sexta-feira, 26 de abril de 2019

Peso (Melgaço), 1917 - A generosidade do barqueiro Ponciano




Há mais de um século, mais concretamente em 1917, o Jornal de Melgaço trás-nos uma notícia que é uma bonita estória de solidariedade para com o próximo. A questão envolve um pobre mendigo que se encontrava tuberculoso, e que estava de passagem por Melgaço, e o barqueiro de S. Marcos, no Peso. A notícia é-nos contada na edição de 8 de Setembro de 1917: “Há dias apareceu por aqui [Melgaço] um fulano da Beira que, depois de ter casado com uma mulher de Orense resolveu emigrar para Buenos Aires; uma vez aí trabalhou e economizou de tal maneira que em pouco tempo conseguiu juntar 550 pesos; até aqui bem foi; mas… depois, sente-se doente, vai consultar um médico que lhe diz estar tuberculoso, e por isso tem de recuar imediatamente; o infeliz retira, trazendo consigo o dinheiro que só o acompanha até Lisboa, pois aí, com um pequeno descuido, fica sem dinheiro, sem conhecimento algum e sem roupa, além da que traz vestida. Como viajar nestas condições? Aí vem o desgraçado a pé desde Lisboa, mendigando uma esmola de porta em porta. E sabem o que o traz a Melgaço? A recordação de que em tempos mais felizes por aqui andou ele a trabalhar, e por isso encontraria por cá alguns dos seus amigos daquele tempo. Infeliz! Doente, e com fome talvez, ninguém o conhece! Dirige-se ao rio Minho para o passar a nado, mas vê que se encontra sem forças e nessas condições tal tentativa equivaleria ao suicídio. Em vista disso, aproxima-se do barqueiro e diz-lhe que desejava transitar para Espanha, mas que não tinha dinheiro para lhe pagar. Em virtude duma declaração tão franca, o barqueiro mandou-o entrar para a barca e não só o conduz gratuitamente à outra margem, como ainda na estação de Arbo promove uma subscrição que excede a importância do bilhete que no caminho de ferro lhe dá passagem até Orense; aliás, teria de fazer esse trajecto a pé e mendigando como de Lisboa a Melgaço. Quereis, leitores, que o nome desse barqueiro figure na lista dos benfeitores que vós conheceis? É o barqueiro do posto de S. Marcos, e chama-se Ponciano Ferreira.

Notícia em:
- Jornal de Melgaço, edição de 8 de Setembro de 1917.

sexta-feira, 19 de abril de 2019

A Páscoa em S Paio (Melgaço) há quase 70 anos



Este é um pequeno filme do ilustre artista melgacense Manuel Alves de San Payo, natural da freguesia de São Paio. 
No filme, podemos ver momentos da visita pascal algures por volta de 1950 na paróquia de S. Paio. Num primeiro momento, podemos ver a chegada do compasso pascal à casa onde eu cresci, no lugar do Cruzeiro, junto à igreja. Num segundo momento, vemos a Procissão dos Passos que na época se realizava percorrendo, em grande parte do percurso, um caminho que sempre foi conhecido como o "Caminho do Calvário".
Na parte final do filme, vemos o compasso pascal a sair da igreja de S. Paio em direção à casa de família do autor do filme...
Veja o filme!


sexta-feira, 12 de abril de 2019

A instituição do Couto de Homiziados em Melgaço (1431)




