sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

A excelência do Presunto de Melgaço ao longo dos tempos



Desde há vários séculos, variadíssimos documentos históricos atestam as virtudes do famoso Presunto de Melgaço. São destacados ao longo dos tempos aqueles que são feitos em Fiães e em Castro Laboreiro.
Há cerca de 500 anos, o presunto de Melgaço já fazia parte dos tributos a pagar ao rei D. Manuel I, conforme refere o foral manuelino de 3 de Novembro de 1513 o que comprova o seu elevado valor. Neste foral, diz-se que o rei e seus sucessores deviam receber por casais reguengos dispersos pelas freguesias de Rouças e Chaviães três presuntos por ano.
Já nesta altura, se faz referência ao facto de o presunto em Fiães não se conservar no sal mas sim curado e fumado. A comprovar o que se refere, basta aludir ao tal contrato de arrendamento das rendas do Mosteiro de Fiães, relativas ao ano económico iniciado no S. João de 1483 e a terminar na véspera da mesma festa do ano seguinte (1484), feito em 9 de Abril de 1483, pelo comendatário, D. Frei Justo Baldino, bispo de Ceuta, ao abade de Rouças, Álvaro Gonçalves, e ao padre Fernando Domingues, ambos moradores da vila de Melgaço, pelas quais deveriam pagar vinte e um mil reais brancos da moeda corrente “e mais uma dúzia de marrans (presuntos) secas e curadas e dezoito lampreas secas”.
No século XVIII, é a vez do Padre António Carvalho da Costa no seu livro “Corografia portugueza e descripçam topografica do famoso Reyno de Portugal”, publicado em 1706, fazer alusão ao nosso presunto destacando, quando se refere a Melgaço, que “tem boas e férteis terras, pela maior parte, mas em particular o vale da Folia [designação antiga para o atual território da freguesia de Remoães, concelho de Melgaço] com grandes vantagens: dá muito pão e vinho, frutas, feijão, hortaliças e cebolas muy celebradas por doces e as melhores desta província, excelentes presuntos sem sal...”
Temos ainda dizeres comprovativos da qualidade superior “É effectivamente a carne mais saborosa de Portugal e o fiambre feito d’estes presuntos, é óptimo” na A Gazeta de Lisboa, nº 1, de Janeiro de 1824. Aqui publicita-se a venda dos presuntos de Melgaço em Lisboa “(…) na rua dos Franqueiros, loja de Sola nº 116, há para venda presuntos de Lamego e Melgaço de superior qualidade (…)”
Lucas Rigaud, cozinheiro real no tempo da rainha D. Maria I, refere na sua obra maior “O Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinhar”, publicada em 1826, “(…) os presuntos que nos vem de Lamego, Montalegre e Melgaço são excelentes (…)”. A monarca terá provado o Presunto de Fiães (freguesia de Melgaço), do qual terá dito que “… era um dos melhores manjares até aos dias d’ hoje…”
Na publicação lisboeta “O Panorama”, em 1841, no seu volume V, referindo-se à economia doméstica alude a uma “(…) receita para preparar os presuntos de maneira que sejam iguais aos melhores de Melgaço ou Lamego (…)”.
Se consultarmos outros jornais durante o século XIX, reparamos que o presunto de Melgaço também era vendido na cidade do Porto. Por exemplo, no “Jornal do Porto”, na sua edição de 25 de Dezembro de 1869 encontramos um anúncio com os seguintes dizeres: “Presuntos de Melgaço – Próprio para Fiambre. Vendem-se na Travessa da Picaria, nº 23”.
Desde tempos recuados que os afamados presuntos de Melgaço atravessavam o Atlântico rumo ao Brasil. Tal é comprovado no livro “Portugal Antigo e Moderno”, publicado em 1875, da autoria de Pinho Leal, quando este refere que “São justamente famosos os presuntos de Melgaço, e do seu concelho, e se exportam em grande quantidade, para todo o reino e para o Brasil.
A comprovar a fama do presunto de Melgaço no Brasil, encontramos, na publicação brasileira “Jornal do Agricultor”, em 1880, uma receita de presunto de fiambre. Diz-se na receita, que para obter o melhor resultado, devia-se utilizar presunto de Melgaço ou de origem galega acrescentando que ”devem-se preferir destas procedências porque não precisam ser demolhados, nem de temperos para ficarem gostosos”.
Ainda no século XIX, é o grande Ramalho Ortigão que faz alusão ao precioso manjar melgacense no seu livro “As Praias de Portugal”, publicado em 1876. Quando nos fala de um hotel em Vila do Conde, conta-nos que “o proprietário distrae a attenção dos forasteiros (…) servindo-lhe magnífico vinho verde, admiráveis presuntos de Melgaço, de primeira ordem,...”
O mesmo Ramalho Ortigão, no seu livro “As Farpas” (1882), escreve que “Todas as especialidades culinárias se anunciam em grandes doses: os paios de Castelo de Vide, os presuntos de Melgaço (…)”. Neste mesmo ano, um outro escritor, João Penha, na sua obra “Rimas” faz um canto aos presuntos de Melgaço. O mesmo autor em 1893, dedica novamente ao presunto melgacense um soneto no livro "Poetas Minhotos".
Em 1886, José Augusto Vieira na obra “O Minho Pitoresco” escreve “O Presunto de Melgaço! Que epopeia seria necessária para descrever-lhe o paladar fino e delicado, o aroma gratíssimo, a cor rosa escarlate, a frescura viçosa da fibra (...) o Presunto de Melgaço, conhecido em todo o país é por assim dizer a syntese da phisiologia local. Válido, robusto, ágil, com o sangue puro bem oxygenado a estalar-lhe nas bochechas rosadas, o melgacense genuíno destaca-se dos habitantes dos outros concelhos próximos, a ponto de ser entre estes vulgar a phrase de: - Ter a cara do Presunto de Melgaço - quando se falla de alguém com as boas cores de saúde (…) Apesar, porém, de todas as tuas deliciosas qualidades, ó apetitoso quadril suíno, força é esquecer-te, como a todas as cousas boas ou más d’este mundo(…)”.
No mesmo livro, o autor acrescenta “O presunto, aquele magnífico Presunto de Melgaço, cujas deliciosas qualidades te descrevi, leitor amigo, é especialmente curado em Fiães, onde o preparam sem sal, receita talvez d’algum monge epicurista...” De facto, o presunto fazia parte de um conjunto de produtos de fabrico doméstico que funcionavam como reserva alimentar e também como moeda de troca nas trocas comerciais. Já nos séculos passados, Melgaço mantinha uma relação muito estreita com a Galiza. José Augusto Vieira em 1886 dizia nas suas referências relativamente ao Presunto de Melgaço “(...) fazendo-se bastantes transacções com a Galiza, e exportando para todo o país os célebres presuntos e para os concelhos próximos algum vinho, lãs, cereais e castanha”.
Na viragem do século XIX para o século XX, a excelência do presunto de Melgaço mantém-se bem visível. Atentemos nesta notícia datada de 4 de Março de 1900 no jornal brasileiro “A Imprensa” onde se fala da presença do presunto de Melgaço na Exposição Universal de Paris. Na notícia, pode ler-se que ”O proprietário do Hotel Continental de Vigo e do Hotel Rio Minho, em Valença, pensa, de sociedade com um dos principais vinicultores e proprietários de Monsão, em instalarem restaurante durante a Exposição de Pariz, e no local onde já se encontra outras casas do género de differentes paízes, e onde serão servidas comidas minhotas, ou por outra, cosinhados minhotos, onde não faltará o presunto de Melgaço...”
Na década de 30 do século passado, a fama mantém-se como se atesta na referência no Anuário do Distrito de Viana do Castelo, Vol. I, em 1932 onde se pode ler relativamente ao concelho de Melgaço: “São afamados os presuntos, conhecidos no mercado sob a designação de Presunto de Melgaço”.
Em tempos menos recuados, continuamos a encontrar os merecidos elogios ao Presunto de Melgaço. Na publicação “Vida Mundial”, na sua edição de 20 de Maio de 1976, num artigo intitulado “Gastronomia Portuguesa” destaca de entre a gastronomia das várias regiões portuguesa, que “as carnes do Norte são magníficas, e por isso os enchidos são maravilhosas criações culinárias. O seu presunto de Melgaço, de Chaves e Montalegre, o seu salpicão e o seu fiambre, (...) são um prato digno dos deuses”.
Podíamos aqui colocar muitas mais referências que podemos encontrar em outros documentos em diversas épocas históricas. Os tempos mudaram ao longo dos séculos mas a sabedoria da saber produzir presuntos de excelência mantém-se intacta. Recentemente, estabelecimentos de restauração em Melgaço começaram a fazer constar nos seus menus a famosa e antiga receita dos “Bifes de Presunto de Melgaço”. Uma atitude inteligente, quanto a mim, já que, além de se contribuir para que não se perca esta receita ancestral, é um prato confecionado com um produto distintivo da nossa terra.






