domingo, 30 de outubro de 2022

A descoberta das Águas do Peso (Melgaço) noticiada na imprensa (1884)


 

Em 2024, completam-se 140 anos da descoberta da nascente termal do Peso (Melgaço), de onde até hoje se exploram as famosas águas. Ainda que no século XVIII, se faça referência, em documentação da época, às chamadas “Caldas de Paderne”, estas não devem ser confundidas com as nascentes no Peso, descobertas em 1884. As caldas, segundo relatos da época, situavam-se muito perto do convento, desconhecendo-se a sua localização exata. 

A descoberta das propriedades medicinais das Águas do Peso foi notícia nos jornais da época. Por exemplo, no periódico “Commercio do Porto”, de 31 de Outubro de 1884, podemos ler “Perto de Melgaço, descobriram-se umas águas alcanilo-gazosas, que foram analysadas no laboratório do Porto e classificadas como tendo boas condições therapeuticas. Vão ser exploradas por uma companhia”. 

Tal como se diz na notícia antes transcrita, foi constituída uma empresa para a exploração das Águas do Peso, facto que também foi noticiado na imprensa nacional e brasileira. No jornal “Commercio de Portugal”, na edição de 30 de Outubro de 1884, podemos ler a seguinte notícia: “Empreza das Águas de Melgaço - Sob esta designação e por escriptura pública, acaba de ser constituída em Melgaço uma empreza para a exploração das águas “alcanino-gazosas”, que há mezes foram descobertas próximo d’aquella villa. A empreza é composta dos seguintes sócios: Drs. António Pereira de Sousa e António Joaquim Durães, Albino Augusto Lucas de Sobral, José Francisco de Almeida Fragoso, Bento Maria Barbosa, Manuel Bento da Rocha Junior, Aurélio Saavedra e Silva, Feliz Thomaz de Barros Araújo e Victorino Augusto dos Santos Lima.  

Ficaram eleitos nos cargos de gerência: director, António Joaquim Durães e thesoureiro, António Augusto de Souza e Castro. 

Melgaço tem muito a prosperar com a exploração d’estas águas, e com tal melhoramento há-de concorrer para o aumento da receita do município, devido ao consumo que devem ter os géneros tributados. 

Sabemos que muitas famílias da província do Minho, que actualmente iam passar a época balnear a Mondariz, estão ansiosas pela exploração das águas de Melgaço, para fazerem uso das mesmas, e para gozarem a viagem recreativa ao Alto Minho.” 

A escritura pública da constituição desta primeira empresa de exploração das águas termais do Peso foi concretizada em 13 de Outubro daquele ano de 1884. Seria o início de uma época que mudaria o Peso para sempre com o aparecimento das termas e um conjunto de hotéis que surgirão à sua volta, o primeiro dos quais o Ranhada que já se encontrava em funcionamento em 1895...

domingo, 16 de outubro de 2022

Melgaço, 16 de Outubro de 1892: Era inaugurado o Hospital da Misericórdia de Melgaço

 



Recentemente, completaram-se 130 anos da inauguração do Hospital da Misericórdia de Melgaço. O sonho da construção de um Hospital da Caridade em Melgaço remonta a meados do século XIX. Foi uma ideia lançada pelo Provedor Frei António Joaquim de Santa Isabel Monteiro em 1860 mas que demorou alguns anos a germinar. De facto, apenas em 1872 é que a Santa Casa da Misericórdia de Melgaço consegue obter um terreno com vista à edificação do mesmo. O mesmo foi doado pelo Ministério da Guerra e situava-se dentro da antiga fortificação na zona da chamada obra córnea, junto à então Rua Nova da vila. A dita doação foi levada ao Parlamento, proposta e defendida por Antonio Correia Caldeira, deputado pelo círculo n.º 2, Monção e Melgaço, no debate parlamentar de 14 de Março de 1872. Nas atas dessa sessão parlamentar, podemos compreender a forma e os argumentos usados pelo deputado para convencer a câmara: 

Senhores, há muitos anos que na villa de Melgaço se tem feito sentir a necessidade de um hospital de caridade, onde os desgraçados possam encontrar um abrigo quando, acommetidos pelas enfermidades, lhes seja impossivel continuar sua vida laboriosa. A irmandade da Misericordia desta villa, compenetrada de tais sentimentos e também convencida de que o exercício da caridade, a maior e a mais augusta das virtudes evangélicas, constitui o principal fim da sua instituição, deliberou erigir na dita vila um hospital de caridade, dependente da mesma irmandade, para o que já obteve a necessaria autorização do governador civil do distrito, a qual lhe foi concedida por alvará de 28 de Novembro de 1860. 

Para a construção de tão útil estabelecimento, e atendendo aos escassos recursos destinados à mesma, a mesa da Santa Casa da Misericórdia da vila e Praça de Melgaço solicitou e obteve do governo a concessão da pedra de uma parte da antiga e arruinada muralha do castello daquella vila, que lhe foi concedida por Portaria de 6 de Agosto de 1863. 

