domingo, 28 de junho de 2020

Melgaço em clima de terror e a primeira prisão do Tomás das Quingostas (1829)




Viajamos quase dois séculos até ao ano de 1829. Melgaço e esta região vivem um autêntico clima de terror, provocado por bando de salteadores, entre as quais a do Tomás das Quingostas.
Depois de vários crimes, entre os quais o assassinato de um tal João Vicente, do Rio do Porto, ocorrido em Prado, o juiz, depois de ouvidas testemunhas, manda prender o Tomás das Quingostas e o seu bando. No documento de pronúncia, pode ler-se:

“Obrigam as testemunhas da presente devassa a prisão e livramento a Thomaz Joaquim Codeço, da freguezia sw São Paio e a António José Pitains e Caetano Paulo da Ponte, todos da mesma freguezia e a João Marquez natural de Remoães e de presente assistente em Paderne. O escrivão os passe ao Rol dos culpados e passe as ordens necessária para serem presos com todo o segredo de justiça, bem como proceda a sequestro dos bens dos réus e com ele remeta a presente devassa à Relação do Distrito.
Melgaço, treze de Abril de mil oitocentos e vinte e nove.
Manuel José de Pinho Soares de Albergaria”

Segundo ESTEVES, Augusto C. (1959), “a guerrilha era destemida, desdenhava dos mandatos judiciais e troçava das fileira da tropa. Nem uma semana deixou passar sem novo crime cometer, não no termos de Melgaço mas bem perto da sua sede.” Assim, duas semanas depois de ter sido emitido mandato de captura, a quadrilha do Tomás das Quingostas assaltou a Casa do Celeiro em Paderne e tudo é descrito neste documento:

 “Pelo que em vinte e seis para vinte e sete de Abril de mil oitocentos e vinte e nove, o réu João Manuel Marquez, com os mais da quadrilha assaltou a Casa do Celeiro de Paderne, em ocasião que ali se não achava o Administrados do Celeiro Dom Bento de Nossa Senhora das Dores Pereira, arrombando a porta à mão direita da entrada, cuja fechadura tradaram e arrombaram e dela roubaram móveis, pano de linho e o que ali se achava de baixo de chave como consta no Apenso”

Segundo ESTEVES, Augusto C. (1959), “atrás de crimes, crimes se cometiam. Tomás das Quingostas jogava tudo por tudo para manter o comando afastado dos cobiçosos da chefia, ma o seu caudilhamento estava prestes a terminar.
O juiz enviou contra ele os soldados do Regimento 21 aqui estacionado com vista a capturar a quadrilha do Tomás das Quingostas. Mais tarde, o capitão do Regimento 21 envia ao juiz este ofício onde se lê: 

"Participo a vossa senhoria que sendo encarregado de prender Thomáz Joaquim Codeço, da freguezia de São Paio e João Marquez do lugar de Além, freguezia de Paderne, indo na noite de dia três para quatro de Maio ao lugar de Orjaz, e cercado numa casa aonde me constou que estavam refugiados, e entrando pela porta dentro, dizendo-lhe que se dessem à prisão, responderam que não e arremeteram para mim com dois bacamartes, com os perros levantados dizendo-me – Retire-se senão morre!, de maneira que me vi na precisão de sair para fora, eles logo dispararam tiros por uma janela para fora à vista do que mandei imediatamente participar isto ao meu major para me auxiliar com o resto da tropa que se achava nesta Praça [Melgaço], chegando a qual se efetuou a prisão dos mesmos réus, aos quais encontrei dois bacamartes, uma faca e uma pistola e sete cartuchos com balas e balotes, os quais entrego a vossa senhoria e tudo o que lhe encontrei para proceder conforme a lei e por esta ocasião também entrego uma rapariga que achei na sua companhia, que me informaram ter sido furtada pelo mesmo Thomáz Joaquim Codeço de um serão.
Deus guarde a Vossa Senhoria.
Quartel em Melgaço, quatro de Maio de mil oitocentos e vinte e nove
João Manuel Serqueira

Na sequência da prisão do Tomás das Quingostas, o juiz descreve o clima de terror que se vivia na terra. Num documento refere “...me foi dito que em cumprimento ao ofício que lhe fora transmitido por João Manuel Serqueira, capitão do Regimento vinte e um que é o incluso, pelo qual lhe comunicava a diligência da prisão de Thomáz Joaquim Codeço e João Marquez, aquel da freguezia de São Paio, termo de Valladares e este da freguezia de Remoães, termo desta vila, os quais se achavam constituídos chefes de uma formidável Guerrilha de Ladrões e Salteadores de reinos, que andavam de dia e de noite descaradamente armados de bacamartes, facas e mais armas defezas, perturbando a paz e sossego público cometendo roubos e mortes neste distrito, roubando igrejas e nelas, os vasos sagrados dos competentes sacrários, assaltando estradas, roubando os passageiros e esforçando mulheres e tirando-as das suas casas, passando deste reino para o da Galiza a cometer iguais delitos...”

