sábado, 26 de dezembro de 2020

A fronteira de Castro Laboreiro (Melgaço) com a Galiza há cerca de 500 anos


De toda a linha de fronteira melgacense com a Galiza, a raia seca castreja é aquele setor onde, ao longo da Históriamais conflitos surgiram. Contudo, a mesma encontra-se marcada por um conjunto de marcos, alguns deles com muitos séculos de existência.  

Esses marcos mais primitivos já são referenciados há cerca de 500 anos em documentos onde podemos verificar os limites do então concelho de Castro Laboreiro com a Galiza. 

Podemos dar uma leitura num auto de limites elaborado no tempo do rei D. João III, em 1538, e por ordem deste para melhor delimitar toda a fronteira luso-espanhola. Tal tarefa foi concretizada por um tal Mendo Afonso que era escrivão da comarca de Entre-Tejo-e-Guadiana. Segundo DOMINGUES, J. & RODRIGUES, A. (2005), aquele chegou “à Vila de Castro Laboreiro no dia 26 de Julho do ano de 1538, vindo de Soajo, onde tinha lavrado uma acta dois dias antes (24 de Julho). Opta, plausivelmente, pelo caminho do monte – mais curto, mais rápido e seguro no tempo do estio – que atravessava as freguesias da Gavieira e Lamas de Mouro. Este caminho do monte era cotiado pelos caseiros de Lamas de Mouro, quando iam entregar as rendas à comenda hospitalária de Távora (c. Arcos de Valdevez), e pelos monges dos cenóbios de Ermelo e Fiães. Para o receber, na Vila do Laboreiro, estavam os dois juízes ordinários (João Vaz e João Fernandes) e o procurador do concelho (João Galego). Com eles catou o cartório da Câmara e não encontrou papéis nenhuns. Outras pessoas compareceram ao conclave, nomeadamente, as testemunhas inquiridas sob juramento, todas de setenta anos para cima e uma com mais de oitenta anos, e outras que presenciaram o acto, como os dois clérigos (João Pardo e Álvaro Rodrigues). 

(…) Para além do marco antigo em Porto a Pontes, Mendo Afonso regista a existência de mais três marcos: um na Portela do Pau, outro em Felgueira Ruiva e outro em Arribas de Covelo. Feitas as diligências que lhe impunha a provisão de El-Rei, no mesmo dia, partiu para Melgaço.” 

Na dita escritura, podemos verificar a delimitação da fronteira castreja e a referência aos ditos marcos já existentes na época: “(…) E que esta vylla parte com Galiza em a rybeyra dos Braços (Rio Laboreiro) ao lugar onde chega per ella o termo de Soajo ao Porto do Salgueirall e do Porto do Sallgueiral vem dahy pera cyma e partyndo o termo desta vylla per a dita rybeyra acima per o meo e fyo d’agoa ate o Porto da Ponte e ahy a dicta rybeira dos Braços se mete toda pera dentro do termo desta villa e a demarcaçam desta vylla vay pella maom direita contra Galiza dar e ter ao lugar que se chama o So Porto das Pontes ahonde estava antygamente hum marco a pe de hum freixeiro que sera do Porto da Ponte deixado a rybeira e hyndo pera o Freixeiro onde antygamente estava o dicto marco ha um jogo de bareira de besta.  

E do marco do freixo vay a hum penedo que esta em cima em hum cabeço que se chama o Coto do Porto da Ponte.  

E do dicto penedo do Porto da Ponte vay ter a outro penedo mais em cyma que parece homem a cabo do caminho do Campo do Rosajo e dahy vay ter a Fellgueira Ruvya. dahy vay ter ao Porto de Busca de Condes Busca de condes (sic).  

dahy vay ter outra vez contra Fellgueira ruvya.  

dahy vay ter ao Curral Dachedas 

dahy vay ter ao Porto de Curybuzio 

dahy vay ter ao Collado dos enforcados todo pella esquyna do chaom do sexo agoas vertentes ter ao Porto de Yntrymaaom 

dahy ter direito a Cabeça de Medo. 

dahy ter direito a Mota de Cidadelha.  

dahy ter direito ao Outeiro do ferro. 

dahy ter ao Marco da Portella de Paom direito a Lagea Cruzada.  

dahy ter direito ao marco da Figueyra ryba de Synhorio.  

dahy ao marco d’Arribas de Cobello.  

dahy ao Outeyro Agudo e Pedra Ruvias de Coreyrynhos. 

dahy a Fonte de Gontym. 

dahy a Fonte do Chao d’Elvyra. 

dahy ao Outeyro d’Arrazyll. 

dahy ao Outeyro das Cancellas. 

dahy pello valle abaixo das Cancellas ao porto do Malhaom a agoa do Porto do Malhao todo per agoa agoa (sic) abaixo te onde se mete a sob o Porto de Mey Joanes como se vay meter n’agoa do sobredicto porto do ryo de Portelynha e que hy acaba o termo proprio desta desta (sic) vylla de partyr com Galiza e dahy pera dyante partem com Galiza o concelho de Valladares e Mellgaço e que por aquy sempre antygamente de dozentos annos a esta parte partyo este concelho com Galiza que a memorya d’omes nam he em contrario. 

