sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Uma visita a Melgaço de há 100 anos

Melgaço na época
Recuamos mais de 100 anos e visitamos Melgaço dessa época. Num dicionário enciclopédico de 1909, o autor apresenta-nos a nossa terra no início do século passado. Inclusivamente encontrámos dados relativos ao número de habitantes por freguesia e por sexo à data.
Nessa obra, a nossa terra é descrita assim: “MELGAÇO - Vila da província do Minho, sede de concelho, distrito de Vianna do Castello, arcebispado de Braga, relação do Porto. Tem uma só freguezia, Santa Maria da Porta. Está situada num alto, na margem esquerda do rio Minho, que a separa da Galliza, que lhe fica mesmo em frente. A Mitra e a Casa de Bragança apresentavam alternativamente o abbade que tinha 4000 réis de rendimento.
Melgaço é povoação muito antiga, fundada pelos antigos lusitanos ou pelos romanos, mas ignora-se quando foi fundada e o seu nome primitivo. O que se sabe, com certeza, é que os arabes tinham aqui uma grande fortaleza, chamada Castello do Minho, que já no tempo do conde D. Henrique estava arruinada. D. Affonso Henriques achou a povoação deserta, por ter sido abandonada pelos árabes, e mandou-a povoar em 1170, reedificando-lhe o castello. Outra versão diz que numa carta de couto dada em 1197 ao mosteiro de Longos Vales, se declara ter sido a torre e a fortaleza mandadas edificar por D. Pedro Pires, prior do referido mosteiro, e à sua custa, e D. Affonso Henriques deu lhe o primeiro foral em 21 de Julho de 1181, doando aos seus moradores a aldeia de Chaviães. Este foral foi confirmado em Agosto de 1219 por D. Affonso II, dizendo que a povoação podia ter 350 vizinhos, e que escolhessem alcaide-mór, que sendo benemérito, elle o confirmaria. D. Affonso III deu-lhe outro foral, em Braga, a 29 de Abril de 1258, que depois confirmou, em Guimarães, a 9 de Fevereiro de 1261. El-Rei D. Manuel I lhe  deu foral novo, em Lisboa, a 3 de Novembro de 1513. El-Rei D. Diniz enobreceu Melgaço com a sua cinta de muralhas, em 1289. Estas muralhas tinham apenas 2 metros de altura, e a sua configuração é quase quadrada. Outros escritores dizem que foi D. Sancho I quem mandou construir o castello e as muralhas de Melgaço, que D. Sancho II concedeu grandes privilégios à villa e que D. Affonso III os confirmou. Nas repetidas guerras de Portugal contra Castella, Melgaço e o seu concelho deram soldados intrépidos e destemidos, que muito se distinguiram nos combates e batalhas.
Nas guerras de D. João I de Portugal contra D. João I de Castella, e contra seu filho, Henrique III, 1384 a 1393, se tornou célebre Ignez Negra, mulher natural de Melgaço. Os castelhanos haviam-se apoderado da maior parte das povoações fortificadas do Alto Minho, mas os portuguezes tinham obrigado a capitular o forte castello de Neiva. Vianna, de que era governador o castelhano Vasco Lourenço de Lira, tinha sacudido o jugo hespanhol pela bravura d’um escudeiro, appelidado de “o Frisus” que, pondo-se à frente do povo, atacou o castello, fazendo prisioneiro toda a guarnição inimiga, mas ficando o valoroso escudeiro mortalmente ferido. Ponte do Lima foi resgatada pelo valor de alguns dos seus naturais, em prêmio do que, o rei lhe mandou collocar bustos sobre as vergas das portas. Monção, V. N. de Cerveira e Caminha, entregaram-se sem custo. Finalmente, em toda a província do Minho, só Melgaço estava sujeito a Castella.