Tomás das Quingostas foi encarcerado na prisão de Melgaço, julgado, condenado, e mais tarde transferido para a Prisão da Relação do Porto. Contudo, quando os liberais, com D. Pedro ao comando, entraram na cidade invicta, libertaram os presos políticos da dita Prisão da Relação, entre eles o Tomás e os do seu bando. Viria a regressar a Melgaço para um novo período de terror mas desta vez viria a ser abatido pelos soldados depois de o terem prendido.

domingo, 21 de junho de 2020

Melgaço nos últimos tempos da Monarquia (1909)





Recuamos até 1909, quando a monarquia estava próxima do fim e a República havia de chegar em breve. Como seria Melgaço nessa época?Nesse mesmo ano, é publicado o interessante “Portugal – Dicionário Histórico...” que dedica longos parágrafos a Melgaço: “MELGAÇO - Villa da prov. do Minho, sede de concelho e de comarca, distrito de Vianna do Castello, arcebispado de Braga, relação do Porto. Tem uma só freguezia, Santa Maria da Porta. Está situada n’um alto, na margem esquerda do rio Minho, que a separada Galliza, que lhe fica mesmo em frente, a 66 kilómetros da sede do distrito. A mitra e a Casa de Bragança apresentavam alternativamente o abbade que tinha 400$000 réis de rendimento.
Melgaço é povoação muito antiga, fundada pelos antigos lusitanos ou pelos romanos, mas ignora-se quando foi fundada e o seu nome primitivo. O que se sabe, com certeza, é que os árabes tinham aqui uma grande fortaleza, chamada Castello do Minho nome, que já no tempo do conde D. Henrique estava arruinada (Comentário: Este pormenor merece um reparo. O Castello do Minho não ficava em Melgaço mas sim perto de Ribadávia). D. Affonso Henriques achou a povoação deserta, por ter sido abandonada pelos árabes, e mandou-a povoar em 1170, reedificando lhe o castello. Outra versão diz que n’uma carta de couto dada em 1197 ao mosteiro de crúzios de Longovares, se declara ter sido a torre e a fortaleza mandadas edificar por D. Pedro Pires, prior do referido mosteiro, e à sua custa, e D. Affonso Henriques deu lhe o primeiro foral em 21 de julho de 1181, doando aos seus moradores a aldeia de Chaviães. Este foral foi confirmado em agosto de 1219 por D. Affonso II, dizendo que a povoação podia ter 350 vizinhos, e que escolhessem alcaide-mor, que sendo benemérito, elle o confirmaria. D. Affonso III deu-lhe outro foral, em Braga, a 29 de abril de 1258, que depois confirmou, em Guimarães, a 9 de Fevereiro de 1261. El-rei D. Manuel lhe deu foral novo, em Lisboa, a 3 de Novembro de 1513. El-Rei D. Diniz enobreceu Melgaço com a sua cinta de muralhas, em 1289. Estas muralhas tinham apenas 2 m de altura, e a sua configuração é quasi quadrada. Outros escritores dizem que foi D. Sancho I quem mandou construir o castello e as muralhas de .Melgaço, que D. Sancho II concedeu grandes privilégios à villa e que D. Affonso III os confirmou. Nas repetidas guerras de Portugal contra Castella, Melgaço e o seu concelho deram soldados intrépidos e destemidos, que muito se distinguiram nos combates e batalhas.
Nas guerras de D. João I de Portugal contra D. João I de Castella, se tornou celebre Ignez Negra, mulher natural de Melgaço. Os castelhanos haviam-se apoderado da maior parte das povoações fortificadas do Alto Minho, mas os portuguezes tinham obrigado a capitular o forte castello de Neiva. Vianna, de que era governador o castelhano Vasco Lourenço do Lira, tinha sacudido o jugo hespanhol pela bravura d’um escudeiro, appelidado o Frisus que, pondo-se à frente do povo, atacou o castello, fazendo prisioneiro toda a guarnição inimiga, mas ficando o valoroso escudeiro mortalmente ferido. Ponte do Lima foi resgatada pelo valor de alguns dos seus naturaes, em prémio do que, o lei lhe mandou collocar os bustos sobre as vergas das portas. Monção, V. N. da Cerveira e Caminha, entregaram-se sem custo.
Finalmente, em toda a provínda do Minho, só Melgaço estava sujeito a Castella. Era seu governador ou alcaide-mor Álvaro Paes Sotto Maior, castelhano, e tendo de guarnição 300 infantes e 300 cavallos, porfiava na resistência.
