sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

A criação do jornal "A Neve" e do "Primavera Sport Club" em Castro Laboreiro há 100 anos atrás




A Família Carabel, de Castro Laboreiro, era mão para toda a obra. Fundaram há cerca de 100 anos uma fábrica de chocolate em terras castrejas. O fabrico de chocolates constituía uma das suas fontes de rendimento, mas, tinham ainda uma loja aberta, em Castro Laboreiro onde vendiam tamancos, miudezas e fazendas, e também tratavam de caixões e funerais. Mais tarde, em 1920, começaram a publicar a publicar um jornal, chamado “A Neve” e tiveram papel importante na criação da coletividade castreja “Primavera Sport Club”. No dito jornal, eram anunciados os seus esmerados chocolates. A publicidade era também deliciosa nos dizeres: “Quereis um bom casamento? – Tomai o chocolate da afamada fábrica “Caravelos” de Castro Laboreiro, que atrai a simpatia”.
O jornal e o “Primavera Sport Club” surgem já quando a fábrica estava sob a gerência dos irmãos Abílio e Germano Carabel. Ambos eram redatores do jornal, e tinham jeito para a escrita. Sobretudo, o Abílio Alves Carabel. O diretor era um tal Abílio Domingos, professor primário em Castro Laboreiro, que depois se radicou em Braga, onde morreu. Seriam os três que financiavam o jornal, mas que deixou de se publicar, quando Germano Carabel foi dirigir a filial em Melgaço da Fábrica de Chocolates “Carabel, Sucessores”, antes de ter viajado para o Brasil, com a mulher e filhos, onde permaneceu alguns anos para gerir os bens da esposa.
A criação do jornal “A Neve” teve como uma das principais finalidades chamar à atenção da Câmara Municipal de Melgaço e outras instituições para a necessidade de dar atenção a Castro Laboreiro, nomeadamente à imperativa construção de uma estrada que ligasse terras castrejas ao resto do país com vista a facilitar a circulação de pessoas e bens.
A criação do “Primavera Sport Club” visava fomentar um espaço de convívio entre os castrejos bem como discussão pela defesa dos interesse da terra.
Estes pormenores são-nos contados, na primeira pessoa, num artigo publicado no jornal “A Neve”, na sua edição de 18 de Novembro de 1920: “Foi durante a viagem de Melgaço para Castro Laboreiro que nasceu a ideia da fundação do “Primavera Sport Club” e da criação do jornal “A Neve”.
Éramos dois os viajantes ou por outra os caminhantes, pois a pé é que nós tivemos de transpor essas montanhas que separavam Melgaço de Castro Laboreiro. Saímos dos “Pereiras”, sito na Calçada, pelas 13 horas, em direção à nossa querida Montanha.
Até ao cimo da Costa da Rolha, a nossa conversação recaiu sobre assuntos vários, falando não raras vezes em Amor. A conversa foi recaindo sobre Castro Laboreiro, nossa terra e digo nossa terra porque me orgulho de ter nascido nesta terra onde à honradez ainda se presta subido culto. Já acima de Fiães, diz-me o companheiro: “Como me sentiria feliz se Castro Laboreiro possuísse um jornal para defender os seus interesses e um club e aonde todos os conterrâneos se reunissem divertindo-se e instruindo-se ao mesmo tempo, incutindo uns nos outros o sagrado dever de pugnar pelos interesses comuns que são os interesses desta terra que se despe de todos os objectos para nosso interesse, tratando-nos como mãe. Estava lançada a ideia. Como eu também ansiava pela prosperidade da terra que carinhosamente susteve os meus primeiros passos!
Para a realização dos nossos projectos, faltava-nos apenas realizar um programa e o apoio dos conterrâneos. A nossa vontade de ferro tudo conseguiu com muito diminuto espaço. Mas ainda não é tudo! A obra está em princípio.
Triunfou dos primeiros obstáculos e agora já não ameaça a morte: contudo é preciso fortificá-la e fortificá-la-emos, pois agora pois agora é esse o desejo geral de todos os castrejos sequiosos do Progresso.
Sinto-me feliz e como eu se sentem todos oso que participaram deste trabalho coroado de êxito.
Não adormeçamos, fortifiquemo-nos para nos fazer respeitar.”

