domingo, 26 de dezembro de 2021

Os dias nas Termas do Peso (Melgaço) na viragem para o século XX

 


Se folhearmos o jornal “Commercio do Minho”, na sua edição de 18 de Setembro de 1900, podemos ler na sua primeira página, um artigo intitulado “Uma Carta de Melgaço”, onde o autor nos conta como eram passados os dias nas Termas do Peso há mais de 120 anos. O autor conta-nos que “...Achando-me aqui, de que lhe poderei falar senão destas águas e vida que n’ellas passam os que aqui vêm buscar cura para seus incómodos, nomeadamente de estômago e diabetes, ou retemperar as forças e lavar este complicado mundo interior? 

Quer saber com que aqui se mata, ou como se passa o tempo? Pouco mais ou menos como nas demais estações; mas aqui poderá haver algo de caracteristico: é como que a vida de família. De manhã, até às 8 e meia horas, correm os aquistas para a nascente, que d’aqui dista uns 800 metros, de caminho pela estrada real, havendo madrugadores e refratários mas vão todos tomar as doses, dando-se então as consultas médicas. Às 8 e meia, vêm os aquistas retardatários em caminho do hotel, onde os espera ás 9 horas o almoço, a que geralmente se atiram com gana, que faz desapparecer travessas de bifes, de ovos estreitados ou em omelete, peixe — pescada, corvina, goraz, etc.; tudo depois sossegado com chávenas de café com leite, ou leite, ou chá, ou chá com leite, segundo o gosto de cada um, e pão com manteiga. 

Os apreciadores elogiam muito a manteiga da fábrica de Coura. Eu nada digo sobre o caso, porque ainda não a provei, nem é coisa de que use. Eu tenho para mim que a melhor é sempre suspeita. Em que se consome no paiz tanta margarina que nos entra pelas alfândegas?... Os amadores passam adiante, e lambem-lhe os beiços. Pois que lhes faça muito bom proveito.  

Terminado o almoço ás 10 horas, pouco depois se distribuem os aquistas em grupos no salão, em frente do hotel; outros se deitam por esses caminhos fora em deleitoso passeio; uns leem, outros conversam, e alguns, algumas vezes se entretêm na bisca ou voltarete: isto, ainda assim, raramente. 

Às 2 horas da tarde, toca a corneta do carro ripert que chega a porta para levar os aquistas às Águas, que sem tal commodidade eram do penoso acesso, em dias quentes, e a tal hora. N’este vaivém anda até às 3 e meia horas da tarde, em que traz os últimos aquistas. O carro ripert é propriedade do hotel, que cobra de cada aquista, 1$5000 réis, qualquer que seja o tempo por que se demore, 15 dias, ou 30, ou 60, ou toda a temporada, de Maio a Outubro. 

Às 4 horas, jantar que termina às 5; e a seguir quase todos, excepto os mais pesados, se espalham em ranchos por esses caminhos fora, em alegres e hygiénicos passeios, que todos para aqui são lindos, na opinião do nosso Pe. Airosa, que é perfilhada por todos, sem distinção. 

À volta das 7 horas, começam os ranchos a recolher; pouco depois, os meninos e senhoras e cavalheiros reúnem-se no salão e entretêm-se em jogos de prendas até ao chá, às 9 horas da noite. E de como elles correm alegres e animados possam dar testemunho pela quasquinada das gargalhadas que me ao perto chega; parece que vae tudo abaixo. Que engraçadas coisas para lá não devem ir! Às 10 horas, começa a debandada para os quartos; cada mocho a seu souto; e assim vae indo n’este desfilar sucessivo de modo que às 11 horas recolhem os mais resistentes apreciadores do fresco da noite. 

Esqueceu dizer que no intervallo das 11 da manhã às 2 da tarde também algumas prendadas damas tocam piano (está tão constipado, coitado!) e fazem-se ouvir bellas vozes, que os assistentes cobrem de palmas ao terminarem os vários trechos de seu reportório. Algumas vezes também tocam e cantam em seguida do chá, até às 10 e meia da noite, o mais tardar. 

Não é vida de bulício, como leio de outras estâncias, e por isso aqui não foram felizes os estúrdios e pândegos. Será um mal? Eu pergunto, antes de responder: Quem vem para aqui é para se divertir e pandegar ou para tratar da saúde? E convirá a esta perder noites em bailaricos, soirées esfalfantes? 

Voto por este viver plácido de família contra o reboliço prejudicial dos bailes: estâncias de águas minerais não são salões de carnaval. Cada coisa no seu logar. Descanso, passeio e bons ares do campo é o que agora convém aproveitar...”