D. João I, que estava em Braga, onde reunira cortes, impacientou-se com a resistência da praça, e partiu para assumir a chefia das tropas que tinha mandado a pôr-lhe cerco. Tendo passado dez dias em que se haviam dado apenas umas escaramuças que nada decidiam, o monarca mandou fabricar um castello de madeira, que ficasse a cavalleiro das muralhas, cuja construcção levou vinte dias. Os cercados, receando o assalto, deram sinal de armistício, e João Fernandes Pacheco foi mandado propor a rendição da praça, mas Álvaro Paes exigiu taes condições, que nada se conseguiu. O rei mandou activar os preparativos do assalto, jurando que elle próprio o comandaria. D. João I havia casado pouco tempo antes, em 1387, com D. Filipa de Lencastre, e a rainha estava em Monsão com as suas damas, acompanhada pelo Dr. João das Regras e por João Affonso de Santarém, vindo do Porto ali visitar seu marido, e tencionando ir residir no convento de Fiães em quanto durasse o cerco da praça. Contam as crónicas que dentro dos muros de Melgaço havia uma mulher intrépida, partidária dos castelhanos, conhecida pela Arrenegada, por ter renegado a sua pátria, pois era natural de Melgaço. Sabendo que no arraial dos portuguezes estava uma sua patrícia, ousada e valorosa como ella, chamada Ignez Negra, mandou-a desafiar a um combate singular, que foi imediatamente aceite. Era o dia 3 de Março de 1388. Ignez dirigiu-se logo para o ponto designado, que era a meia distância do arraial e da villa, e já lá estava a Arrenegada. O combate começou encarniçado, terrível e desesperado, ferindo-se ambas com as mãos, unhas e dentes, depois de partidas as armas de que vieram munidas.
Duarte Nunes do Leão, na Crónica de D. João I, não diz a qualidade das armas. A agressora ficou vencida, tendo de fugir para dentro da villa, ferida e quasi sem cabello, levando nos focinhos muitas nódoas de punhadas da de fora, que ficou vitoriosa. No arraial portuguez foi ruidosamente celebrada a victória de Ignez Negra, e no dia seguinte Melgaço caia no poder do Mestre de Aviz. A intrépida mulher estava no alto da plantafórma, onde o pendão das quinas ondeava ovante, no próprio mastro em que na véspera ainda se ostentava orgulhosa a bandeira castelhana, e dizia no seu transporte de alegria para os besteiros que a cercavam; «Mas vencemos-te! Tornaste ao nosso poder! És do rei de Portugal!»
Em 1807, quando se deu a invasão franceza, Melgaço foi a primeira praça de guerra que expulsou os soldados de Napoleão, aclamando o príncipe regente D. João e a Liberdade, a 11 de junho de 1808. (Comentário: Este facto não corresponde à verdade. Os soldados franceses não chegaram a passar por Melgaço. A vila de Melgaço proclamou-se fiel ao príncipe regente D. João!) Bragança seguiu-lhe o exemplo, fazendo a aclamação a 11, pondo-se à frente dos restauradores o general Sepulveda.
Instantaneamente a revolução se propagou pelas províncias do norte, e o Porto fez a sua aclamação a 19. O Algarve e o Alentejo deram o grito da Liberdade no dia 20, tudo do referido mez de Junho.
A villa pertenceu à Casa de Bragança, e todos os ofícios eram dados pelos duques. Conserva ainda parte do seu antigo aspeto. A cinta de muralhas que protegia a villa tornou-se por fim um obstáculo à sua expansão, e apearam-na por isso, abrindo novas ruas e levantando novas edificações. Como que se divide assim em duas partes, chamadas fora da villa e dentro da villa. A primeira tem boas construções modernas, airosa e desafogada, sendo a segunda sombria e pesada, ainda com o característico das nossas antigas povoações. A igreja matriz de Melgaço é simples e d’uma só nave.
Próximo do convento dos religiosos da ordem Terceira de S. Francisco, que pertence hoje à Misericórdia, e n’uma elevação, vê-se a capella da Senhora da Pastoriza; o seu altar mor é de talha antiga. A 1 km da praça está o Santuário de Nossa Senhora da Orada, edificado sobre o cume d’um monte. Desde aquella igreja até à villa vê-se a estrada povoada, d’uma e d’outra parte, de casas, hortas, prados, fontes e pomares, que faz da estrada um bonito passeio. O templo é de boa cantaria. Foi até 1834 da jurisdição dos monges do convento de Santa Maria, de Fiães, por doação de D. Sancho I, que o havia herdado de seu pai. Este templo é muito antigo, e ignora-se a data da fundação. Dizem que já existia no tempo dos godos. D. Affonso Henriques, achando-o em