sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Fiães e Castro Laboreiro (Melgaço) descritos há mais de 200 anos

 


Em finais do século XVIII, havia a ameaça de uma nova guerra com Espanha. Em face disso, foi ordenado ao Real Corpo de Engenheiros, que realizasse uma série de estudos sobre as condições gerais de defesa da fronteira portuguesa e das terras raianas. Foi neste contexto que, há pouco mais de 200 anos, mais concretamente em 1800, o Capitão Custódio Gomes de Villasboas passou por terras de Melgaço deixou-nos um conjunto de memórias acerca das freguesias raianas de Melgaço. 

Sobre Castro Laboreiro e as suas gentes, deixa-nos um conjunto de informações valiosas sobre as condições de vida em terras castrejas, nestes termos: 

“Também para o sul do couto de Fiães existe o concelho de Castro Laboreiro da sereníssima Caza de Bragança, que ali põe as justiças, e pertencente à Comarca de Barcellos, donde dista mais de 14 legoashe regido por dois juízes ordinários, de que o mais velho delles serve de Capitão Mor. Parte pelo nascente, Sul, e Norte, com a Galiza, como fica dito, pelo Poente com os concelhos de Valadares, e de Soajo. Nos mezes de inverno,  quazi impossível aos moradores daquelle concelho, comunicar-se com a cabeça da sua comarca, por serem obrigados a vadear a nevoza e áspera serrania da Peneda. Seria mui cordato, e útil aos povos, unir este concelho e a villa de melgaço às jurisdições da borda Minho, que lhes ficam próximas, e mais comunicáveis. 

Este concelho tem huma só freguezia, pobre, mas em terreno tem quazi 10 légoas de cercuitooccupado pelas referidas montanhas, foras das quaes há poucos sítios planos e producentes. Não produz mais do que centeio, se os frios da Primavera o não tolhem, e ainda assim está um anno na terra, desde que se semeia até se colher: o valor desta produção anda por 16 mil cruzados hum anno por outro, e não chega para o sustento dos habitantes, que nos mezes de Inverno sahem para fora do concelho a trabalhar pelo offício de pedreiro, para ganharem o resto do sustento que o seu paiz não produz. Há poucos pastos e os lavradores são obrigados o vender no Inverno algum do gado vacum, porque a neve queima o sustento delle, e além disso não lhes são necessários, porque neste concelho não há cultura senão nos mezes de Verão, semeando hum centeio e colhendo o do ano precedente. Tem algumas ovelhas do que tiram lá para a sua vestidura, que he hum grosseiro burel, e bastantes cabras que lhe dão leite. 

O terreno he mui estéril e não produz árvores de fruto. Algumas que se dão em sítios abrigados reduzem-se a carvalhos, giesta, urze, carqueja e tojos. Servem-se do carvalho para emadeirar as suas cazas que cobrem com palha de centeio, e esta com segundo emadeiramento, para escapar aos tufões do ventoHe notável que tão perto da rica e amena ribeira do Minho, haja um terreno de tão diverso clima, producções, e costumas tão particulares. 

freguezia tem 323 fogos, divididos em duas povoações, huma com 17 lugares tem o nome de “Verandas, onde os povos vivem no Verão, e a outra com 23 lugares denominada “Inverneira”, aonde se recolhem no Inverno. A povoação anda por 470 homens, 454 mulheres, 247 rapazes, 188 raparigas, e ao todo 1359 pessoa. Descobrem-se neste concelho indícios de mineraes, particularmente no sítio as Coriscadas, há veas d’antimonio, e no das “Aveleiras”, encontra-se cristal de rocha, crystallus montana, de que também se acha abundância nas serras dGerez, e da Amarella. 

Sobre Fiães, o capitão Villasboas escreveu que “o couto de Fiães he uma freguezia situada ao Nascente do concelho de Valadares, sobre um ramo da serra da Peneda, que se lança sobre a ribeira do Várzea, junto a Christoval, entre o concelho de Castro, e o termo de Melgaço. Ali há um convento de religiosos da Ordem de Cister, que são os donatários do couto. Este é subordinado ao concelho de Valadares, ainda que temo seu juiz Pedaneo que conhece tão somente das causas cíveis. É posto pelo Dom abade do mosteiro, com as mais justiças. Os moradores desta freguezia colhem milho, e algum centeio, muita castanha, e pouco dos outros géneros. O seu território abrange mais de uma légoa, e tem 211 fogos, 356 homens, 232 mulheres, 20 rapazes, 34 raparigas, e ao todo 642 pessoas”. 