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

A excelência do Presunto de Melgaço ao longo dos tempos



Desde há vários séculos, variadíssimos documentos históricos atestam as virtudes do famoso Presunto de Melgaço. São destacados ao longo dos tempos aqueles que são feitos em Fiães e em Castro Laboreiro.
Há cerca de 500 anos, o presunto de Melgaço já fazia parte dos tributos a pagar ao rei D. Manuel I, conforme refere o foral manuelino de 3 de Novembro de 1513 o que comprova o seu elevado valor. Neste foral, diz-se que o rei e seus sucessores deviam receber por casais reguengos dispersos pelas freguesias de Rouças e Chaviães três presuntos por ano.
Já nesta altura, se faz referência ao facto de o presunto em Fiães não se conservar no sal mas sim curado e fumado. A comprovar o que se refere, basta aludir ao tal contrato de arrendamento das rendas do Mosteiro de Fiães, relativas ao ano económico iniciado no S. João de 1483 e a terminar na véspera da mesma festa do ano seguinte (1484), feito em 9 de Abril de 1483, pelo comendatário, D. Frei Justo Baldino, bispo de Ceuta, ao abade de Rouças, Álvaro Gonçalves, e ao padre Fernando Domingues, ambos moradores da vila de Melgaço, pelas quais deveriam pagar vinte e um mil reais brancos da moeda corrente “e mais uma dúzia de marrans (presuntos) secas e curadas e dezoito lampreas secas”.
No século XVIII, é a vez do Padre António Carvalho da Costa no seu livro “Corografia portugueza e descripçam topografica do famoso Reyno de Portugal”, publicado em 1706, fazer alusão ao nosso presunto destacando, quando se refere a Melgaço, que “tem boas e férteis terras, pela maior parte, mas em particular o vale da Folia [designação antiga para o atual território da freguesia de Remoães, concelho de Melgaço] com grandes vantagens: dá muito pão e vinho, frutas, feijão, hortaliças e cebolas muy celebradas por doces e as melhores desta província, excelentes presuntos sem sal...”
Temos ainda dizeres comprovativos da qualidade superior “É effectivamente a carne mais saborosa de Portugal e o fiambre feito d’estes presuntos, é óptimo” na A Gazeta de Lisboa, nº 1, de Janeiro de 1824. Aqui publicita-se a venda dos presuntos de Melgaço em Lisboa “(…) na rua dos Franqueiros, loja de Sola nº 116, há para venda presuntos de Lamego e Melgaço de superior qualidade (…)”
Lucas Rigaud, cozinheiro real no tempo da rainha D. Maria I, refere na sua obra maior “O Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinhar”, publicada em 1826, “(…) os presuntos que nos vem de Lamego, Montalegre e Melgaço são excelentes (…)”. A monarca terá provado o Presunto de Fiães (freguesia de Melgaço), do qual terá dito que “… era um dos melhores manjares até aos dias d’ hoje…”
Na publicação lisboeta “O Panorama”, em 1841, no seu volume V, referindo-se à economia doméstica alude a uma “(…) receita para preparar os presuntos de maneira que sejam iguais aos melhores de Melgaço ou Lamego (…)”.
Se consultarmos outros jornais durante o século XIX, reparamos que o presunto de Melgaço também era vendido na cidade do Porto. Por exemplo, no “Jornal do Porto”, na sua edição de 25 de Dezembro de 1869 encontramos um anúncio com os seguintes dizeres: “Presuntos de Melgaço – Próprio para Fiambre. Vendem-se na Travessa da Picaria, nº 23”.
Desde tempos recuados que os afamados presuntos de Melgaço atravessavam o Atlântico rumo ao Brasil. Tal é comprovado no livro “Portugal Antigo e Moderno”, publicado em 1875, da autoria de Pinho Leal, quando este refere que “São justamente famosos os presuntos de Melgaço, e do seu concelho, e se exportam em grande quantidade, para todo o reino e para o Brasil.
A comprovar a fama do presunto de Melgaço no Brasil, encontramos, na publicação brasileira “Jornal do Agricultor”, em 1880, uma receita de presunto de fiambre. Diz-se na receita, que para obter o melhor resultado, devia-se utilizar presunto de Melgaço ou de origem galega acrescentando que ”devem-se preferir destas procedências porque não precisam ser demolhados, nem de temperos para ficarem gostosos”.
Ainda no século XIX, é o grande Ramalho Ortigão que faz alusão ao precioso manjar melgacense no seu livro “As Praias de Portugal”, publicado em 1876. Quando nos fala de um hotel em Vila do Conde, conta-nos que “o proprietário distrae a attenção dos forasteiros (…) servindo-lhe magnífico vinho verde, admiráveis presuntos de Melgaço, de primeira ordem,...”
O mesmo Ramalho Ortigão, no seu livro “As Farpas” (1882), escreve que “Todas as especialidades culinárias se anunciam em grandes doses: os paios de Castelo de Vide, os presuntos de Melgaço (…)”. Neste mesmo ano, um outro escritor, João Penha, na sua obra “Rimas” faz um canto aos presuntos de Melgaço. O mesmo autor em 1893, dedica novamente ao presunto melgacense um soneto no livro "Poetas Minhotos".
Em 1886, José Augusto Vieira na obra “O Minho Pitoresco” escreve “O Presunto de Melgaço! Que epopeia seria necessária para descrever-lhe o paladar fino e delicado, o aroma gratíssimo, a cor rosa escarlate, a frescura viçosa da fibra (...) o Presunto de Melgaço, conhecido em todo o país é por assim dizer a syntese da phisiologia local. Válido, robusto, ágil, com o sangue puro bem oxygenado a estalar-lhe nas bochechas rosadas, o melgacense genuíno destaca-se dos habitantes dos outros concelhos próximos, a ponto de ser entre estes vulgar a phrase de: - Ter a cara do Presunto de Melgaço - quando se falla de alguém com as boas cores de saúde (…) Apesar, porém, de todas as tuas deliciosas qualidades, ó apetitoso quadril suíno, força é esquecer-te, como a todas as cousas boas ou más d’este mundo(…)”.
No mesmo livro, o autor acrescenta “O presunto, aquele magnífico Presunto de Melgaço, cujas deliciosas qualidades te descrevi, leitor amigo, é especialmente curado em Fiães, onde o preparam sem sal, receita talvez d’algum monge epicurista...” De facto, o presunto fazia parte de um conjunto de produtos de fabrico doméstico que funcionavam como reserva alimentar e também como moeda de troca nas trocas comerciais. Já nos séculos passados, Melgaço mantinha uma relação muito estreita com a Galiza. José Augusto Vieira em 1886 dizia nas suas referências relativamente ao Presunto de Melgaço “(...) fazendo-se bastantes transacções com a Galiza, e exportando para todo o país os célebres presuntos e para os concelhos próximos algum vinho, lãs, cereais e castanha”.
Na viragem do século XIX para o século XX, a excelência do presunto de Melgaço mantém-se bem visível. Atentemos nesta notícia datada de 4 de Março de 1900 no jornal brasileiro “A Imprensa” onde se fala da presença do presunto de Melgaço na Exposição Universal de Paris. Na notícia, pode ler-se que ”O proprietário do Hotel Continental de Vigo e do Hotel Rio Minho, em Valença, pensa, de sociedade com um dos principais vinicultores e proprietários de Monsão, em instalarem restaurante durante a Exposição de Pariz, e no local onde já se encontra outras casas do género de differentes paízes, e onde serão servidas comidas minhotas, ou por outra, cosinhados minhotos, onde não faltará o presunto de Melgaço...”
Na década de 30 do século passado, a fama mantém-se como se atesta na referência no Anuário do Distrito de Viana do Castelo, Vol. I, em 1932 onde se pode ler relativamente ao concelho de Melgaço: “São afamados os presuntos, conhecidos no mercado sob a designação de Presunto de Melgaço”.
Em tempos menos recuados, continuamos a encontrar os merecidos elogios ao Presunto de Melgaço. Na publicação “Vida Mundial”, na sua edição de 20 de Maio de 1976, num artigo intitulado “Gastronomia Portuguesa” destaca de entre a gastronomia das várias regiões portuguesa, que “as carnes do Norte são magníficas, e por isso os enchidos são maravilhosas criações culinárias. O seu presunto de Melgaço, de Chaves e Montalegre, o seu salpicão e o seu fiambre, (...) são um prato digno dos deuses”.
Podíamos aqui colocar muitas mais referências que podemos encontrar em outros documentos em diversas épocas históricas. Os tempos mudaram ao longo dos séculos mas a sabedoria da saber produzir presuntos de excelência mantém-se intacta. Recentemente, estabelecimentos de restauração em Melgaço começaram a fazer constar nos seus menus a famosa e antiga receita dos “Bifes de Presunto de Melgaço”. Uma atitude inteligente, quanto a mim, já que, além de se contribuir para que não se perca esta receita ancestral, é um prato confecionado com um produto distintivo da nossa terra.