Era seu governador ou alcaide-mór Álvaro Paes de Sotto Maior, castelhano, e tendo de guarnição 300 infantes e 300 cavallos, porfiava na resistência. D. João I, que estava em Braga, onde reunira cortes, impacientou-se com a resistência da praça, e partiu para assumir a chefia das tropas que tinha mandado a pôr-lhe cerco. Tendo passado dez dias em que se haviam dado apenas umas escaramuças que nada decidiam, o monarca mandou fabricar um castelo de madeira, que ficasse a cavaleiro das muralhas, cuja construcção levou vinte dias. Os cercados, receando o assalto, deram signal de armisticio, e João Fernandes Pacheco foi mandado propôr a rendição da praça, mas Álvaro Paes exigiu taes condições, que nada se conseguiu. O rei mandou activar os preparativos do assalto, jurando que elle próprio o commandaria. D. João I havia casado pouco tempo antes, em 1387, com D. Filippa de Lencastre, e a rainha estava em Monsão com as suas damas, acompanhada pelo Dr. João das Regras e por João Affonso de Santarém, vindo do Porto ali visitar seu marido, e tencionando ir residir no convento de Fiães enquanto durasse o cerco da praça. Contam as crónicas que dentro dos muros de Melgaço havia uma mulher intrépida, partidária dos castelhanos, conhecida pela Arrenegada, por ter renegado a sua pátria, pois era natural de Melgaço. Sabendo que no arraial dos portuguezes estava uma sua patricia, ousada e valorosa como ella, chamada Ignez Negra, mandou-a desafiar a um combate singular, que foi imediatamente aceite. Era o dia 3 de Março de 1388. Ignez dirigiu-se logo para o ponto designado, que era a meia distância do arraial e da vila, e já lá estava a Arrenegada. O combate começou encarniçado, terrível e desesperado, ferindo-se ambas com as mãos, unhas e dentes, depois de partidas as armas de que vieram munidas. Duarte Nunes do Leão, na Chrónica de D. João I, não diz a qualidade das armas. A agressora ficou vencida, tendo de fugir para dentro da villa, ferida e quasi sem cabello, levando nos focinhos muitas nódoas de punhadas da de fora, que ficou victoriosa. No arraial portuguez foi ruidosamente celebrada a victória de Ignez Negra, e no dia seguinte, Melgaço caia no poder do mestre de Aviz. A intrépida mulher estava no alto da plataforma, onde o pendão das quinas ondeava ovante, no próprio mastro em que na véspera ainda se ostentava orgulhosa a bandeira castelhana, e dizia no seu transporte de alegria para os besteiros que a cercavam: «Mas vencemos-te! Tornaste ao nosso poder! És do rei de Portugal!»
Em 1807, quando se deu a invasão franceza, Melgaço foi a primeira praça de guerra que expulsou os soldados de Napoleão, aclamando o príncipe regente D. João e a Liberdade, a 11 de junho de 1808. Bragança seguiu-lhe o exemplo, fazendo a aclamação a 11, pondo-se à frente dos restauradores o general Sepúlveda. Instantaneamente, a revolução se propagou pelas províncias do norte, e o Porto fez a sua aclamação a 19; o Algarve e o Alentejo deram o grito da Liberdade no dia 20, tudo do referido mês de Junho. A villa pertenceu à Casa de Bragança, e todos os oflicios eram dados pelos duques. Conserva ainda parte do seu antigo aspecto.
A cinta de muralhas que protegia a villa tornou-se por fim um obstáculo à sua expansão, e apearam-na por isso, abrindo novas ruas e levantando novas edificações. Como que se divide assim em duas partes, chamadas fora da villa e dentro da villa. A primeira tem boas construcções modernas, airosa e desafogada, sendo a segunda sombria e pesada, ainda com o característico das nossas antigas povoações. A igreja matriz de Melgaço é simples e duma só nave.
Próximo do convento dos religiosos da ordem Terceira de S. Francisco, que pertence hoje à Misericórdia, e numa elevação, vê-se a capella da Senhora da Pastoriza. O seu altar mór é de talha antiga. A 1 quilómetro da praça, está o santuário de Nossa Senhora da Orada, edificado sobre o cume dum monte. Desde aquella egreja até á villa vê-se a estrada povoada, duma e doutra parte, de casas, hortas, prados, fontes e pomares, que faz da estrada um bonito passeio. O templo é de boa cantaria. Foi até 1831 da jurisdicção dos monges do convento de Santa Maria de Fiães, por doação de D. Sancho I, que o havia herdado de seu pai. Este templo é muito antigo, e ignora-se a data da fundação. Dizem que já existia no tempo dos godos. D. Affonso Henriques, achando-o em ruínas, o mandou reedificar pelos annos de 1170, como consta duma escriptura de doação, feita por D. Sancho I, em Santarém, a 11 de Setembro de 1207, assignada pelo rei, todos os seus filhos e prelados do reino. A imagem de Nossa Senhora da Orada é de muita devoção dos povos destas localidades, e desde a quinta feira
da Ascenção, até à festa do Espirito Santo, ainda hoje ali vão de romaria a maior parte das freguezias dos concelhos de Melgaço, Monsão e de Valladares, oferecer à Senhora o resíduo do círio paschal, levando os seus respectivos párochos e ao menos uma pessoa de cada casa. É o cumprimento dum antigo voto, feito por ocasião duma grande peste, de cujo flagello foram estas terras preservadas, tendo sofrido muito as outras.