Extraído de: 


VILLASBOAS, Custódio Jozé Gomes de (1800) – Descripção Topographica das Commarcas Fronteiras da Província do Minho. 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

O primitivo lugar de Vilela (Roussas - Melgaço) e a História do culto a Santa Rita

 


A localidade onde se encontra o santuário de Santa Rita tem muita História mas foi conhecido durante muitos séculos como o lugar de Vilela e apenas durante o século passado o topónimo referido entrou em desuso. Atualmente, o lugar é mais conhecido como Santa Rita e o antigo topónimo terá tendência a cair definitivamente no esquecimento.  

O lugar de Vilela é mencionado em documentos históricos desde a Idade Média, séculos XII e XIII, sobretudo no chamado Livro de Datas, do mosteiro de Fiães.  

Este lugar é citado no inventário de lugares da freguesia nas Memórias Paroquiais de 1758 como um lugar povoado. Na época, e especialmente até ao século XVIII, os seus limites deviam ser mais largos e incluir alguns lugares vizinhos já que os números de batismos são anormalmente elevados se comparados com os outros lugares da freguesia. Em meados do século XVIII, Vilela teria cerca de sessenta vizinhos, segundo documento apresentado mais à frente.

O topónimo “Vilela” é um diminutivo de “Vila”, do tempo dos romanos. As vilas do período romano eram unidades agrárias pertencentes a um senhor de elevada classe social. Vilela deriva do latim vulgar “villella”, que significa “pequena quinta”. 

Este lugar é conhecido pelo seu culto a Santa Rita no seu Santuário concluído na década de cinquenta do século passado. Contudo, esta História do culto à Santa dos Impossíveis começa com uma capela dedicada a São Paio que ficava no lugar de Lobiô e que desapareceu no século XVIII... 

Temos que recuar aos finais do século XVII, altura em que existia uma capelinha dedicada a São Paio acima do lugar de Lobiô, desta freguesia. Nessa época, esta ermida estava arruinada e os visitadores já tinham chamado à atenção anteriormente para o seu estado de avançada degradação. 

O ilustre cónego José Marques, natural da freguesia de Roussas, num artigo escrito no jornal “Voz de Melgaço”, lembra-se dos “restos das paredes, emergentes do solo, até à altura de uns cinquenta ou sessenta centímetros, muitas vezes vimos, quando menino e moço, com os nossos companheiros, depois das sementeiras dos campos, iamos bem cedo, por causa do calor, apascentar os gados para o monte baldio da encosta de S. Paio, cuja designação lhe adveio da presença da capela...” (MARQUES, J., 2019). 

Sabemos que 1707 a capela de São Paio já estava demolida e por determinação do visitador, deveria ser reedificada junto do lugar de Lobiô, como deixou determinado o pároco de Rouças, Brás Andrade da Gama, Doutor em Direito Canónico e Civil no livro “Livro que serve para os Títulos das Sepulturas, Capellas, Altares e Irmidas desta Freguezia de Santa Marinha de Rouças”, rubricado e assinado, nos serviços arquidiocesanos de Braga, no dia 26 de outubro de 1707. 

Segundo MARQUES, J. (2018), a capela que o visitador mandou erigir junto de Lobiô, acabou por ser construída no local onde atualmente se encontra o Santuário de Santa Rita, praticamente implantada, dentro da cabeceira desta nova igreja. 

A nova capela de São Paio, construída no lugar de Vilela, estava já concluída em 1738 ou no primeiro trimestre do ano seguinte. Esta precisão funda-se no facto de o pároco de Roussas, Manuel da Cunha Lira, ter pedido licença para benzer a capela, em 26 de Junho de 1739, tendo a licença sido concedida pelo Cabido Sede Vacante em 28 desse mês e ano. 

No documento do pedido de licenciamento pode ler-se: “… Diz Manuel da Cunha Lira, abade de Santa Marinha de Rouças, termo de Melgaço, comarca de Valença que havendo em a dita freguezia huma capella da invocassam de Sam Paio há tempo emmemorial cita em o lugar de Lovio que fica distante da egreja huma mea legoa e serra montuosa e caminhos empraticaveis fabricada pelos freiguezes por ser muito necessária para adeministrassam dos sacramentos para o sobredito lugar e outrossim, digo, e outro serconvizinho chamado Vilella que consta de sessenta vizinhos a sobredita  capela por estar em parte desabrigada e sujeita às tempestades se foi arruinando; e vendo os Reverendos Vezitadores a grande necessidade que dela havia para os lugares sobreditos e desamparo do sítio, mandaram que os freguezes a reedificassem em milhor sítio e mais abrigado e acomodado para ademenistrassão dos sacramentos dos dous sobreditos lugares, o que visto pelso freguezes com muito zelo reedificarão a dita capela no sítio mandado e de prezente está feita com todo o primor e bem lajada forrada altar e retábulo com perfeição finalmente com todo o afeto e decencia para nela se celebrarem os ofícios divinos. E como se necessita de ser benzida que à sua fábrica os freguezes estão obrigados e de tempo emmemorial a esta parte pede a Vossa Senhoria seja servido conceder-lhe licença para a benzer para nela se celebrar por ser muito precisa a sua necessidade e receberá mercê”. 