Fontes consultadas:
- “A Imprensa” , edição de 4 de Março de 1900;
- Anuário do Distrito de Viana do Castelo (1932), Vol. I, 1932, Empresa Gráfica do Notícias de Viana, Viana do Castelo;
- COSTA, Padre António Carvalho da (1706) - Corografia Portuguesa, tomo I, Valentim da Costa Deslandes, Lisboa;
- COSTA, Padre António Carvalho da (1868) - Corografia Portuguesa 2.ª Ed., tomo I, Typografia de Domingos Gonçalves Gouvea, offerecido A El Rey D. Pedro II;
- “Gazeta de Lisboa”, n.º 1, Janeiro de 1824, Lisboa;
- “Jornal do Agricultor”, edição de 3 de Março de 1880;
- “Jornal do Porto”, edição de 25 de Dezembro de 1869;
- LEAL, Augusto de Pinho (1875), Portugal Antigo e Moderno, Livraria Editora de Mattos & Companhia, Lisboa;
- MARQUES, José (1996) – Em torno do termo marrã. Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto - História, Porto.
- ORTIGÃO, Ramalho (1876) – As Praias em Portugal. Magalhães & Moniz Editores; Livraria Universal, Porto.
- ORTIGÃO, Ramalho (1882) - As Farpas – o país e a sociedade Portuguesa, Tomo V, Livraria Clássica Editora, Lisboa;
- “O Panorama” (1841), Vol. V, Typografia da Sociedade, Lisboa;
- PENHA, João (1882) - Rimas, Avelino Fernandes e Cª Editores, Lisboa;
- RIGAUD, Lucas (1826) - O Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de cozinhar. 5.ª edição, Typografia Lacerda, Lisboa;
- “Vida Mundial”, edição de 20 de Maio de 1976;
- VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, Tomo I, Livraria de António Maria Pereira-Editor, Lisboa.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Viagem à Capela da Senhora da Orada (Melgaço) em fotos de antigamente