Têm decorrido alguns anos, durante os quais a referida irmandade, coadjuvada por uma comissão expressamente nomeada para promover a realização de tão útil melhoramento, tem para este fim empregado os maiores esforços, chegando a conseguir das irmandades e confrarias do concelho, a aplicação de parte dos seus rendimentos para a sustentação do projectado hospital, e ajuntar alguns meios, ainda que poucos, para acorrer às despezas de construção. 

Ouvidos os facultativos do concelho acerca do local mais apropriado para levantar o respectivo edificio, e ouvida também a opinião de mais dois facultativos, bem como a opinião do conselho de distrito, assentou-se que a construcção do hospital de que se trata deveria efectuar-se no terreno pertencente ao ministério da guerra, onde existiu a antiga obra córnea da Praça, a qual confronta ao norte e nascente com terras do Francisco Joaquim Lobato, do poente com o quintal de Joaquim Maria de Magalhães e casa em construção do médico João Luiz de Sousa Palhares, e do sul com a Rua Nova da villa, medindo de superficie 1 381,8 m2. 

Atendendo, pois, a que a importância militar de Melgaço é tão diminuta, que pouco se pode esperar que, de futuro se empreendam nas suas fortificações melhoramentos, a respeito dos quais possa vir a dar-se inconveniente em ter cedido o terreno pedido; atendendo igualmente a que o rendimento que o Estado deixará de receber, concedendo-se o aludido terreno para o fim indicado, é realmente tão limitado que não vale a pena, só para o não perder, em obstar a que se realize o louvável empenho da mencionada irmandade, tenho a honra de submeter à vossa apreciação o seguinte projeto de lei: 

Artigo 1.° É o governo autorizado a conceder à mesa da Santa Casa da Misericórdia da Vila e Praça de Melgaço, 1 381,8 m2 do terreno em que assentava a antiga obra córnea da dita Praça, para ali ser edificado um hospital de caridade. 

Artigo 2.° A indicada extensão de terreno será única e exclusivamente destinada para o fim mencionado no artigo antecedente, devendo reverter ao Estado se no prazo de cinco anos, contados da publicação deesta lei, as obras não estiverem de tal modo adiantadas, que não reste dúvida sobre a sua verdadeira aplicação. 

Artigo 3.° Fica revogada a legislação em contrário. 

Sala das sessões da camara dos deputados, 14 de Março de 1872. Antonio Correia Caldeira, deputado pelo circulo n.º 2, Monsão e Melgaço. 

Foi admitido e enviado à respetiva comissão.” 

Por esta ação do deputado, em 1872, a 3 Abril, o Provedor José Cândido Gomes de Abreu propôs aos irmãos da Mesa um voto de louvor ao "Exmº Snr. António Correia Caldeira, representante do Círculo de eleitores por em catorze de Março findo ter representado  na Câmara dos Senhores Deputados da Nação um projecto de lei para à Misericórdia ser concedido gratuitamente um terreno pertencente ao Ministério da Guerra para nele se construir o Hospital da Caridade”. 

Em 1873, a 16 Julho, concretiza-se a tão almejada assinatura da escritura de doação do terreno no interior da praça da vila pelo Ministério da Guerra. A dita escritura foi lavrada na vila de Valença, na Secretaria do Governo Militar e o Provedor da Santa Casa de Melgaço foi representado por José Joaquim Lopes, morador naquela vila.  

Após este sucesso, nas vésperas do Natal desse ano, em 23 de Dezembro, Justino Augusto de Amorim Azevedo e José Cândido Gomes de Abreu, respetivamente, Administrador do concelho e Provedor da Misericórdia de Melgaço, na qualidade de membros da Comissão Promotora do Hospital de Caridade, compram por 30$000 réis a João Manuel Marques e mulher Plácida Antónia Alves o terreno ocupado por uma pequena casa térrea sita na Rua Nova de Melo, entre a área cedida pelo Ministério da Guerra para o levantamento do hospital e a casa, ainda em construção, do médico João Luís de Souza Palhares. 

Em Fevereiro de 1876, seria lançada a primeira pedra deste Hospital da Caridade de Melgaço, muito impulsionada pelo notável José Cândido Gomes d'Abreu... 

Em 1874, a fim de obter fundos para as obras, José Cândido Gomes de Abreu tinha levado os irmãos a reduzirem o número de missas fixado para os sufrágios pelos irmãos falecidos.  

Assim, em Outubro de 1875, depois de reunidos os fundos e vencidos os obstáculos burocráticos, inicia-se finalmente a construção do hospital. Iniciaram-se os trabalhos de pedreiro, que foram dirigidos pelo famoso Manuel José Gomes, o “Mestre do Regueiro”, que era assim conhecido na época por ser natural deste lugar da freguesia de S. Paio. 

Mais tarde, foi contratado também o mestre João Manuel Esteves, morador na vila de Melgaço mas natural de Messegães, e foi encarregado de dirigir as obras de carpintaria.  