ruínas, o mandou reedificar pelos annos de 1170, como consta d’uma escriptura de doação, feita por D. Sancho I, em Santarém, a 11 de Setembro de 1207, assinada pelo rei, todos os seus filhos e prelados do reino. A imagem de Nossa Senhora da Orada é de muita devoção dos povos d’estas localidades, e desde a quinta feira da Ascenção, até à festa do Espírito Santo, ainda hoje ali vão de romaria a maior parte das freguezias dos concelhos de Melgaço, Monção e de Valladares, oferecer à Senhora o resíduo do círio pascal, levando os seus respetivos párocos e ao menos uma pessoa de cada casa. É cumprimento d’um antigo voto, feito por ocasião d’uma grande peste, de cujo flagelo foram estas terras preservadas, tendo sofrido muito as outras. Ainda hoje se fazem procissões de penitência com um enorme cortejo. Perto d’esta igreja havia uma propriedade chamada Quinta da Orada, que a condessa D. Frouila deu ao mosteiro de Fiães, assim como a Quinta de Cavalleiros, na freguesia de Rouças, d’este concelho, em 16 de Dezembro de 1204. Melgaço pertence à 3ª Divisão Militar, 5ª Brigada, Grande Circunscrição do Norte, e ao distrito de recrutamento nº 3, com sede em Vianna do Castello. Tem escolas para ambos os sexos, estação de telégrafo e postal com serviço de emissão e pagamento de valles do correio e telegraphicos, cobrança de recibos, letras e obrigações, e serviço de encomendas, permutando malas com a R. A. M.
Tem Misericórdia, hospital, advogados, notário, médicos, pharmacias, agências bancárias e das companhias de seguros Previdência, Tagus, e da Equitativa dos Estados Unidos do Brazil, agência de vapores, casas de pasto e de bebidas, vice-cônsul hespanhol e do Brazil, sociedade Recreio Melgacense, feiras mensais nos dias 9 e 14.
Tem-se publicado em Melgaço os seguintes jornais: Espada do Norte, 7 de janeiro de 1892; é continuação do Melgacense, 1 de dezembro de 1887; Jornal de Melgaço, 1 de dezembro de 1893; em publicação, dezembro de 1908; Melgacense (O), 6 de novembro de 1887 a 18 de outubro de 1888; Melgacense, 16 de julho de 1896; No Jornal de Melgaço, 27 de janeiro de 1898.
Do castello ou torre do relógio, ainda bem conservada exteriormente, desfruta-se um bonito ponto de vista para a maior parte do concelho e para Hespanha. No local de Barzia, da freguesia de Paderne, do concelho de Melgaço, existe a quinta de Peso, em que há uma nascente de aguas mineraes, que são claras, transparentes, inodoras, de sabor picante e muito gazozas. As aguas de Pezo de Melgaço tornam se notáveis por serem as que em Portugal contem maior proporção de carbonato de cal, e das que mais acido carbónico apresentam.
São muito usadas contra as dyspepsias, lithiase biliar e diabetes. O concelho de Melgaço compõe-se de 18 freguezias com 3 776 fogos e 14 910 habitantes, sendo 6 400 do sexo masculino e 8 510 do feminino. As freguezias são: S. Martinho, de Alvaredo, 760 hab.: 332 do sexo masc. e 428 do fem.; Santa Maria, de Castro Laboreiro; 2 019 hab., 934 do sexo masc. e 1 116 do fem.; Santa Maria Magdalena, de Chaviães, 653 hab.: 263 do sexo masc. e 390 do fem.; S. Martinho, de Christoval, 755 habitantes: 290 do sexo masc. e 465 do fem ; S. Thomé, de Cousso, 551 hab.: 218 do sexo masc. e 333 do fem.; Santa Maria, de Cubalhão, 345 hab.: 158 do sexo masc. e 187 do fem.; Santa Maria, de Fiães, 783 hab.; 308 do sexo masc. e 475 do fem.; Santa Maria, de Gavea, 622 hab.: 260 do sexo masc. e 362 do fem.; S. João Baptista, de Lamas de Mouro, 205 hab.: 63 do sexo masc. e 142 do fem.; Santa Maria da Porta, de Melgaço, 1 080 hab.: 461 do sexo masc. e 619 do fem ; Santa Maria, de Paços, 667 hab.: 300 do sexo masc. e 367 do fem.; S. Salvador, de Paderne, 1:908 hab.: 829 do sexo masc. e 1:079 do fem.; S. Mamede, de Parada do Monte, 801 hab.: 375 do sexo masc. e 429 do fem.; S. Bartholomeu, de Penso, 1 072 hab.: 463 do sexo masc. e 609 do fem.; S. Lourenço, do Prado, 530 hab : 213 do sexo masc. e 317 do fem.; S. João Baptista, de Remoães, 165 hab.: 71 do sexo masc e 91 do fem.; Santa Marinha, de Rouças, 942 hab.: 414 do sexo masc. e 528 do fem.; S. Paio, de S. Paio de Melgaço, 1 019 hab.: 449 do sexo masc. e 570 do fem.
O principal comércio do concelho é milho, feijão, vinho e presuntos."





