Na
freguesia de Santa Marinha de Rouças, neste concelho de Melgaço,
próximo do antigo Mosteiro de Fiães, encontra-se o lugar de
Bilhões, uma localidade referida em documentos históricos com mais
de 800 anos.
Nos
documentos que compõe o Cartulário de Fiães, podemos encontrar
referências a este lugar sob formas com as variantes Uileones,
Uelóes e Uilones, às quais podemos juntar ainda a forma Velhoos
que surge nas Inquirições de 1288, todas designações primitivas
utilizadas na Idade Média. Este pequeno conjunto de registos dá
para extrairmos algumas conclusões acerca da etimologia e a evolução
formal do topónimo Bilhões.
As
mais antigas referência ao lugar de Bilhões datam de 15 de Maio de
1164 e contam num documento em que um tal de Pedro Pais vende a Mendo
Gosendes, frade do mosteiro de Santa Maria de Fiães, a herdade que
detinha em Bilhões. No dito documento, pode ler-se “De Uilleones
(…) Ego Petrus Pelagij uobis Menendo Gosendiz fratris de Fenalis
propria uoluntate uendo hereditatem, scilicet quartam illam de Uelóes
(Bilhões)...”
Segundo
o estudo de LEMA, Paulo M. (2018), basta o confronto dessas
referências primitivas com a forma atual Bilhões para repararmos em
como a codificação gráfica hodierna deste nome de lugar veio a
ficar condicionada pela conhecida desfonologização do par /b/ –
/β/ (> /b/) que, provavelmente desde época muito recuada, acabou
por prevalecer nos falares portugueses setentrionais — sobretudo
nos de Entre Douro e Minho —, bem como nos galegos.
O
mesmo autor acrescenta que “de resto, como assinalado, as formas
retiradas do Cartulário de Fiães esclarecem alguma coisa a
propósito da provável origem do topónimo ou, no mínimo,
fornecem-nos alguns elementos de interesse a partir dos quais
elaborarmos uma hipótese que julgamos, em tese, verosímil.
Lembremos que Piel/ Kremer (HgNb §302, 24), que registam o topónimo
sob a forma Vilhões, já o tinham incluído no alargado grupo
daqueles nomes de lugar que, à partida, ter-se-ão filiado num tema
germânico *will(j)- ‘desejo’, ‘prazer’. Este item, enquanto
pré-componente, é facilmente reconhecível no repertório
onomástico galego-português alto-medieval através de vários
antropónimos bitemáticos que, por sua vez, geraram uma quantidade
relativamente elevada de formas toponímicas: e.g. WILIAREDUS (>
gal. Guillarei, Guillareo), WILIAFREDUS (> port. Guilhofrei),
WILIARIUS (> gal. Guillar, Guilleiro), WILIFONSUS (gal. Guilfonso,
port. Guilhafonso, Vila Fonche), WILIAMIRUS (> gal. Guillamil,
Villamir; port. Guilhomil), WILIAFREDUS (> port. Guilhabreu,
Guilhofrei) etc. Ora importa notar que, como observável aliás
noutros constituintes onomásticos homologáveis, o tema *will(j)-
terá funcionado também como elemento nominal autónomo.
É
na sequência destes registos — que indiciam alguma vitalidade
onomástica do tema que estamos a analisar enquanto item autónomo —
que achamos assumível colocar, como possível origem do topónimo
Bilhões, uma forma antiga *WILIONIS, interpretável por sua vez como
genitivo do antedito antropónimo WILIO com flexão consonântica,
sendo esta habitual — e até praticamente exclusiva — dos
antropónimos monotemáticos ou com sufixo lexical átono (Boullón
Agrelo 2012,157)4, como GOTO, ‑ONIS → *(UILLA) GOTONIS >
gal. Godóns, FAFILA, ‑ANIS → *(UILLA) FAFILANIS > gal.
Fefiñáns, port. Fafiães etc. Quanto à evolução fonética,
podemos reconstruir para esse alegado sintagma *(UILLA) WILIONIS um
percurso que condiz com aquilo que sabemos da fonética histórica
galego-portuguesa e, ainda, com os registos retirados do Cartulário
de Fiães: *WILIONIS > *Vilhones > Vilhões > Bilhões.
É
assim que podemos explicar de maneira satisfatória a alternância
representada pelos antropónimos Gilloi / Uilloi — desde que sejam,
na verdade, variantes grafo-fonéticas do mesmo tipo antroponímico".
Informações
extraídas de:
-
LEMA, Paulo Martinez (2018) - O Cartulário de Fiães enquanto corpus
toponímico: acerca de alguns nomes de lugar na fronteira
galego-portuguesa. projeto de investigação Inventario Toponímico
da Galicia Medieval (ITGM), desenvolvido no Instituto da Lingua
Galega (Universidade de Santiago de Compostela.
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