Na cartela alusiva ao início da construção da fachada lateral direita lê-se: 

 

FOI LANÇADA A PRIMEIRA PEDRA PARA ESTE EDIFÍCIO EM (?) 

DE FEVEREIRO DE 1876, SENDO PROVEDOR DA MISERICORDIA  

JOSE CANDIDO GOMES D’ ABREU 

 

O Hospital da Misericórdia de Melgaço demorou quase duas décadas a ser concluído e posto a funcionar. Passados cerca de oito anos do início das obras, o jornal “O Economista”, na sua edição de 18 de Abril de 1883, contava-nos, numa notícia breve, que “Segundo referem de Melgaço em 1 do corrente, têm tomado grande desenvolvimento as obras da casa destinada ao novo hospital.” 

Entretanto, como a enfermagem era exercida por religiosos, o Padre Francisco Castro, natural da freguesia de São Paio e abade de Riba de Mouro, pediu ao provedor para mandar fazer dentro do hospital uma capelinha privativa para o pessoal e doentes internos, pagando ele todas as despesas da obra. Devido a este gesto, viria a ser nomeado irmão da Confraria da Misericórdia em 2 Janeiro de 1893, ficando isento do pagamento da joia de entrada. A dita capela apenas viria a ser inaugurada a 16 de Abril de 1893, com celebração da primeira missa pelas 6 horas da manhã. 

Entretanto, no Outono de 1892, o Hospital da Caridade de Melgaço estava concluído e pronto para abrir portas. Assim, em 16 de Outubro de 1892, um domingo, é feita a inauguração do Hospital da Caridade, com mais de 300 pessoas de todo o concelho e vizinhos percorrendo demoradamente as enfermarias e outras dependências. Nas palavras de Augusto César Esteves, “a energia indomável de José Cândido Gomes de Abreu patenteou aos olhos de todos o grande milagre da sua geração, inaugurando nesse memorável dia o Hospital da Caridade” e refere-se ao então Provedor como “o primeiro e mais representativo melgacense dos seus séculos” (ESTEVES, A., 1957). 

A inauguração do novo hospital é assinalada na imprensa regional e nacional. Aqui se apresentam algumas das alusões a tão desejada abertura deste hospital na comunicação social escrita da época. Por exemplo, no periódica “Commercio do Minho”, na véspera do dia da inauguração (na edição de 15 de Outubro de 1892), anuncia “Hospital - Inaugura-se festivamente amanhã o Hospital da Misericórdia de Melgaço”. 

No jornal nacional “Diário Illustrado”, na edição de 16 de Outubro do referido ano de 1892, anuncia-se a cerimónia que ia decorrer naquele dia nos seguintes termos: “Inaugura-se hoje o novo Hospital de Melgaço 

  

  Cabeçalho e notícia, no jornal “Diário Illustrado” (16 de Outubro de 1892) 

 

Nesse mesmo dia, no jornal “O Economista”, podia ler-se: “Monção, 13 – Na villa de Melgaço, abre no próximo dia 16 do corrente o novo Hospital da Misericórdia, um magnífico edifício que por falta de recursos se conservava fechado desde a sua conclusão e que devido a uma importante doação ultimamente feita pello falecido reverendo Manuel Lyra, vae enfim ser aberto ao público. 

Para a sua administração interna chagaram alli já três irmãs hospitaleiras. 

É um importante melhoramento para os melgacenses a nova casa de beneficência”. 

É importante referir que esta notícia nos ajuda a compreender a razão pela qual o Hospital da Caridade apenas ficou pronto para abrir portas cerca de dezassete anos após o início das obras, que se poderá explicar pelas limitações de ordem financeira para financiar a conclusão da obra. Conforme se pode ler na notícia, a abertura do hospital apenas foi possível por um importante donativo por parte do Padre Manuel Lyra, no seu testamento, que permitiu dotar o hospital de tudo o necessário para o seu funcionamento. Convém ainda salientar que, tal como se refere na notícia, as irmãs que foram responsáveis pela gestão do hospital nos primeiros anos, pertenciam à “Congregação das Irmãs Hospitaleiras dos Pobres Pelo Amor de Deus”, fundada em 1871 e que chegaram a Melgaço em Setembro de 1892. Tinham também a seu cargo a gestão de outros hospitais tais como os de Lamego, Vila Real, Viana do Castelo, Penafiel, Santarém, Ponte de Lima, Elvas, entre outros. 

Fazemos referência a uma última notícia já de 22 de Outubro desse mesmo ano no “Commercio do Minho” onde se pode ler: “Melgaço, 16 – Inaugurou-se officialmente hoje a abertura do Hospital da Misericórdia de Melgaço, com uma numerosa concorrência de povo, ávida de conhecer minuciosamente com todos os seus pormenores, a estrutura do edifício. 

Presidiu ao acto o Sr. José Cândido Gomes de Abreu, activo provedor da Misericórdia”. 

O hospital da Caridade de Melgaço manteve-se em atividade um pouco menos de um século...