domingo, 14 de agosto de 2022

A freguesia de São Lourenço de Prado (Melgaço) descrita em meados do século XVIII

 


Para conhecermos a freguesia de São Lourenço de Prado em meados do século XVIII, podemos recorrer à leitura do manuscrito das Memórias Paroquiais de 1758. Tal documento foi redigido em 6 de Maio desse ano pelo vigário Duarte Vaz Torres e no manuscrito podemos ler o seguinte: 

 “Informação da paroquia da freguezia de Prado 

Esta freguezia, cujo orago he S. Lourenço martir, está situada no termo da villa de melgaço, comarca no secullar da ouvidoria de Barcellos por ser da Sereníssima Caza de Bragança e no eclesiástico da comarca de Valença do Minho, Arcebispado de Braga Primaz donde dista doze legoas e da Corte de Lisboa satenta e duas. vigaiaria ad nuptum que aprezenta o abbade de São Paio com quem parte e rende para o vigário de coatro a oito mil réis de congrua, vinte alqueires e pão meado, dous de trigo e um almude de vinho, além do incerto do pé do altar. A igreja que está no meio da freguezia junto da estrada real que vai para a villa de Melgaço, tem três altares, o maior do dito orago em que está o Santíssimo, os colaterais, hum de Nossa Senhora do Rozario e o outro das Almas em que há confraria ou irmandade das mesmas. Foi erecta à paróquia esta freguezia no tempo do Senhor e venerável D. Frei Bartolomeu dos Mártires e está situada um hum valle fértil e mimozo capaz de dar produzir todo o género de fructos, mas pela sua estreiteza e pobreza dos moradores, a maior abundância de fructos milhão e vinho e linho. Descobre-se della a villa de Melgaço com quem parte pella parte do Norte a freguezia de Rouças, pelo Nacente a de São Paio e Paderne, pelo sul tudo athé o alto da serra do Pumedelo de que dista huma legoa e pelo Poente a freguezia de Remoaens com as quais sobredictas parte e mais della se descobre athé a Praça de Monção que dista três legoas. Pelo Minho abaixo também se descobre della a serra da Tranqueira, que do Reino da Galiza com sua freguezias e valles athé o rio Minho que divide os Reynos pela parte Norte a Poente. Tem de vezinhos, fogos e meios fogos, cento e cinquenta e dous. Tem pessoas velhas, moços e menores, quatrocentas devididas pelos lugares seguintes: Ferreiros, Cerdedo, Cotto, Santo Amaro onde está uma capela do mesmo pertencente à freguezia e nella há romagem a quinze de Janeiro; Brea, Raposos, Bouços, Bouça Nova, Trás do Coto, Barronda, Outeirão, Souto, Corte Nova, Serra onde há huma capella de Sãe Caetano de que administrador Luiz Caetano de Souza Gama, cappitam mor deste termo. Desta freguezia sahiram o Reverendo Doutor Frei António de Santa Maria dos Anjos Melgaço jubilado nos Reais Estudos de Mafra e seus irmans Frei Gaspar Da Virgem Maria, messionário do [Baratojo] e o padre Ignacio Santos da Companhia de Jesus, todos conhecidos pelas suas Letras. 

Nos lemites desta freguezia se pesca no rio Minho com redes armadas em caneiros que para isso se fazem de pedra e redeiros nos meses de Fevereiro, Março, Abril e Maio, quantidades de lampreas, sabeis, salmoens, trutas e bogas, nos referidos lemites que serão a vigessima parte de uma legoa parum minusve. Corre arrebatado do Norte a Sul e Poente. A sua margem inculta povoada de castenheiros e carvalhos postos por arte por ser monte baldio pertencente à mesma freguezia. Tem barco de remos para a passagem de um Reyno para outro pertencendo a renda do barco a metade à Câmera de Melgaço e o outo senhoria da Galiza. A cauza porque se erigiu esta parochia consta por tradição ser a distância e ribeiros que mediavam a villa de Melgaço, onde os moradores iam ouvir missa. E a congrua acima dita se paga pela igreja de Melgaço que nesta freguezia cobra meios dízimos, o que milhor há-de constar no archivo de Braga, no tombo das igrejas. E não me consta mais de que por verdade mandei escrever esta aos seis de Maio de mil e settecentos e cincoenta e oito annos que assinei. O vigário Duarte Vaz Torres. Por confinar o lemite da freguezia de Prado com a da freguezia de São Paio e contudo em tudo vai na verdade a informação que dá o reverendo parocho a assignei. O Padre João Rodrigues, cura de São Paio, do mesmo modo. O vigário de Remoaens, o padre Gregório Salgado.