Uns dias depois, a 28 de Junho de 1739, é concedida a licença para se poder benzer a capela. No documento, podemos ler: ”...vista a petição do suplicante Manoel da Cunha Lira, abbade de Santa Marinha de Rouças, termo de Melgaço, Comarqua de Valença para que na forma do Ritual Romano benza a capela de que se trata e depois de benzida damos licença para que nela se diga missa e celebrem os Ofícios Divinos e nas costas desta passará sua certidão por que consta o dia, mês e ano em que foi benzida. E pello assim havermos per bem mandamos passar a prezente que será registada em o Registo Geral e sem isso não valerá. 

Dada em Braga sob nossos sinal e sello capitollar, digo e sello desta desta Corte aos vinte e seis dias dos mês de Junho de mil e setecentos e trinta e nove (…) 

Licenssa para o Reverendo Parocho da freguesia de Marinha de Roussas da Comarqua de Valenssa benzer a capela de que se trata por Vossa Senhoria ver e assinar. E não se continha maes em a dita licenssa e maes Requerimentos. A qual heu Manoel Vieira Marra escrivão do Registo Geram desta Corte e pello Reverendo Senhor Cabido Sede Vacante Primaz das Hespanhas (…) 

Em Braga oje aos vinte e oito dias do mês de Junho de mil e settecentos e trinta e nove annos. E eu Manoel Vieira Marra escrivão que o escrevi e assinei. Manoel Vieira Marra.” 

Sabemos que em 1755, a 20 Julho, por escritura, o Padre Manuel António Pinheiro de Figueiroa, impôs na Confraria das Almas de Rouças, uma capela de 4 missas anuais, das quais uma seria cantada a 2 de Maio, dia de Santa Rita, e assistida por 4 padres, uma cantada, outra rezada na mesma capela de Santa Rita a 26 Junho, no dia de São Paio, o seu patrono (ESTEVES, 2003). 

Segundo o relato do padre Cleto José de Azevedo Sotomaior, pároco da freguesia na época, nas Memórias Paroquiais em 1758, esta capela era uma das quatro existentes na freguesia, sendo que já era dedicada a São Paio mas também a Santa Rita e ficava fora do lugar. 

Mas quando é que terá começado o culto a Santa Rita nesta capela? Segundo MARQUES, J. (2019), “não podemos justificar como se foi implantando entre nós, mas podemos afirmar que, pelo menos, a partir de 1742, se terá desenvolvido, na sequência da graça ou “milagre”operado a favor de uma devota do lugar da Cela, cuja memória ficou perpetuada no ex-voto, que ainda se encontra na atual igreja”.  

Esta velha capelinha do século XVIII desapareceu há pouco mais de meio século. Na verdade, foi demolida na década de 50 do século passado para dar lugar ao novo santuário dedicado a Santa Rita. O padre Carlos Vaz, pároco de Rouças na época e grande obreiro do Santuário de Santa Rita, escreveu na “Voz de Melgaço” em 1 de Junho de 1954: “A velha capelinha desapareceu. E ficaram-no muitas saudades. Pois se ela, muda e queda, era a testemunha viva de tantas lágrimas ali choradas, em vivo reconhecimento. (…) A velha capelinha de Santa Rita apertava-se entre quatro estreitas paredes, mal alinhadas e toscas. Cobria-a docemente, nas longas calmarias de Verão e abrigava-as das intempéries do Inverno um carvalho secular, alto, ramalhal, frondoso. Tudo passa.” (VAZ, C.,1954) 

A estrutura do novo santuário de Santa Rita ficou concluída em 1955. O padre Carlos Vaz escreveu na “Voz de Melgaço”, na edição de 1 de Agosto de 1955:  

“Graças a Deus. Terminámos a primeira etapa da construção do mosteiro. 

Foi no dia 16. Vieram pela  nossa casa os artistas que se encarregaram  da cúpula e cruz, bem como de todo o serviço de acabamento externo, enchimento, caiação, etc., comunicar-nos a boa nova de que haviam terminado os seus trabalhos. 

