Melgaço na época |
Recuamos
mais de 100 anos e visitamos Melgaço dessa época. Num dicionário enciclopédico
de 1909, o autor apresenta-nos a nossa terra no início do século passado.
Inclusivamente encontrámos dados relativos ao número de habitantes por
freguesia e por sexo à data.
Nessa
obra, a nossa terra é descrita assim: “MELGAÇO - Vila da província do Minho, sede
de concelho, distrito de Vianna do Castello, arcebispado de Braga, relação do Porto.
Tem uma só freguezia, Santa Maria da Porta. Está situada num alto, na margem
esquerda do rio Minho, que a separa da Galliza, que lhe fica mesmo em frente. A
Mitra e a Casa de Bragança apresentavam alternativamente o abbade que tinha
4000 réis de rendimento.
Melgaço
é povoação muito antiga, fundada pelos antigos lusitanos ou pelos romanos, mas
ignora-se quando foi fundada e o seu nome primitivo. O que se sabe, com
certeza, é que os arabes tinham aqui uma grande fortaleza, chamada Castello do Minho,
que já no tempo do conde D. Henrique estava arruinada. D. Affonso Henriques
achou a povoação deserta, por ter sido abandonada pelos árabes, e mandou-a
povoar em 1170, reedificando-lhe o castello. Outra versão diz que numa carta de
couto dada em 1197 ao mosteiro de Longos
Vales, se declara ter sido a torre e a fortaleza mandadas edificar por D. Pedro
Pires, prior do referido mosteiro, e à sua custa, e D.
Affonso Henriques deu lhe o primeiro foral em 21 de Julho de 1181, doando aos
seus moradores a aldeia de Chaviães. Este foral foi confirmado em Agosto de
1219 por D. Affonso II, dizendo que a povoação podia ter 350 vizinhos, e que
escolhessem alcaide-mór, que sendo benemérito, elle o confirmaria. D. Affonso III
deu-lhe outro
foral, em Braga, a 29 de Abril de 1258, que depois confirmou, em Guimarães, a 9
de Fevereiro de 1261. El-Rei D. Manuel I lhe deu foral novo, em Lisboa, a 3 de Novembro de 1513.
El-Rei D. Diniz enobreceu Melgaço com a sua cinta de muralhas, em 1289. Estas
muralhas tinham apenas 2 metros de altura, e a sua configuração é quase quadrada.
Outros escritores dizem que foi D. Sancho
I quem mandou construir o castello e as muralhas de Melgaço, que D. Sancho II
concedeu grandes privilégios à villa e que D. Affonso III os confirmou. Nas
repetidas guerras de Portugal contra
Castella, Melgaço e o seu concelho deram soldados intrépidos e destemidos, que muito
se distinguiram nos combates e batalhas.
Nas
guerras de D. João I de Portugal contra D. João I de Castella, e contra seu
filho, Henrique III, 1384 a 1393, se tornou célebre Ignez Negra,
mulher natural de Melgaço. Os castelhanos haviam-se apoderado da maior parte
das povoações fortificadas do Alto Minho, mas os portuguezes tinham obrigado a
capitular o forte castello de Neiva. Vianna, de que era governador o castelhano
Vasco Lourenço de Lira, tinha sacudido o jugo hespanhol pela bravura d’um escudeiro,
appelidado de “o Frisus” que, pondo-se à frente do povo, atacou o castello,
fazendo prisioneiro toda a guarnição inimiga, mas ficando o valoroso escudeiro
mortalmente ferido. Ponte do Lima foi resgatada
pelo valor de alguns dos seus naturais, em prêmio do que, o rei lhe mandou
collocar bustos sobre as vergas das portas. Monção, V. N. de Cerveira e
Caminha, entregaram-se sem custo. Finalmente, em toda a província do Minho, só
Melgaço estava sujeito a Castella.
Era
seu governador ou alcaide-mór Álvaro Paes de Sotto Maior, castelhano, e tendo
de guarnição 300 infantes e 300 cavallos, porfiava na resistência. D. João I,
que estava em Braga, onde reunira cortes, impacientou-se com a resistência da praça,
e partiu para assumir a chefia das tropas que tinha mandado a pôr-lhe cerco.
Tendo passado dez dias em que se haviam dado apenas umas
escaramuças que nada decidiam, o monarca mandou fabricar um castelo de madeira,
que ficasse a cavaleiro das muralhas, cuja construcção levou vinte dias. Os
cercados, receando o assalto, deram signal de armisticio, e João Fernandes
Pacheco foi mandado propôr a rendição da praça, mas Álvaro Paes exigiu taes
condições, que
nada se conseguiu. O rei mandou activar os preparativos do assalto, jurando que
elle próprio o commandaria. D. João I havia casado pouco tempo antes, em 1387,
com D. Filippa de Lencastre, e a
rainha estava em Monsão com as suas damas, acompanhada pelo Dr. João das Regras
e por João Affonso de Santarém, vindo do Porto ali visitar seu marido, e
tencionando ir residir no convento de Fiães enquanto durasse o cerco da praça.