Extraído de: IAN/TT, Memórias Paroquiais, Vol. 30, mem. 258, pp. 1933 a 1936.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

A luta entre a Monarquia e a República nas fronteiras de Melgaço (1911)


 

Após a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, os tempos não foram pacíficos. Os monárquicos tentaram, por todos os meios, derrubar o regime republicano. Contudo, os republicanos acabaram, através de uma operação militar, por empurrá-los para o norte do país e daqui para terras galegas. Durante anos, os monárquicos, chefiados pelo General Paiva Couceiro, reagruparam-se na Galiza, junto à fronteira do Minho e Trás-os-Montes, tentando organizar incursões militares em território português com o objetivo de voltar a implantar a Monarquia no nosso país. 

No jornal bracarense “Commercio do Minho”, na sua edição de 24 de Outubro de 1911, fala-se na presença de combatentes monárquicos (na notícia, são apelidados de “conspiradores”) perto das fronteira de Melgaço e que tinham sido enviadas para cá tropas:

“Conspiradores desarmados e dispersos 

Montalegre, 20 - As forças militares hespanholas desarmaram, na povoação de Sampaio de Araújo, nas faldas do Gerez, 380 conspiradores que alli se encontravam. Alguns não puderam ser desarmados por terem fugido. 

Madrid, 20 - Canalejos confirmou que a Guarda Civil, após uma balida de 36 horas, dissolveu uma coluna do Paiva Couceiro, apprendendo muitas armas.  

Alguns conspiradores internaram-se em Portugal. O governador respectivo telegraphou dizendo que somente ficaram em Verin sete portuguezes enfermos. 

Gerez, 20 - As autoridades hespanholas fizeram dispersar os conspiradores em Sampaio e Lóbios. Paiva Couceiro fugiu em automóvel. 

 

Situação dos conspiradores 

Viana do Castello, 21 - Notícias oficiais e particulares de Melgaço informam ter ontem, perto da noite, chegado às povoações hespanholas de Padrenda e Crespos, um bando de cerca de 280 conspiradores armados, ficando acampados à distância de dois kilómetros do posto fiscal de S. Gregório na raia secca, com o objectivo de fazerem uma incursão na madrugada.  

Foram tomadas todas as precauções e avisadas as autoridades militares, mandando-se imediatamente reforçar os postos da Guarda Fiscal, ficando sem efeito o regresso ao seu quartel da força de Infantaria 3 da guarnição do Monsão. 

Uma força da Guarda Fiscal, Marinha e voluntários, guardaram durante a noite o telegrapho e repartições públicas da villa de Melgaço. 

A coluna de Marinha conserva-se ainda em Valença, esperando reforço de metralhadoras e bem assim ordem de avanço. 

Até agora não consta quo os conspiradores tenham feito qualquer tentativa de avanço, conservando-se nas suas posições.  

As nossas patrulhas vigiam os movimentos dos conspiradores. Por enquanto o sossego é completo em todo o districto. 

Viana do Castello, 21 - Chegam notícias de que parte dos conspiradores, acampados em Crespos, tomaram hoje o comboio da manhã, da estação da Frieira, com destino ignorado. Para Melgaço partiram emissários para conhecer as povoações. 

Noticias oficiaes da Galliza confirmam o desarmamento de diferentes grupos, em número superior a 600, aprehendendo a cavalaria munições, armamento, trens, etc.  

Às cinco horas da tarde passou aqui um comboio especial conduzindo para Valença um esquadrão da Cavalaria 9, que seguiu logo para Melgaço.  

A coluna de Marinha da Valença destacou já para Monsão, 80 praças devidamente comandadas, afim de conjuntamente com a infantaria constituir a defesa no Alto Minho. 

Vianna do Castello, 21 - Confirma-se oficialmente a dispersão dos conspiradores que estavam em frente de S. Gregório, ignorando-se as localidades onde acamparam e o destino que levaram.  

Por informações ali colhidas por pessoa de confiança, sabe-se que uns seis tomaram o comboio para Tuy ou Nieves, entre os quaes iam dois tenentes-comandantes do referido bando de conspiradores, sendo um d’elles o ex-tenente de Caçadores 3, Virgílio da Silva.  

Há tranquilidade geral.”

Apenas iriam ocorrer incursões de monárquicos nas fronteiras de Trás-os-Montes. Em Melgaço, tais incursões nunca aconteceram... Os monárquicos tentaram, em 1919, estabelecer a chamada Monarquia do Norte na cidade do Porto, regime prontamente esmagado pelos republicanos. O general Paiva Couceiro viria a ser capturado em 1939 quando se preparava para passar a fronteira de Arbo para Melgaço.