Extraído de:

Jornal "O Comércio do Minho" . Folha commercial, religiosa e noticiosa / ed. e propr. José Maria Dias da Costa. Braga : J.M.D. Costa, 1873-1922 (Braga : Typographia Lusitana).CDU: 070(469.112)(05). Descrição Física: 47 cm. Edição de 18 de Setembro de 1900.

sábado, 11 de dezembro de 2021

O Mosteiro de Paderne (Melgaço) descrito há cerca de 250 anos

 


Este desenho tem cerca de dois séculos e meio e representa o mosteiro de Paderne. Em 27 de Setembro de 1770, uma comissão mista, chefiada pelo Doutor Feliciano Ramos Nobre, Cavaleiro professo da Ordem de Cristo deslocou-se pessoalmente ao Mosteiro de Paderne, para proceder formalmente à extinção desta comunidade monástica. O ato teve lugar nesse mesmo dia na presença de onze dos seus doze monges, dado que um deles, D. Salvador da Encarnação, se encontrava no Mosteiro da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia.  

Na documentação desse processo de extinção, encontramos uma descrição com algum pormenor deste mosteiro de Paderne, acompanhada de algumas gravuras do mesmo como aquela que acima apresentamos.  

A descrição tem os seguintes dizeres: “O Mosteiro de Salvador de Paderne que consta de hua igreja que contem sinco altares, hum na capela mor, dois de cappelas fundas, e dois a face debaixo da grade, e tem de uma casa de grades para a pixa (pia) do Baptismo e de huma  sacristia junto do claustro para os religiozos de hua digo os religiozos. 

Item de uma caza de que serve de sacristia para os clérigos de fora paramentada pello Mosteiro para os dois altares. 

Item de hum adro e patio de fora aberto com hua caza alta de audiência e por baixo hua caza que serve de cadea. 

Consta mais de outro pateo a que dá entrada huma porta de portaria única para a gente de fora e para carros com seu alpendre da parte de fora ao lado direito da entrada tem huma adega com seu lagar de vinho com celeiro por sima e junto te outra casa de cabalarise, e por sima outra caza dos mossos Fidalgos da parte do Nascente há hum forno, e duas cazas altas para fruta e por baixo caza de boiz caballarise. 

Da parte do Norte tem hum arco com seu tranzito para o claustro e na passage tem ao lado direito uma caza da Hospedaria, e defronte outra de vezitas com quatro camarotes para com as de hum claustro com quatro lanses que da parte do Poente tem uma caza de vezitashuma de capitullo e uma escada que sobe para os dormitórios, e da parte do Norte huma porta para a sacristia em hum canto, e outra para a caza “de profundis”. 

Da parte de Nascente tem huma caza para despejos de madeira, e para o Sul tem huma caza de procuração, com outra emediata para despejos. 

Consta mais da parte inferior do claustro de huma caza de profundis com um refeitorio de huma parte e de outra parte tem huma caza que serve de cozinha e outra para mossos, e da outra parte tem duas cazas que servem dedespença; a dita cozinha tem porta por  hum patio honde se acha huma escada que sobe para os sinos da torrem e para os dormitórios. Tem mais no dito patio huma porta para hua serca de coelhos. 

Tem mais na parte superior quatro dormitórios que da parte do Poente tem hum coro e seu  tranzito que serve de ante coro e tres cellas, e da parte do Sul tem seiz cellas com hua caza d’alfayataria. Da parte do Nascente tem tres cellas, e huma mayor que serve de Cartorio. Da parte do Norte tem a libraria e duas sellas que servem de despejos com hua antecamera que para a torre, e serve de deser para o patio dacozinha. 

Há mais outro patia fechado ao Sul da parte do selleiro com seu pumar de laranjeiras e limoeiros e mais dois moinhos, hum pombal sem cobertura com duas cazas velhas que ficão a hum canto que se meterão na serca por ser passal os quais moinhos hum serve de moher trigo, e outro de moher milho com hum rego de agoa que passa por dentro da serca... 

No dizer de MARQUES (2002), além do traçado dos contornos de algumas propriedades contíguas ao mosteiro, representadas na gravura, os membros da comissão mista que procedeu à extinção do Mosteiro de Paderne deixou também outra planta mais pormenorizada da cerca do mosteiro, nela assinalando os caminhos, os tanques e as fontes, bom como os números das diversas árvores de fruto existentes em cada um destas parcelas.