Fontes consultadas:
- “A Imprensa” , edição de 4 de Março de 1900;
- Anuário do Distrito de Viana do Castelo (1932), Vol. I, 1932, Empresa Gráfica do Notícias de Viana, Viana do Castelo;
- COSTA, Padre António Carvalho da (1706) - Corografia Portuguesa, tomo I, Valentim da Costa Deslandes, Lisboa;
- COSTA, Padre António Carvalho da (1868) - Corografia Portuguesa 2.ª Ed., tomo I, Typografia de Domingos Gonçalves Gouvea, offerecido A El Rey D. Pedro II;
- “Gazeta de Lisboa”, n.º 1, Janeiro de 1824, Lisboa;
- “Jornal do Agricultor”, edição de 3 de Março de 1880;
- “Jornal do Porto”, edição de 25 de Dezembro de 1869;
- LEAL, Augusto de Pinho (1875), Portugal Antigo e Moderno, Livraria Editora de Mattos & Companhia, Lisboa;
- MARQUES, José (1996) – Em torno do termo marrã. Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto - História, Porto.
- ORTIGÃO, Ramalho (1876) – As Praias em Portugal. Magalhães & Moniz Editores; Livraria Universal, Porto.
- ORTIGÃO, Ramalho (1882) - As Farpas – o país e a sociedade Portuguesa, Tomo V, Livraria Clássica Editora, Lisboa;
- “O Panorama” (1841), Vol. V, Typografia da Sociedade, Lisboa;
- PENHA, João (1882) - Rimas, Avelino Fernandes e Cª Editores, Lisboa;
- RIGAUD, Lucas (1826) - O Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de cozinhar. 5.ª edição, Typografia Lacerda, Lisboa;
- “Vida Mundial”, edição de 20 de Maio de 1976;
- VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, Tomo I, Livraria de António Maria Pereira-Editor, Lisboa.

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