Em Melgaço foi instituído em 1431 um couto de homiziados pelo rei D. João I. Talvez não haja muita gente que saiba daquilo que estou a falar mas tratava-se de uma medida com vista a povoar as áreas raianas como Melgaço.
Então, o que é um couto de homiziados? Constitua-se como um território onde os condenados por delito comum pudessem comutar a sua pena de prisão ou de degredo, para África e Oriente, em exílio forçado no território nacional pelo espaço de alguns anos (MESQUITA, J., 2014). 
Note-se que nessa época a nossa terra já sofria desse grave problema do despovoamento, tal como refere o rei no documento de constituição do couto. Assim, a instituição do couto de homiziados em Melgaço permite melhor povoar este concelho raiano permitindo assim uma mais eficaz defesa da fronteira contra ataques do exterior. Desta forma, os condenados poderiam fixar-se em Melgaço, podendo beneficiar de privilégios vários, nomeadamente em termos de impostos, que à frente se referem no documento lavrado pelo rei D. João I e assim evitar o cumprimento de parte da pena em contexto prisional, podendo trabalhar a terra, sempre sob a vigilância da autoridade local. Caso reincidissem, voltariam para a prisão ou iriam para o degredo.
Contudo, em relação a este tema, o Padre Bernardo Pintor acrescenta mais uma explicação para a pertinência do couto de homiziados em Melgaço e cita que “a guerra por causa da sucessão [1384 - 1388] do trono português foi de consequências nefastas para Melgaço. O facto de a fortaleza ter defendido as aspirações do rei de Castela ocasionou para muita gente uma falsa posição. Retomada a praça e expulsa a guarnição, os partidários do inimigo acharam por bem deixarem o nosso território.
No tempo de guerra cometem-se abusos e excessos. Aqueles que se acharam culpados entenderam sair da terra para fugir às inevitáveis represálias. A feira que se realizava em Melgaço desde o alvor da nossa independência decaiu. Com ela Melgaço tinha movimento e lucro, mas com a sua decadência sofreu a economia local. Para obviar a este mal, D. João I concedeu, em 14 de Fevereiro de 1391, regalias aos feirantes, não podendo ser molestados por causa de grande parte de crimes que acaso recaíssem sobre eles. Isto tanto na feira como na ida e volta durante certo espaço de tempo.”
Não era caso único mas praxe de outras feiras no país e no estrangeiro. Outro documento que interessa conhecer foi outorgado por D. João I a Melgaço, estabelecendo aqui um Couto de Homiziados com diversos privilégios.
O documento diz o seguinte:
“(...) A quantos esta carta virem fazemos saber que olhando nós e considerando em como a nossa vila de Melgaço, que é na correição de Entre Douro e Minho, é muito despovoada e danificada, e em como está no extremo dos nossos reinos e dos de el-rei de Castela, porém com vontade e desejo de acrescentarmos em ela, e ser melhor povoada, e querendo nós fazer graça e mercê aos homiziados dos nossos reinos e entendendo-o por nosso serviço, temos por bem e coutamo-la e fazemos dela couto assim e pela guisa que o é a nossa vila de Chaves. E queremos e mandamos que daqui em diante todos os homiziados que ora são e daqui em diante forem, vão morar e povoar, se quiserem, ao dito couto de Melgaço, no qual hajam todos os privilégios e liberdades, perdões, que nós mandamos que lhe sejam dados, guardados, e cumpridos, bem e cumpridamente, assim e pela guisa que os nós mandamos guardar ao dito couto de Chaves, sem lhe sendo posto a isso outro nenhum embargo em nenhuma guisa, e maneira que seja. Outrossim porque a nós é dito que o couto e termo do dito lugar de Melgaço é tão pequeno que os dito homiziados não teriam terra em que lavrar nem terra para criarem seus gados, salvo muito gastamente, e em como o termo de Valadares parte junto com a vila do dito couto de Melgaço, o qual termo de Valadares é bom para criarem e lavrarem, porém cremos e mandamos que por os ditos homiziados haverem maior vontade de irem morar e povoar ao dito couto de Melgaço, que seguramente e sem nenhum temor possam os ditos homiziados que em o dito couto morarem e povoarem, lavrar e ter seus gados, apanhar seus frutos no dito termo de Valadares assim pela guisa que o fazem os homiziados que estão no dito couto de Chaves. E isto seguramente sem lhe ser feito outro nenhum desaguisado, contanto que eles tenham suas casas no dito couto ou vila de Melgaço. E porém mandamos a todos os corregedores, juízes e justiças, alcaides e meirinhos dos nossos reinos, e a outros quaisquer oficiais e pessoas a que disto o conhecimento pertencer, a que esta carta ou treslado dela em pública forma feita por autoridade de justiça for mostrada, que assim o cumpram e façam cumprir e guardar porquanto nossa mercê e vontade é de assim ser cumprido e guardado e privilegiado como dito é. E por esta carta mandamos aos juízes e alcaides da dita vila e couto de Melgaço que daqui em diante recebam em a dita vila os ditos homiziados e os deixem em ela morar e povoar, fazendo logo assentar o dia e o mês e era em que se apresentam e os nomes dos ditos homiziados e os malefícios por que são homiziados. E isto em um livro que para isto seja feito, o qual livro seja bem guardado para se saber por ele quanto tempo moram para serem perdoados. Donde outra coisa uns e os outros não façais. Dada em a nossa cidade de Lisboa, 25 dias do mês de setembro. El-rei o mandou por Fernando Afonso da Silveira, cavaleiro seu vassalo e do seu desembargo, não sendo aí o Doutor Rui Fernandes seu porteiro. Fernando Rodrigues escrivão em lugar de João Esteves a fiz. Ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1431 anos.”
Este documento já nos aparece na contagem cristã que D. João I mandou adoptar em 1422 em vez da era romana, ou de César que já então ia em 1460.




