ONIS → *(UILLA) GOTONIS > gal. Godóns, FAFILA, ‑ANIS → *(UILLA) FAFILANIS > gal. Fefiñáns, port. Fafiães etc. Quanto à evolução fonética, podemos reconstruir para esse alegado sintagma *(UILLA) WILIONIS um percurso que condiz com aquilo que sabemos da fonética histórica galego-portuguesa e, ainda, com os registos retirados do Cartulário de Fiães: *WILIONIS > *Vilhones > Vilhões > Bilhões.
É assim que podemos explicar de maneira satisfatória a alternância representada pelos antropónimos Gilloi / Uilloi — desde que sejam, na verdade, variantes grafo-fonéticas do mesmo tipo antroponímico".



Informações extraídas de:
- LEMA, Paulo Martinez (2018) - O Cartulário de Fiães enquanto corpus toponímico: acerca de alguns nomes de lugar na fronteira galego-portuguesa. projeto de investigação Inventario Toponímico da Galicia Medieval (ITGM), desenvolvido no Instituto da Lingua Galega (Universidade de Santiago de Compostela.

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