A capela da Nossa Senhora da Orada é um importante marco da arquitetura religiosa medieval de Melgaço e de todo o Alto Minho. Trata-se de um templo outrora associado a lendas e romarias que remontam a vários séculos atrás aos tempos da peste. Acerca desta capela, José Saramago, Nobel da Literatura, escreveu no seu livro Viagem a Portugal: “Logo adiante de Melgaço está a Nossa Senhora da Orada. Fica à beira do caminho, num plano ligeiramente elevado, e se o viajante vai depressa e desatento, passa por ela, e ai minha Nossa Senhora, onde estás tu? Esta igreja está aqui desde 1245, estão feitos, e já muito ultrapassados, setecentos anos. O viajante tem o dever de medir as palavras. Não lhe fica bem desmandar-se em adjetivos, que são a peste do estilo, muito mais quando substantivo se quer, como neste caso. Mas a Igreja da Nossa Senhor da Orada, pequena construção românica decentemente restaurada, é tal obra-prima de escultura que as palavras são desgraçadamente de menos. Aqui pedem-se olhos, registos fotográficos que acompanhem o jogo de luz, a câmara de cinema, e também o tacto, os dedos sobre estes relevos para ensinar o que aos olhos falta. Dizer palavras é dizer capitéis, acantos, volutas, é dizer modilhões, tímpanos, aduelas, e isto está sem dúvida certo, tão certo como declarar que o homem tem cabeça, tronco e membros, e ficar sem saber coisa nenhuma do que o homem é. O viajante pergunta aos ares de onde são os álbuns de arte que mostrem a quem vive longe esta Senhora da Orada e de todas as Oradas que por este país fora ainda resistem aos séculos e aos maus tratos da ignorância ou, pior ainda, ao gosto de destruir.”
Proponho-vos uma viagem à Nossa Senhora da Orada pelas fotografias dos últimos 120 anos e um raro desenho da capela com mais de 130 anos. Viaje no tempo!...


Capela da Orada em 1886 (desenho no livro "O Minho Pittoresco).


Capela da Orada em 1909 (foto que consta numa reportagem na revista Serões intitulada "A estrada de S. Gregório - A paisagem mais bonita de Portugal).

Capela da Orada em postal de início do século XX

Capela da Orada em postal de início do século XX

Capela da Orada em foto de 1903 (Foto de Aurélio da Paz dos Reis).
Capela da Orada em 1914 (cliché que Marque de Abreu)


Capela da Orada em postal de início do século XX


Capela da Orada em postal do primeiro quarto do século XX

Capela da Orada em postal da década de 30 do século passado


Pormenor da Capela da Orada fotografado em 1928 


Capela da Orada em meados do século XX


Capela da Orada em 1954 (foto de Mário Novais)


Pormenor do portal lateral da Capela da Orada em 1954 (foto de Mário Novais)



Pórtico Principal da Capela da Orada em 1954 (foto de Mário Novais)


Interior da Capela da Orada em 1954 (foto de Mário Novais)



Capela da Orada em 1971 (Foto de Severino Costa).

Portal de entrada da Capela da Orada em 1971 com a Senhora da Orada no exterior.
(Foto de Severino Costa).



Exterior junto à Capela da Orada em 1971 com a Senhora da Orada exposta (foto de Severino Costa)

Capela da Orada em postal dos anos 70 do século passado


Capela da Orada em postal dos anos 70 do século passado

Capela da Orada em postal dos anos 80 do século passado
Capela da Orada em postal dos anos 70 do século passado