Contam as crónicas que dentro dos muros de Melgaço havia uma mulher intrépida,
partidária dos
castelhanos, conhecida pela Arrenegada, por ter renegado a sua pátria, pois era
natural de Melgaço. Sabendo que no arraial dos portuguezes
estava uma sua patricia, ousada e valorosa como ella, chamada Ignez Negra,
mandou-a desafiar a um combate singular, que foi imediatamente aceite. Era o
dia 3 de Março de 1388. Ignez dirigiu-se logo para o ponto designado, que era a
meia distância do arraial e da vila, e já lá estava a Arrenegada. O combate
começou encarniçado,
terrível e desesperado, ferindo-se ambas com as mãos, unhas e dentes, depois de
partidas as armas de que vieram munidas. Duarte Nunes do Leão, na Chrónica de
D. João I, não diz a qualidade das armas. A agressora ficou vencida, tendo de
fugir para dentro da villa, ferida e quasi sem cabello, levando nos focinhos
muitas nódoas de punhadas da de fora, que ficou victoriosa. No arraial portuguez
foi ruidosamente celebrada a victória de Ignez Negra, e no dia seguinte,
Melgaço caia no poder do mestre de Aviz. A intrépida mulher estava no alto da
plataforma, onde o pendão das quinas ondeava ovante, no próprio mastro em que
na véspera ainda se ostentava orgulhosa a bandeira castelhana,
e dizia no seu transporte de alegria para os besteiros que a cercavam: «Mas
vencemos-te! Tornaste ao nosso poder! És do rei de Portugal!»
Em
1807, quando se deu a invasão franceza, Melgaço foi a primeira praça de guerra
que expulsou os soldados de Napoleão, aclamando o príncipe regente D. João e a
Liberdade, a 11 de junho de 1808. Bragança seguiu-lhe o exemplo, fazendo a aclamação
a 11, pondo-se à frente dos restauradores o general Sepúlveda. Instantaneamente,
a revolução se propagou pelas províncias do norte, e o Porto fez a sua
aclamação a 19; o Algarve e o Alentejo deram o grito da Liberdade no dia 20,
tudo do referido mês de Junho. A villa pertenceu à Casa de Bragança, e todos os
oflicios eram dados pelos duques. Conserva ainda parte do seu antigo aspecto.
A cinta
de muralhas que protegia a villa tornou-se por fim um obstáculo à sua expansão,
e apearam-na por isso, abrindo novas ruas e levantando novas edificações. Como
que se divide assim em duas partes, chamadas fora da villa e dentro da villa. A
primeira tem boas construcções modernas, airosa e desafogada, sendo a segunda
sombria e pesada, ainda com o característico das nossas antigas povoações. A igreja
matriz de Melgaço é simples e duma só nave.
Próximo
do convento dos religiosos da ordem Terceira de S. Francisco, que pertence hoje
à Misericórdia, e numa elevação, vê-se a capella da Senhora da Pastoriza. O seu
altar mór é de talha antiga. A 1 quilómetro da praça, está o santuário de Nossa
Senhora da Orada, edificado sobre o cume dum monte. Desde aquella egreja até á
villa vê-se a estrada povoada, duma e doutra parte, de casas, hortas, prados,
fontes e pomares, que faz da estrada um bonito passeio. O templo é de boa
cantaria. Foi até 1831 da jurisdicção dos monges do convento de Santa Maria de
Fiães, por doação de D. Sancho I, que o havia herdado de seu pai. Este templo é
muito antigo, e ignora-se a data da fundação. Dizem que já existia no tempo dos
godos. D. Affonso Henriques, achando-o em ruínas, o mandou reedificar pelos annos
de 1170, como consta duma escriptura de doação, feita por D. Sancho I, em
Santarém, a 11 de Setembro de 1207, assignada pelo rei, todos os seus filhos e
prelados do reino. A imagem de Nossa Senhora da Orada é de muita devoção dos povos
destas localidades, e desde a quinta feira
da
Ascenção, até à festa do Espirito Santo, ainda hoje ali vão de romaria a maior
parte das freguezias dos concelhos de Melgaço, Monsão e de Valladares, oferecer
à Senhora o resíduo do círio paschal, levando os seus respectivos párochos e ao
menos uma pessoa de cada casa. É o cumprimento dum antigo voto, feito por ocasião
duma grande peste, de cujo flagello foram estas terras preservadas, tendo sofrido
muito as outras.