Ainda hoje se fazem procissões de penitência com enorme cortejo. Perto desta egreja, havia uma propriedade chamada Quinta da Orada, que a condessa D. Frouilla deu ao mosteiro de Fiães, assim como a Quinta de Cavalleiros, na freguesias de Rouças, deste concelho, em 16 de Dezembro de 1204. Melgaço tem escolas para ambos os sexos, estação telegráfica e postal com serviço de emissão e pagamento de valles do correio e telegraphicos, cobrança de recibos, letras e obrigações, e serviço de encommendas, permutando malas com a R. A. M.; Misericórdia, hospital, advogados, notário, médicos, pharmacias, agencias bancarias e das companhias de seguros Previdência, Tagus, e da Equitativa dos Estados Unidos do Brazil, agência de vapores, casas de pasto e de bebidas, vice-consul hespanhol e do Brazil, a Sociedade Recreio Melgacense, feiras mensais nos dias 9 e 14, etc. Tem-se publicado em Melgaço os seguintes jornaes: Espada do Norte, 7 de Janeiro de 1892 que é a continuação do Melgacense, 1 de Dezembro de 1887; Jornal de Melgaço, 1 de Dezembro de 1898; em publicação, Dezembro de 1908; O Melgacense, 6 de Novembro de 1887 a 18 de Outubro de 1888; Melgacense, 16 de Julho de 1896. Do castello ou torre do relógio, ainda bem conservada exteriormente, desfructa-se um bonito ponto de vista para a maior parte do concelho e para Hespanha. No local de Borgia, da freguesia de Paderne, do concelho de Melgaço, existe a Quinta de Peso, em que há uma nascente de aguas mineraes, que são claras, transparentes, inodoras, de sabor picante e muito gazozas. As aguas do Pezo de Melgaço tornam-se notáveis por serem as que em Portugal contém maior proporção de carbonato de cal, e das que mais ácido carbónico apresentam.
São muito usadas contra as dyspepsias, lithiase biliar e diabetes. O concelho de Melgaço compõe-se de 18 freguezias com 3 776 fogos e 14 910 habitantes, sendo 6 400 do sexo masculino e 8 510 do sexo feminino, numa superfície de 22 740 hectares. As freguezias são: S. Martinho de Alvaredo, 760 habitantes: 332 do sexo masc. e 428 do fem.; Santa Maria de Castro Laboreiro, 2 019 hab.: 934 do sexo masc. e 11 116 do fem.; Santa Maria Magdalena de Chaviães, 653 hab.: 263 do sexo masc. e 390 do fem.; S. Martinho de Christoval, 755 habitantes: 290 do sexo masc. e 465 do fem; S. Thomé de Cousso, 551 hab.: 218 do sexo masc. e 333 do fem.; Santa Maria de Cubalhão, 345 hab.: 158 do sexo masc. e 187 do fem.; Santa Maria de Fiães, 783 hab.; 308 do sexo masc. e 475 do fem.; Santa Maria de Gave, 622 hab.: 260 do sexo masc. e 362 do fem.; S. João Baptista de Lamas de Mouro, 205 hab.: 63 do sexo masc. e 142 do fem.; Santa Maria da Porta, de Melgaço, 1 080 hab.: 461 do sexo masc. e 619 do fem ; Santa Maria de Paços, 667 hab.: 300 do sexo masc. e 367 do fem.; S. Salvador de Paderne, 1 908 hab.: 829 do sexo masc. e 1 079 do fem.; S. Mamede de Parada do Monte, 801 hab.: 375 do sexo masc. e 429 do fem.; S. Bartholomeu, de Penso, 1 072 hab.: 463 do sexo masc. e 609 do fem.; S. Lourenço do Prado, 530 hab: 213 do sexo masc. e 317 do fem.; S. João Baptista de Remoães, 165 hab.: 71 do sexo masc. e 91 do fem.; Santa Marinha de Rouças, 942 hab.: 414 do sexo masc. e 528 do fem.; S. Paio de Melgaço, 1 019 hab.: 449 do sexo masc. e 570 do fem.
O principal comércio do concelho é milho, feijão, vinho e presuntos.”

Extraído de:

ESTEVES PEREIRA e RODRIGUES, Guilherme (1909) - Portugal – Dicionário Histórico, Chorográphico, Biográfico, Bibliográphico, Heráldico, Numismático e Artístico. Volume IV; João Romano Torres & C.a – Editores; Lisboa.

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