Com efeito. Que beleza naquelas linhas brancas, esbeltas, finas do mosteiro! Vê-se de longe. 

Ao fundo do monte, naquela bonita mancha branca, alvinitente a atestar a generosidade, a fé, a dedicação de um povo!…” 

Contudo, ficariam a faltar acabamentos no interior, obras que apenas foram levadas a cabo a partir de Março de 1956. Na “Voz de Melgaço” de 15 de Março desse ano, o pároco de Roussas escreve “Mais uma notícia agradável. Já aqui chegaram os artistas para começar os trabalhos interiores da nova igreja. Vamos ver se na altura da festa em honra a Santa Rita, lá para o fim de Maio, já temos avançado um pouco. O certo é que temos de preparar mais uns vinte mil escudos para as novas obras. E o caso é sério…” 

No final do ano seguinte, por altura do Natal de 1956, chega a Santa Rita, o relógio da torre e o sino. Como vinha sendo habitual, o Padre Carlos conta aos leitores da sua “Voz de Melgaço” a boa nova: “Temos uma novidade a contar aos nossos amigos e benfeitores: - Já chegou aqui o relógio da torre e um sino, oferta do Ministério das Obras Públicas. De maneira que, dentro de dias, já os vixinhos de Santa Rita ouvirão bater as horas, dia e noite. E o novo sino fará chegar mais longe o convite para as funções sagradas. Já cá esteve o técnico da casa fornecedora, de Lisboa, a dar ordens e de novo regressará para a instalação definitiva. A Comissão Fabriqueira confessa-se muito agradecida ao Ministério das Obras Públicas por esta prenda de Natal…” 

Em Janeiro de 1957, o Padre Carlos dava mais notícias: ”Vocês não imaginam o alvoroço desta boa gente quando viu que o relógio de Santa Rita começou a funcionar. Até a petizada olhava, inquiria sorria e não deixava os seus lugares…” 

A nova igreja de Santa Rita foi oficialmente benzida e inaugurada em 10 de Junho de 1957. O padre Carlos dava-nos conta do programa de atividades para esse dia: 

“BENÇÃO E INAUGURAÇÃO OFICIAL DA NOVA IGREJA DE SANTA RITA 

A começar no dia 2, haverá missa, uma solene Novena com pregação e santa missa, diárias, às 6:30 oficiais. A partir do dia 6, a Novena terá lugar às 9:30. 

No domingo, 9, missa e sermão pelo Rev. António Esteves, às 9:30. De tarde, às 17:30, procissão, novena e pregação. 

Na segunda, 10, às 9 horas oficiais, saída da peregrinação do Santo Preto para a igreja de Santa Rita, tomando parte várias freguesias do concelho, com as suas bandeiras e opas, Vila, Chaviães, Prado, S. Paio, Cousso, Cubalhão Fiães e Rouças. 

Esta peregrinação será presidida por Sua Ex.cia Rev. Senhor D. Francisco Maria da Silva, venerando Bispo Auxiliar de Braga. À chegada ao mosteiro, alocução por Sua Ex.cia Rev. 

A Banda Arcuense, dos Arcos de Valdevez, acompanhará a peregrinação e tocará durante dia. Às 10:30, bênção da nova igreja por Sua Ex.cia Rev. E missa solene, comemorando as bodas de prata sacerdotais do Rev. Pároco da freguesia de Rouças e homenagem aos benfeitores da igreja. Será orador o Rev. Padre Benjamim Salgado, de Vila Nova de Famalicão. 

Às 16 horas, lançamento da primeira pedra para o “Lar de Santa Rita”, a construir nas imediações do mosteiro.” 

E assim aconteceu… 

Contudo, a conclusão da igreja seria apenas uma parta da grande obra que estava a nascer em Santa Rita... 



Fontes consultadas:

- ESTEVES, Augusto C. (2003) - Obras Completas. Volume I,  tomo 2; Edição: Câmara Municipal de Melgaço.

- LEAL, Augusto de Pinho (1875), Portugal Antigo e Moderno, Livraria Editora de Mattos & Companhia, Lisboa.

- MARQUES, José (2019) – Origem da nova capela de São Paio – depois Santa Rita – em Rouças. In: Jornal “A Voz de Melgaço; Edição de 1 de Março de 2019.

VAZ, Carlos (1954) – A velha capelinha desapareceu. In: A Voz de Melgaço, edição de 1 de Junho de 1954.


VAZ, Carlos & VAZ, Júlio (2010) – Padre Carlos Vaz: Uma vida de serviço. Edição de Carlos Nuno Salgado Vaz.