Ainda
hoje se fazem procissões de penitência com enorme cortejo. Perto desta egreja,
havia uma propriedade chamada Quinta da Orada, que a condessa D. Frouilla deu
ao mosteiro de Fiães, assim como a Quinta de Cavalleiros, na freguesias de Rouças,
deste concelho, em 16 de Dezembro de 1204. Melgaço tem escolas para ambos os
sexos, estação telegráfica e postal com serviço de emissão e pagamento de
valles do correio e telegraphicos, cobrança de recibos, letras e obrigações, e
serviço de encommendas, permutando malas com a R. A. M.; Misericórdia,
hospital, advogados, notário, médicos, pharmacias, agencias bancarias e das
companhias de seguros Previdência, Tagus, e da Equitativa dos Estados Unidos do
Brazil, agência de vapores, casas de pasto e de bebidas, vice-consul hespanhol
e do Brazil, a Sociedade Recreio Melgacense, feiras mensais nos dias 9 e 14,
etc. Tem-se publicado em Melgaço os seguintes jornaes: Espada do Norte, 7 de Janeiro
de 1892 que é a continuação do Melgacense, 1 de Dezembro de 1887; Jornal de Melgaço,
1 de Dezembro de 1898; em publicação, Dezembro de 1908; O Melgacense, 6 de Novembro
de 1887 a 18 de Outubro de 1888; Melgacense, 16 de Julho de 1896. Do castello ou
torre do relógio, ainda bem conservada exteriormente, desfructa-se um bonito ponto
de vista para a maior parte do concelho e para Hespanha. No local de Borgia, da
freguesia de Paderne, do concelho de Melgaço, existe a Quinta de Peso, em que
há uma nascente de aguas mineraes, que são claras, transparentes, inodoras, de sabor
picante e muito gazozas. As aguas do Pezo de Melgaço tornam-se notáveis por serem
as que em Portugal
contém maior proporção de carbonato de cal, e das que mais ácido carbónico
apresentam.
São
muito usadas contra as dyspepsias, lithiase biliar e diabetes. O concelho de Melgaço
compõe-se de 18 freguezias com 3 776 fogos e 14 910 habitantes, sendo 6 400 do
sexo masculino e 8 510 do sexo feminino, numa superfície de 22 740 hectares. As
freguezias são:
S. Martinho de Alvaredo, 760 habitantes: 332 do sexo masc. e 428 do fem.; Santa
Maria de Castro Laboreiro, 2 019 hab.: 934 do sexo masc. e 11 116 do fem.; Santa
Maria Magdalena de Chaviães, 653 hab.: 263 do sexo masc. e 390 do fem.; S. Martinho
de Christoval, 755 habitantes: 290 do sexo masc. e 465 do fem; S. Thomé de Cousso,
551 hab.: 218 do sexo masc. e 333 do fem.; Santa Maria de Cubalhão, 345 hab.: 158
do sexo masc. e 187 do fem.; Santa Maria de Fiães, 783 hab.; 308 do sexo masc. e
475 do fem.; Santa Maria de Gave, 622 hab.: 260 do sexo masc. e 362 do fem.; S.
João Baptista de Lamas de Mouro, 205 hab.: 63 do sexo masc. e 142 do fem.; Santa
Maria da Porta, de Melgaço, 1 080 hab.: 461 do sexo masc. e 619 do fem ; Santa Maria
de Paços, 667 hab.: 300 do sexo masc. e 367 do fem.; S. Salvador de Paderne, 1 908
hab.: 829 do sexo masc. e 1 079 do fem.; S. Mamede de Parada do Monte, 801 hab.:
375 do sexo masc. e 429 do fem.; S. Bartholomeu, de Penso, 1 072 hab.: 463 do sexo
masc. e 609 do fem.; S. Lourenço do Prado, 530 hab: 213 do sexo masc. e 317 do fem.;
S. João Baptista de Remoães, 165 hab.: 71 do sexo masc. e 91 do fem.; Santa
Marinha de Rouças, 942 hab.: 414 do sexo masc. e 528 do
fem.; S. Paio de Melgaço, 1 019 hab.: 449 do sexo masc. e 570 do fem.
O principal
comércio do concelho é milho, feijão, vinho e presuntos.”
Extraído
de:
ESTEVES
PEREIRA e RODRIGUES, Guilherme (1909) - Portugal – Dicionário Histórico, Chorográphico,
Biográfico, Bibliográphico, Heráldico, Numismático e Artístico. Volume IV; João
Romano Torres & C.a – Editores; Lisboa.
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