Desde
há vários séculos, variadíssimos documentos históricos atestam as
virtudes do famoso Presunto de Melgaço. São destacados ao longo dos tempos aqueles que são feitos em Fiães e em Castro Laboreiro.
Há
cerca de 500 anos, o presunto de Melgaço já fazia parte dos
tributos a pagar ao rei D. Manuel I, conforme refere o foral
manuelino de 3 de Novembro de 1513 o que comprova o seu elevado valor. Neste foral, diz-se que o rei e
seus sucessores deviam receber por casais reguengos dispersos pelas
freguesias de Rouças e Chaviães três presuntos por ano.
Já
nesta altura, se faz referência ao facto de o presunto em Fiães não
se conservar no sal mas sim curado
e fumado.
A comprovar o que se refere, basta aludir ao tal contrato de
arrendamento das rendas do Mosteiro de Fiães, relativas ao ano
económico iniciado no S. João de 1483 e a terminar na véspera da
mesma festa do ano seguinte (1484), feito em 9 de Abril de 1483, pelo
comendatário, D. Frei Justo Baldino, bispo de Ceuta, ao abade de
Rouças, Álvaro Gonçalves, e ao padre Fernando Domingues, ambos
moradores da vila de Melgaço, pelas quais deveriam pagar vinte e um
mil reais brancos da moeda corrente “e mais uma dúzia de marrans
(presuntos)
secas e
curadas e
dezoito lampreas secas”.
No
século XVIII, é a vez do Padre António Carvalho da Costa no seu
livro “Corografia portugueza e descripçam topografica do famoso
Reyno de Portugal”, publicado em 1706, fazer alusão ao nosso
presunto destacando, quando se refere a Melgaço, que “tem boas e
férteis terras, pela maior parte, mas em particular o vale da Folia
[designação antiga para o atual território da freguesia de
Remoães, concelho de Melgaço] com grandes vantagens: dá muito pão
e vinho, frutas, feijão, hortaliças e cebolas muy celebradas por
doces e as melhores desta província, excelentes presuntos sem
sal...”
Temos
ainda dizeres comprovativos da qualidade superior “É
effectivamente a carne mais saborosa de Portugal e o fiambre feito
d’estes presuntos, é óptimo” na A Gazeta de Lisboa, nº 1, de Janeiro de 1824. Aqui publicita-se a venda dos presuntos de Melgaço
em Lisboa “(…) na rua dos Franqueiros, loja de Sola nº 116, há
para venda presuntos de Lamego e Melgaço de superior qualidade (…)”
Lucas
Rigaud, cozinheiro real no tempo da rainha D. Maria I, refere na sua
obra maior “O Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinhar”,
publicada em 1826, “(…) os presuntos que nos vem de Lamego,
Montalegre e Melgaço são excelentes (…)”. A monarca terá
provado o Presunto de Fiães (freguesia de Melgaço), do qual terá
dito que “… era um dos melhores manjares até aos dias d’
hoje…”
Na
publicação lisboeta “O Panorama”, em 1841, no seu volume V,
referindo-se à economia doméstica alude a uma “(…) receita para
preparar os presuntos de maneira que sejam iguais aos melhores de
Melgaço ou Lamego (…)”.
Se
consultarmos outros
jornais durante o século XIX, reparamos que o
presunto de Melgaço
também era vendido na cidade do Porto. Por
exemplo, no “Jornal do Porto”, na sua edição de 25 de Dezembro
de 1869 encontramos um anúncio com os seguintes dizeres: “Presuntos
de Melgaço – Próprio para Fiambre. Vendem-se na Travessa da
Picaria, nº 23”.
Desde
tempos recuados que os afamados presuntos de Melgaço atravessavam o
Atlântico rumo ao Brasil. Tal é comprovado no livro “Portugal
Antigo e Moderno”, publicado em 1875, da autoria de Pinho Leal,
quando este refere que “São justamente famosos os presuntos de
Melgaço, e do seu concelho, e se exportam em grande quantidade, para
todo o reino e para o Brasil.
A
comprovar a fama do presunto de Melgaço no Brasil, encontramos, na
publicação brasileira “Jornal do Agricultor”, em 1880, uma
receita de presunto de fiambre. Diz-se na receita, que para obter o
melhor resultado, devia-se utilizar presunto de Melgaço ou de origem
galega acrescentando que ”devem-se preferir destas
procedências
porque não precisam ser demolhados, nem de temperos para ficarem
gostosos”.
Ainda
no século XIX, é o grande Ramalho Ortigão que faz alusão ao
precioso manjar melgacense no seu livro “As
Praias de Portugal”, publicado em 1876. Quando nos fala de um hotel
em Vila do Conde, conta-nos que “o proprietário distrae a attenção
dos forasteiros (…) servindo-lhe magnífico vinho verde, admiráveis
presuntos de Melgaço, de primeira ordem,...”
O
mesmo
Ramalho Ortigão, no
seu livro “As
Farpas” (1882), escreve
que
“Todas as especialidades culinárias se anunciam em grandes doses:
os paios de Castelo de Vide, os presuntos de Melgaço (…)”. Neste
mesmo ano, um outro escritor, João Penha, na sua obra “Rimas”
faz um canto aos presuntos de Melgaço. O mesmo autor em 1893, dedica
novamente ao presunto melgacense um soneto no livro "Poetas
Minhotos".
