sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

O lugar de Cavaleiros (Roussas - Melgaço) e a sua capela de S. Mamede: alguma História

 


Na freguesia de Roussas, perto dos antigos limites com a freguesia da Vila de Melgaço, situa-se o lugar de Cavaleiros, um dos lugares mais antigos do nosso concelho, citado em documentos desde há mais de 850 anos. 

Na verdade, é um dos lugares mais referenciado em documentação histórica em tempos antigos. Temos notícia de Cavaleiros desde o século XII, nomeadamente no Livro de Datas de Fiães. Segundo PINTOR, M. (1975), Cavaleiros foi uma vila em tempos antigos e já tinha este nome em 1160, ano em que foi vendida uma propriedade neste lugar por uma freira de nome Marinha Pais ao Mosteiro de Fiães.  

Segundo o mesmo autor, o nome do lugar pode vir-lhe do facto de ali terem vivido guerreiros de qualquer Ordem de Cavalaria. Todavia, na Corografia do Padre Carvalho da Costa, publicado em 1706, faz alusão a uma possível origem do topónimo “Cavaleiros”, onde se pode ler: “A Condessa Dona Fronilla deu a este Mosteiro [Fiães] e ao seu Abbade João em Janeiro do anno de 1166 a Quinta de Cavalleiros junto de Melgaço, cousa boa, particularmente de vinhas entendemos que com ela lhe daria também a Igreja de Nossa Senhora da Orada alli pegado, que os Frades dizem foi Mosteiro de S. Bento, e fundado quando se edificou o de Feães, de que veio a ser Priorado. Outros dizem (o que tenho por mais certo, e alguns sinais mostra para isso) que foi de Cavaleiros Templários, de que esta quinta tomou o nome, que era passal seu.” (COSTA, A., 1706)

Do século XIV, é uma lápide sepulcral que foi encontrada nos anos 50 do século passado junto ao Mosteiro de Fiães. A dita lápide pertencia a um residente, seguramente ilustre do lugar de Cavaleiros. Como sabemos isto? Na dita pedra, encontra-se a seguinte inscrição:  


 E:M:CCC:LIIII  KL’S  IULI 


O’ M:Ih’IS DE CAVALEIROS 


Segundo leitura de PINTOR, B., (1975), deve interpretar-se assim: 



“Era 1354 calendis Julii obiit Martunis Johanes de Cavaleiros” 


Tal inscrição, em linguagem corrente, deve ler-se: “Na era de 1354, nas calendas de Julho, faleceu Martinho Joanes de Cavaleiros”. A era de 1354 corresponde ao ano de 1316. 

Cavaleiros é citado também no Foral concedido a Melgaço em 1513 pelo rei D. Manuel I como sendo reguengo, e do qual se transcreve este extrato: ”(…) E na freguesia de Rouças, o casal de Cavaleiros que trás Pero Mouro paga sabido de pão vinte alqueires, a saber, quinze de centeio e cinco de milho, e uma marrã. E se não tem escritura de obrigação pode-se mudar ao quarto se quiser”. 

Neste lugar da freguesia de Roussas, ficava a já citada e muito antiga Quinta de Cavaleiros que passou por diversos proprietários, desde a Condessa Dona Fronilla, no século XII, ao Mosteiro de Fiães. Sabemos que em 1837 o Padre António Bernardo Gomes da Cunha, Cavaleiro da Ordem de Cristo e pároco de S. Paio, a comprou aos frades bernardos de Fiães. ESTEVES, A. (2003) Todavia, pelo meio, sabemos que aqui morava, em meados do século XVII, Francisco Pinheiro de Figueiroa, sargento-mor das ordenanças da vila de Melgaço. (FERNANDES, V., 2010). 

Este lugar é ainda descrito em finais do século XIX no célebre livro “O Minho Pittoresco”, publicado em 1886, por onde o autor passa na sua viagem rumo a Fiães e Castro Laboreiro e onde regista a seguinte nota: “Atravessamos o pitoresco lugar de Cavaleiros, onde existe a capela da Senhora das Dores, cuja festa se realiza em setembro, e que domina um pequeno mas formoso vale, e assim vamos caminhando, levando à esquerda a montanha, e à direita os pequenos tabuleiros arrelvados, que descem até ao regato de Souto dos Loiros, sobre cujas margens se levantam frondosos soutos de castanheiros.” (VIEIRA, J., 1886). 