Extraído de: PEREIRA, Esteves & RODRIGUES, Guilherme (1909) - Portugal - Diccionário Histórico, Chorographico, Biográphico, Bibliográphico, Heráldico, Numismático e Artístico. João Romano Torres & Companhia; Lisboa.

sábado, 13 de junho de 2020

O Castelo de Castro Laboreiro no livro "Lugares Inesquecíveis de Portugal".




No livro “Lugares Inesquecíveis de Portugal” da autoria de Paulo Alexandre Loução, encontramos um bonito capítulo dedicado ao castelo de Castro Laboreiro, redigido pelo Professor José Domingues: O castelo dos Montes Laboreiro ou do Laboreiro (fr. Castro Laboreiro, c. Melgaço) é a segunda fortaleza mais setentrional de Portugal – a primeira é o vizinho castelo de Melgaço (fr. Vila, c. Melgaço). Situa-se em frente ao lugar da Vila de Castro Laboreiro, no alto dum cabeço rochoso da cordilheira montanhosa de Entre-Lima-e-Minho – na época medieval identificada com os Montes Laboreiro, topónimo que ainda perdura do lado galego – servindo de sentinela avançada de toda a raia seca entre estes dois rios.
Trata-se de um castelo medieval de tipologia roqueira, que, não fugindo à regra dos seus homólogos, nos aparece de improviso no fio cronológico do tempo, mudo como uma esfinge, ocultando o segredo das suas origens. Sem embargo, é tanta a sua antiguidade que se não guardou memória autêntica da sua fundação.
Não surpreende, por isso, que desde o dealbar do século XVII, pelo menos, os documentos manuscritos e impressos, com alguma assiduidade, tributem a fundação da esculca do Laboreiro a S. Rosendo de Celanova ou à sua família – e não será de todo despiciendo que, do outro lado da raia, ainda hoje continuem a chamar-lhe o castelo de S. Rosendo.
Reza a lenda que D. Afonso III de Leão – o Magno – terá doado, a título hereditário, o monte Laboreiro – “leporarium montem” – ao conde Hermenegildo Mendo, avô de S. Rosendo, a título de recompensa por lhe ter submetido um grande opositor. Por morte de seu avô passou para o seu pai, o conde Guterres Mendo, e, sucessivamente, para S. Rosendo.
Mas todo o período lendário tem o seu aspecto histórico: (i) esta doação e consecutiva transmissão já aparecem registadas em manuscrito do século XII, que relata a vida do fundador do cenóbio de Celanova; (ii) se efetivamente se pode identificar a arcaica terminologia “monte”, que aparece nos documentos do século X, com as estruturas defensivas muito rudimentares levantadas para as populações se abrigarem dos ataques muçulmanos, normandos e eventuais violências internas, desde esse recuado século que está documentada a existência do castelo do Laboreiro em expressões como “subtus mons leporario” e similares; (iii) finalmente, não há dúvida de que o castelo do Laboreiro fazia parte do património do mosteiro galego de Celanova, conforme consta no contrato de permuta outorgado em Zamora, no ano de 1241, entre D. Sancho II de Portugal e o dito mosteiro de Celanova, cedendo este último o castelo de Laboreiro ao monarca luso, que por sua vez lhe liberou a igreja de Monte Córdova (c. Santo Tirso).
Contra o que tem seguido a correntes historiográfica tradicional, mais lendária parece ser a tomada deste castelo pela força das armas, no tempo de D. Afonso Henriques. Tudo por conta e crédito da carta de couto que, no dia 16 de Abril de 1141, o mesmo monarca outorgou ao mosteiro de Paderne, em compensação do tributo de dez éguas com suas crias, trinta moios de vinho, um cavalo avaliado em quinhentos soldos e cem moedas de ouro, que a abadessa Elvira Sarracine lhe tinha prestado durante a tomada do castelo de Laboreiro – “istum pretium et servitium fuit datum quando tomavit dominus rex castellum de Laborario”. Este diploma afonsino vem confirmar a existência do castelo na primeira metade do século XII.
A cronologia documental conhecida impõe que, para se aceitar o sucesso bélico do nosso primeiro monarca, se acredite na conquista da fortaleza roqueira do Laboreiro duas vezes consecutivas, no Inverno de 1140 – uma por Leão e outra por Portugal. Esta ideia torna-se assaz improcedente tendo em conta (i) a situação geográfica do castelo e a defesa natural proporcionada pela escabrosidade dos colossais penhascos que a natureza cinzelou, (ii) os invernos rigoroso no âmago destas montanhas e (iii) a morosidade, os riscos e as práticas de sitiar castelos em pleno século XII.
Assim sendo, o mais plausível é que, primeiro, o castelo do Laboreiro tenha tomado voz por Afonso VII, quando este por aqui passou a caminho de Valdevez, e depois, após o Bafordo de Valdevez e consecutivo armistício entre os dois reinos, tenha ficado do lado de Portugal, aproveitando o monarca luso a proximidade geográfica para o visitar e tomar posse. O convento de Paderne, por sua vez e tal como outros congéneres, ter-se-á limitado a comprar ao soberano a carta de couto para o seu mosteiro, pagando o respetivo preço.
Regressando ao hodierno, o “viajante” do prémio Nobel da Literatura, José Saramago, ficou surpreendido com o nome da porta deste castelo voltada para o casario actual da vila – porta do Sapo – referindo que “alguma coisa daria o viajante para saber a origem deste nome”. Numa tentativa de satisfazer essa curiosidade, é bem plausível que a explicação esteja na formação granítica, em forma de tartaruga, que fica mesmo em frente a essa porta. A verdade é que por estas bandas, plausível legado do Galaico-Português, a tartaruga ainda é o sapo concho ou sapo com concha.”