Em
1886, José Augusto Vieira na obra “O Minho Pitoresco” escreve “O
Presunto de Melgaço! Que epopeia seria necessária para
descrever-lhe o paladar fino e delicado, o aroma gratíssimo, a cor
rosa escarlate, a frescura viçosa da fibra (...) o Presunto de
Melgaço, conhecido em todo o país é por assim dizer a syntese da
phisiologia local. Válido, robusto, ágil, com o sangue puro bem
oxygenado a estalar-lhe nas bochechas rosadas, o melgacense genuíno
destaca-se dos habitantes dos outros concelhos próximos, a ponto de
ser entre estes vulgar a phrase de: - Ter a cara do Presunto de
Melgaço - quando se falla de alguém com as boas cores de saúde (…)
Apesar, porém, de todas as tuas deliciosas qualidades, ó apetitoso
quadril suíno, força é esquecer-te, como a todas as cousas boas ou
más d’este mundo(…)”.
No
mesmo livro, o autor acrescenta “O presunto, aquele magnífico
Presunto de Melgaço, cujas deliciosas qualidades te descrevi, leitor
amigo, é especialmente curado em Fiães, onde o preparam sem sal,
receita talvez d’algum monge epicurista...” De facto, o presunto
fazia parte de um conjunto de produtos de fabrico doméstico que
funcionavam como reserva alimentar e também como moeda de troca nas
trocas comerciais. Já nos séculos passados, Melgaço mantinha uma
relação muito estreita com a Galiza. José Augusto Vieira em 1886
dizia nas suas referências relativamente ao Presunto de Melgaço
“(...) fazendo-se bastantes transacções com a Galiza, e
exportando para todo o país os célebres presuntos e para os
concelhos próximos algum vinho, lãs, cereais e castanha”.
Na
viragem do século XIX para o século XX, a excelência do presunto
de Melgaço mantém-se bem visível. Atentemos nesta notícia datada
de 4 de Março de 1900 no jornal brasileiro “A Imprensa” onde se
fala
da presença do presunto de Melgaço na Exposição Universal de
Paris. Na notícia, pode ler-se que ”O proprietário do Hotel
Continental de Vigo e do Hotel Rio Minho, em Valença, pensa, de
sociedade com um dos principais vinicultores e proprietários de
Monsão, em instalarem restaurante durante a Exposição de Pariz, e
no local onde já se encontra outras casas do género de differentes
paízes, e onde serão servidas comidas minhotas, ou por outra,
cosinhados minhotos, onde não faltará o presunto de Melgaço...”
Na
década de 30 do século passado, a fama mantém-se como se atesta na
referência no Anuário do Distrito de Viana do Castelo, Vol. I, em
1932 onde se pode ler relativamente ao concelho de Melgaço: “São
afamados os presuntos, conhecidos no mercado sob a designação de
Presunto de Melgaço”.
Em
tempos menos recuados, continuamos a encontrar os merecidos elogios
ao Presunto de Melgaço. Na publicação “Vida Mundial”, na sua
edição de 20 de Maio de 1976, num
artigo intitulado “Gastronomia Portuguesa” destaca
de entre a gastronomia das várias regiões portuguesa, que “as
carnes do Norte são magníficas, e por isso os enchidos são
maravilhosas criações culinárias. O seu presunto de Melgaço, de
Chaves e Montalegre, o seu salpicão e o seu fiambre, (...) são um
prato digno dos deuses”.
Podíamos
aqui colocar muitas mais referências que podemos encontrar em outros
documentos em diversas épocas históricas. Os tempos mudaram ao
longo dos séculos mas a sabedoria da saber produzir presuntos de
excelência mantém-se intacta. Recentemente, estabelecimentos de
restauração em Melgaço começaram a fazer constar nos seus menus a
famosa e antiga receita dos
“Bifes de Presunto de Melgaço”. Uma atitude inteligente, quanto
a mim, já que, além de se contribuir para que não se perca esta
receita ancestral, é um prato confecionado com um produto distintivo
da nossa terra.
Fontes
consultadas:
-
“A
Imprensa” , edição de 4 de Março de 1900;
-
Anuário
do Distrito de Viana do Castelo (1932), Vol. I, 1932, Empresa
Gráfica do Notícias de Viana, Viana do Castelo;
-
COSTA,
Padre António Carvalho da (1706) - Corografia Portuguesa, tomo I,
Valentim da Costa Deslandes, Lisboa;
-
COSTA,
Padre António Carvalho da (1868) - Corografia Portuguesa 2.ª Ed.,
tomo I, Typografia de Domingos Gonçalves Gouvea, offerecido A El Rey
D. Pedro II;
-
“Gazeta de Lisboa”, n.º 1, Janeiro
de 1824, Lisboa;
-
“Jornal do
Agricultor”, edição de 3 de Março de 1880;
-
“Jornal
do Porto”, edição de 25 de Dezembro de 1869;
-
LEAL,
Augusto de Pinho (1875), Portugal Antigo e Moderno, Livraria
Editora de Mattos & Companhia, Lisboa;
-
MARQUES,
José (1996) – Em torno do termo marrã. Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto - História, Porto.
-
ORTIGÃO, Ramalho (1876) – As Praias em Portugal. Magalhães
& Moniz Editores; Livraria Universal, Porto.
-
ORTIGÃO,
Ramalho (1882)
- As Farpas – o país e a sociedade Portuguesa, Tomo V, Livraria
Clássica Editora, Lisboa;
-
“O Panorama” (1841), Vol. V, Typografia da Sociedade, Lisboa;
-
PENHA,
João (1882) - Rimas, Avelino Fernandes e Cª Editores, Lisboa;
-
RIGAUD,
Lucas (1826) - O Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de cozinhar. 5.ª
edição, Typografia Lacerda, Lisboa;
-
“Vida
Mundial”, edição de 20 de Maio de 1976;
-
VIEIRA,
José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco,
Tomo I, Livraria de António Maria Pereira-Editor, Lisboa.
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