A capela citada neste extrato e que ainda hoje existe é dedicada a S. Mamede, cuja construção poderá remonta ao século XVII. Todavia, é bem possível que já existisse uma velha ermida neste lugar no século XIII com este orago. Esta afirmação fundamenta-se num documento da época em que o atualmente chamado Rio do Porto, foi nomeado como rio “de S. Mamede” o que prova que, de alguma maneira, já na época, o lugar teria alguma tipo de ligação ao referido santo. Deixamos aqui algumas notas históricas acerca da dita capela. 

Desconhecemos a época exata da construção da primitiva capela, ainda que suspeitamos que pudesse já existir no século XIII, conforme referimos atrás. 

Sabemos, contudo, que no princípio do século XVIII, a capela estava completamente arruinada, tendo a obrigação de a fabricar os povos das aldeias circundantes. Desta forma, em 1739, dá-se o início da construção de uma nova capela, dedicada a São Mamede e à Senhora da Escravitude, no lugar de Cavaleiros de Cima. Em 1740, a 13 Julho a capela é benzida após a sua conclusão, dizendo a primeira missa o Padre Manuel da Cunha Lira. Pouco depois, os fregueses conseguiram autorização do Senado Municipal para venderem, no monte baldio da Costa da Rolha, uma tapada, cujos rendimentos cobrissem as despesas anuais do culto. Aqueles tinham a obrigação, no entanto, de vedarem no monte a tapada. 

Em 1742, a 14 Fevereiro, o visitador queixa-se dos fregueses que estavam obrigados a trabalhar na parede da tapada se escusarem da obra, estipulando que o pároco os devia intimar e obrigar a continuar a obra, multando-os em 100 réis cada vez que faltassem. Posteriormente, o Padre Manuel António Pinheiro de Figueiroa, ao fazer com os mesários da Confraria das Almas do Purgatório, de Rouças, um contrato de doação sujeito a missas, estipula a obrigação anual de uma missa cantada a 24 de Setembro, dia da Senhora das Mercês, a que chamam Senhora da Escravitude, com a esmola de 500 réis e cera, e uma missa rezada a 17 Agosto, dia de São Mamede, com esmola de 120 réis, ambas na capela de Cavaleiros. Para satisfação e complemento desta obrigação, o Padre dava à Confraria 50$000 em dinheiro, os quais seriam pagos após o seu falecimento. No seu testamento, o Padre Manuel Pinheiro diz que o seu herdeiro deverá mandar fazer uma coroa de prata à Senhora da Mercê da Escravidão, no lugar de Cavaleiros. 

D. Maria Teresa de Gondar Sotomaior, D. Isabel Ventura de Castro Sousa e D. Maria Luísa de Sotomaior, primas do Pe. Manuel António Pinheiro de Figueiroa, incrementaram o culto na capela de São Mamede. Contudo, em 1755, a 29 de Dezembro, as mesmas senhoras instituíram na Confraria das Almas de Rouças um outro legado de missas. Contrataram entre si fundarem perpetuamente uma "capela" de domingos e dias Santos na capela, e no dia de Nossa Senhora dos Prazeres (a primeira 2ª feira de Pascoela), uma missa cantada com assistência de 4 clérigos, doando ainda 250$00; as ditas capelas terão princípio depois do falecimento da primeira destas senhoras. 

Alguns anos antes, em 18 de Março de 1746, foi feito o registo de provisão a favor dos moradores dos lugares de Mijanços, Corga, Cabanas, Cabreiros, Riba de Souto, Paço, Requeijo e todos os mais declarados na provisão, para se colocar confessionário nesta capela de São Mamede, deste lugar de Cavaleiros.

Cavaleiros é, como vemos, um lugar com muita História e com mais de 800 anos de existência comprovada. Tem sido povoado de forma continuada nos últimos séculos, conforme nos mostram os registos de batismos e óbitos ocorridos neste lugar, com os dados organizados na seguinte tabela: 

 



 

Fontes consultadas: 

 

-COSTA, Padre António Carvalho da (1706) - Corografia Portuguesa, tomo I, Valentim da Costa Deslandes, Lisboa. 

-ESTEVES, Augusto C. (2002) - Obras Completas. Volume I, tomo 2; Edição: Câmara Municipal de Melgaço. 

- FERNANDES, Vasco Q. (2010) – Pereira de Lira e Castro, da Casa dos Picoutos. In: Revista Lusófona de Genealogia e Heráldica n.º 9, Gabinete de Estudos de Genealogia e Heráldica da Universidade Lusófona do Porto, Porto. 

-PINTOR, Pe M. A. Bernardo (1975) - Melgaço Medieval. Augusto Costa & Lda, Braga. 

-VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, Tomo I, Livraria de António Maria Pereira-Editor, Lisboa.  

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