Extraído de:
- LOUÇÃO, Paulo Alexandre (2011) – Lugares Inesquecíveis de Portugal. Eranos Edições; Lisboa.



sábado, 6 de junho de 2020

A lenda da aparição da Senhora das Neves (Peneda) contada há mais de 300 anos




O santuário da Nossa Senhora da Peneda localiza-se na freguesia de Gavieira, em terras de Arcos de Valdevez. O culto à Senhora da Peneda tem origem numa lenda de uma aparição de Nossa Senhora a uma menina que guardava o gado naquele local que terá ocorrido há cerca de 800 anos. A dita lenda é-nos contada num livro publicado há mais de 300 anos, onde o autor também nos fornece alguns pormenores interessantes acerca de como seria aquele lugar na época.
No dito livro, “Santuário Mariano”, da autoria de Frei Agostinho de Santa Maria, podemos ler: "Na Província de Entre Douro e Minho, para a parte da Galiza, fica o Concelho do Soajo na Comarca de Valença, cinco légoas de Ponte de Lima para o Nascente, terra tão fragosa, e de tão ásperas montanhas e rochedos, que vivem ali os homens, pelo inculto e inacessível de seus penhascos, como gente levantada, e assim são poucos os tributos, que pagam, fiados no forte e seguro de sua habitação, isenta de que lhos vão a pedir, e somente pagam a El Rey cinco cães sabujos. Neste Concelho, está uma freguesia, ou lugar a que chamam São Salvador de Gavieyra. Entre este lugar, e o de Crasto, fica uma montanha altíssima (distante cinco légoas do Soajo) de penedos muyto grandes, à vista soltos, e mal arrumados, entre elles se vêm três, que entre si formam uma lapa; porque estão dois divididos e em cima deles outro atravessado, de tamanha grandeza, que he visto em distância de huma légoa. Neste sítio apareceu a milagrosa imagem da Senhora da Peneda, ou das Neves, cujo antigo aparecimento se refere nesta forma.
Em cinco de Agosto do anno de 1220, pouco mais ou menos, que é o tempo em que parece, somente se pode chegar àquele sítio, pelas neves de que está coberto a mayor parte do anno, pastoreava por entre aquellas penedias huma serraninha algumas cabras, quando em cinco do mesmo mês lhe apareceu a Senhora, e dizem que fora em forma de huma pomba branca voando ao redor della, e que lhe mandara que dissesse aos do seu lugar da Gavieyra, lhe edificassem naquelle lugar uma ermida.
Referiu a pastorinha a seus pais, a embaixada da Senhora. Mas sem efeito, porque lhe não deram deram crédito. Em outro dia, voltando a pastorinha com as suas cabras por aquella mesma paragem, lhe tornou a apparecer a mesma Senhora em a sua lapa , não como na primeyra vez, em forma de pomba, (como ella referia) mas na mesma
forma em que hoje se vê e lhe disse:
- Filha, já que te não querem dar crédito ao que eu mando, vai ao lugar de Rouças (que fica na mesma Freguesia de Gavieyra, e no mesmo termo do Concelho do Soajo, aonde está huma mulher entrevada há dezoyto annos, diz aos moradores do lugar que a tragam à minha presença, para que nela cobre perfeyta saúde, e assim te darão crédito ao que eu te ordeno.
Fê-lo assim a venturosa pastorinha, e trouxeram a mulher, que se chamava Domingas Gregório. Tanto que ella chegou à vista daquela Sagrada Imagem da Rainha dos Anjos, logo alcançou huma perfeyta saúde, e ficou livre, e sã de todos os achaques que padecia, louvando a Virgem Senhora pelo singular beneficio, que lhe havia feito.
À vista deste grande milagre se comoveram todos, e
acesos na devoção da soberana Rainha da glória, deram logo ordem a lhe edificar a Casa, como a Senhora pedia. Ma s como o sítio da lapa não era capaz, ao que lhe parecia, se resolveram a fundá-la em outro, que pareceu mais acomodado em distância de dois tiros de mosquete, junto a huma ribeyra, que se vay meter no rio Lima. Mas a Senhora, que havia escolhido aquella lapa, para se manifestar nella, e para theatro das suas maravilhas, quis que junto à mesma lapa se lhe erigisse a sua igreja; porque não quis estar naquella que se lhe começava a edificar junto à ribeyra. E como por várias vezes desaparecesse e fosse achada sempre no primeyro lugar de sua manifestação, se resolveram a desistir de todo da obra, em o sítio da ribeyra e que a igreja se fizesse aonde a Senhora mostrava que a queria, pois ella era, a que havia de vencer as dificuldades, que se reconheciam em aquele monte. E assim em pouco distância da lapa, se fez sítio capaz, aonde se pudesse edificar uma fermosa igreja, como se fez, capaz de recolher em si mais de trezentas pessoas, com sua Capella mor.