No Tombo de Castro Laboreiro de 1551, podemos voltar a comprovar a referência aos ditos marcos de fronteira. O mesmo foi mandado elaborar pelo Comendador Francisco Nobre. Num documento lavrado em 2 de Agosto do mesmo anopode-se ler uma descrição da fronteira que não difere muito do documento anterior: “(…) Item Começa no Rio dos braços ao porto do SalgejRall e dahi pera cima pello dito Rjbejro ate ao porto de pontes e a Ribeyra se mete em este termo e a demarquacam bai por tras abanda de galjza asim porto a pontes honde esta hum marquo ao pe de hum frejxejro hum tjro de besta do Rybeyro e do marquo baj dar a hum cabeço honde esta hum penedo que se chama ho coto do porto a pontes e dahj baj ter a outro penedo mais em cjma que parece homem a cabo do caminho do campo do Rescjo e dahj vaj ter a Salguejra Rubja e dahj vaj ter ao porto do bosquo de condes e dahi torna contra Salguejra Rubja e dahj vaj ter ao cuRall das chedas e dahi bay ter ao porto d’aCorebuzio e dahj vaj ter ao collado dos enforcados todo pella esqujna do chão do seixo agoas bertentes ao porto d’antrejmão e dallj diRejto a cabeça da meda e dahi direjto a mota da cidadellha e dahi ter direjto ao outeyro do feRo e dahi Ter ao marquo da portella do pão direito a llagea cruzada e dahi ter direito da Riba do sineiro e dahi ao marquo de Ribas de cobello dahi a outeiro agudo e pedras Rubyas de coRjnhos e dahj a fonte de gontim e dahj a fonte do chão d’elViRa e dahj ao outeiro d’aRazjll e dahj ao outejRo das cancellas dahj por ho valle abajxo das cancellas ao porto do malho a agoa do porto do malho todo por agoa abajxo ate honde se mete a sob ho porto de mem Johanes como se bai meter na agoa do Rio da portelinha a quall dita demarquaçam Eu Tabelliam trelladej do dito lljbro bem fjellmente e nom a outros demjtes da dita comenda e Jgreja de crasto (…)” 

Citamos ainda um último documento da segunda metade do século XVI, mais concretamente de 1565, onde encontramos uma descrição do posicionamento da linha de fronteira com a Galiza. Trata-se do Tombo de Castro Laboreiro mandado fazer pelo mesmo comendador Francisco Nobre. Num documento lavrado a 11 de Janeiro desse anopode ler-se, a respeito da delimitação da fronteira castreja com a Galiza: “(…) assi como se vai meter ao porto do malho que chega ao porto do malho ribeiro dos baraços que he a demarcação de Galiza E dali vai ter todo polo ribeiro dos baraços ate ao porto a pontes E dali vai ter o limite da dita comenda a huma pedra que está alem das casas de meijoeira que parecem se muj E dali vai ter o limite à Salgueira que parte com a freguesia Dantimo que he do Reino da Galiza E dali ao caneiro de bosto de condes E dali a portella da quebrada E dali ao curral das chedas E dali ao porto do curobusio E dali ás neves de Curainho E dali vai ter todo o limite a aguoas vertentes ao collado dos enforcados E dali vai ter todo pelas águas vertentes a huma pedra que bole quando bolem com ella E toda esta demarcação ate aqui parte E confronta com a freguesia de Sam Gens d’Antimo Reino de Galiza E dali vai ter todo o limite da dita Comenda todo direito polla Chiva ao collado do gamoal aparecendo ao porto acima do vergeiro que parte com a freguesia de Sam Gens que he tambem do reino de Galiza E dali vai ter à cabeça de meda E dali vai ter à lagea da mourisca que tambem E do Reino da Galiza que he do termo de C[e]lam nova E dali vai ter direito aguoas vertentes ao brincadeiro direito ao marco da portela do pão E dali vai ter ao poço a junqueira direito a lagea cruzada que he do termo de Miremanda terra do senhor marquez de viana do Reino de Galiza e dali vai ter ao marco das ribas do sevelo dalli direito à pedra ruiva e dalli vai direito à fonte gontim E dali a outra fonte de surainhos direito ao outeiro das merendas E dali vai ter direito ao outeiro da Raziella E dali vai ter todo como vai polla aguoa que se vem meter ao porto dos asnos E todos estes limites atraz partem com o Reino de Galiza tirando Soajo e valladares atraz declarados (…)” 

 

 

 

 

Fontes consultadas: 

- DOMINGUES, José; Américo Rodrigues. (2010) - "Montes Laboreiro – Palmilhando uma raia carregada de séculos". In: Cadernos Arraianos 8. 

-Demarcação do concelho de Castro Laboreiro com Galiza, feita por provisão de D. João III (Castro Laboreiro – 26 de Julho de 1538). IAN/TT – Núcleo Antigo, n.º 289, fl. 148-151. Vila Viçosa, AHCB - RC/NG 6, fls. 292v-296v (Apógrafo de 1757, Maio, 09); 

- Tombo de Castro Laboreiro feito por ordem do comendador Francisco Nobre. Braga, AD – Registo Geral, Cx. 274, n.º 6 (Castro Laboreiro, 2 de Agosto de 1551); 

- Tombo de Castro Laboreiro feito por ordem do comendador Francisco Nobre. Braga, AD – Registo Geral, Livro 2, fls. 424 - 428. (Castro Laboreiro, 11 de Janeiro de 1565).