Acabada a igreja, se lhe fez hum excelente retábulo muyto bem dourado e para isto tudo acudiu a divina providência, porque com as suas esmolas que os fiéis davam para a obra da Senhora, se tornou a igreja de sorte, que está com muito asseio e perfeição.
Outra tradição refere o Padre António Carvalho da Costa na sua Corografia e idz que a descubrira um criminoso, natural de Ponte de Lima, que acossado da justiça, passava miserável vida entre aquelles solitários bosques e rochedos, servindo-lhe as feras de companhia. E nestes termos, bem se pode presumir que passava a sua vida muyto triste e desconsolado e como a vexação abre o entendimento reconhecendo a sua culpa, recorreria a Deus, pedindo-lhe perdão da sua culpa, interpondo o favor e o patrocínio daquela Senhora que nunca desampara aos pecadores e que sempre roga e intercede por elles. E faria estas suas súplicas com tanta dor e lágrimas que mereceu com ellas que a Senhora lhe aparecesse e o confortasse. Ele seria o primeyro que a viu depois de muitos annos, que alli a teriam ocultado dos christãos; senam é que os mesmos anjos a formaram, dispondo-o assim Deus, para consolação e remédio daquellas gentes.
A imagem da Senhora é tão pequenina que não passa de um palmo de altura e daqui se pode entender que nem os homens a obraram nem em aquelle solitário sítio a esconderam. Mas que foi formada pelos anjos, para acudir a remediar aos pecadores. É formada em pedra e tem em seus braços ao doce fruto do seu ventre. E porque se não atreveram a mandá-la pintar, (nem era razão que as mãos dos homens a tocassem) lhe vestem umas roupinhas ao estilo antigo, que a cobrem toda e se lhe não vê mais que o rosto que é muito lindo e muyto agradável. A cor é trigueira, em que se mostra muita antiguidade. Está em um nicho no meyo do altar mor, sobre uma peanha. E melhor fora que estivesse em um precioso sacrário, fechado com vidraças, por onde pudesse ser melhor vista e assim estaria com mais veneração e respeito.
Os milagres que obra são inumeráveis e à mesma medida é o número de dovotos e romeyros, que concorrem à sua Casa no verão, que, como no inverno é aquelle distrito mutyo frio e agreste, não é possível então lá ir.
Começam as festas da Senhora em cinco de Agosto, dia próprio seu e dia em que se manifestou (Como fica dito). Em dia de S. Lourenço, concorre muyta gente da Galiza e de outras muytas partes; porque já o verão dá lugar, para se acomodarem por entre aquelles matos e rochedos, que naquelle tempo são bem vistosos e alegres, pels muytas fontes que nascem entre elles. Todo o povoado lhe fica muyto distante e o que está mais perto, é a freguesia de Gavieyra, a que a Casa da Senhora é anexa, que lhe fica em distância de uma légoa.
Nas costas da Capella mor desta igreja da Senhora, se vê um grande castanheiro e junto às portas da igreja um fermoso freixo: estas duas árvores, que são de estranha grandeza, afirmam terem mais de trezentos annos. Ambas formam um fermoso docel, como mostrando a grande veneração que se deve ter àquella Santa Casa da Senhora. Acima da igreja, em distância de um tiro de pedra, nasce uma fonte de excellente água, que faz aquelle sítio mais agradável e apetecido. Também se conserva a lapa, em que a Senhora apareceu e do penedo de cima se vê, estarem caindo umas gotas de água como lágrimas e se tem por maravilha da Senhora, o serem contínuas e permanentes, maiormente ficando tão levantado e afastado da terra. Estas gotas de água, que aquella pedra destila, recolhem os romeyros com os lenços e com ella se ungem em as partes em que padecem as queixas e pela intercessão da Senhora, se vêm livres de todas."





Extraído de: SANTA MARIA, Frei Agostinho (1712) - Santuário Mariano e História das Imagens Milgrosas de Nossa Senhora. Tomo IV. Officina de António Pedroso Galram, Lisboa.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

O castelo de Melgaço em fotos e desenhos antigos



Desconhecem-se no tempo as origens da primitiva fortificação de Melgaço. Sabemos que o castelo, com as suas muralhas e a sua imponente torre de menagem terão quase 800 anos e são do tempo do rei D. Dinis. 
A praça-forte melgacense passou por várias transformações ao longo dos tempos chegando a ocupar inclusivamente toda a área da atual Praça da República a partir do século XVII. A partir de meados do século XIX e durante o primeiro quarto do século XX, foi demolida boa parte das muralhas. Temos ao longo dos tempos escassos documentos ilustrativos de como seria o nosso castelo ao longo dos séculos. Deixo-vos aqui uma pequena coleção de desenhos e fotografias antigas do castelo ao longo dos tempos. O desenho mais antigo tem mais de 500 anos...

Melgaço em 1509 (desenho de Duarte d'Armas)


Vila de Melgaço há cerca de 500 anos.
Desenho extraído do livro "Fronteiras de Portugal fortificada pellos reys deste reino. Tiradas estas fortalezas no tempo del rey dom Manuel" (1672) de Bras Pereira.
Este livro resulta de uma compilação dos desenhos de Duarte d'Armas que constam no livro "LIvro das Fortalezas" (1509). Os desenhos foram posteriormente aguarelados pelo autor.


Castelo e Vila de Melgaço em 1886
(in: Livro "Minho Pitoresco, ano citado)

Castelo de Melgaço no início do século XX


Muralha norte do Castelo de Melgaço e torre de menagem no início do século XX



Torre de Menagem Castelo de Melgaço por volta de 1905,
Foto de Emilio Biel
(repare-se que a muralha tinha sido parcialmente demolida) 

Torre de menagem do Castelo de Melgaço no início do século XX

Torre de menagem do Castelo de Melgaço no início do século XX
(repare-se no relógio que durante décadas se conservou na torre de menagem)

Torre de Menagem do Castelo de Melgaço em 1913
(o estado de degradação da torre é bem visível na época)

Torre de Menagem do Castelo de Melgaço por volta de 1920
(repare-se na alteração da escadaria de acesso à torre em relação à foto anterior)


Castelo de Melgaço por volta de 1935, ainda com o relógio na torre


Castelo de Melgaço em meados da década de 30 do século passado


Torre de Menagem do Castelo de Melgaço em 1938, num estado de degradação bem notório. Em 1940, ficariam concluídas as obras de recuperação na torre de menagem e muralhas.

Torre de Menagem do Castelo de Melgaço em 1946


Castelo de Melgaço nos anos 60 do século passado

Castelo de Melgaço e vista parcial da vila nos anos 60 do século passado


Castelo de Melgaço nos anos 70 do século passado

Castelo de Melgaço em postal dos anos 80 do século passado