Informações extraídas de:
- MESQUITA, José Carlos Vilhena (2014) - Coutos e terras de degredo no Algarve. In: SAPIENTIA; Faculdade de Economia da Universidade do Algarve.
- PINTOR, Manuel António Bernardo (2005) – Obras Completas. Edição do Rotary Club de Monção.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

A freguesia de S. Martinho de Alvaredo (Melgaço) em tempos antigos




A primeira referência conhecida à igreja de São Martinho de Alvaredo remonta a 1118, ano em que Onega Fernandes fez doação à Sé de Tui da quarta parte da igreja de São Paio de Paderne, equivalente da igreja de São Martinho de Valadares e outro tanto da vila chamada de São Vicente e da sua igreja. No catálogo das igrejas situadas ao norte do rio Lima, que o rei D. Dinis mandou organizar, em 1320, para determinação da taxa a pagar, São Martinho de Alvaredo foi taxada em 60 libras. Enquadrava-se nessa época na Terra de Valadares.
No Censual de D. Frei Baltasar Limpo (1551-1581), que descreve a situação canónica dos benefícios eclesiásticos da comarca de Valença do Minho, diz-se que esta igreja era da apresentação de padroeiros, designadamente, de Pedro Gomes de Abreu.
Na obra do Padre Carvalho da Costa, publicada em 1706, diz-se de S. Martinho de Alvaredo que “em algum tempo se chamou de Paderne, é curato anual com título de Vigairaria do Morteiro de S. Fins dos Padres da Companhia de Jesus, com oito mil réis de ordenado, ao todo cincoenta mil reis, e para os Padres cento e vinte mil reis: tem cento sessenta vizinhos. Onega Fernandes senhora principal,sendo viúva, e tendo hábito de Religiosa deu a quarta parte desta Igreja a Dom Afonso, Bispo de Tui e àquela Sé em 15 de Abril da era de 1156, que é anno 1118, na qual confirmam seu filho Payo Dias e sua filha Aragonta Dias. Há nesta Freguesia duas Torres com alguma renda, chama-se uma de Vilar, outra a Torre somente, e de ambas são senhores os Marquezes de Tenorio. A que está defronte da Galiza é Solar dos Marinhos, que se entende haver sido do Dom Froyão, fidalgo Italiano, que veio a este Reyno com o Conde Dom Mendo ajudar a expulsar os Mouros dele. Entende-se que ele, ou algum filho fez esta Torre, e Casa solarenga de sua família, e não faz contra isto o que diz o Conde Dom Pedro, e outros Gallegos, que o segue, que os Marinhos são naturais da Galiza...”. A Torre da família dos Marinhos em Alvaredo era muito antiga. Já existia no século XIII sendo que esta família viveu nesta freguesia durante muitas gerações. Temos notícia que João Forjaz Marinho (1210 – 1250) foi Senhor Domus Fortis da Torre dos Marinhos. João Marinho terá nascido na Galiza e era Cavaleiro do Reino e foi governador por ordem real nas Terras de Valadares.
Nas Memórias Paroquiais de 1758, segundo o pároco António Rodrigues de Morais, a freguesia de Alvaredo pertencia ao arcebispado de Braga, comarca de Valença e termo de Valadares. Tinha 220 fogos inteiros e meios fogos e 613 pessoas, entre ausentes, presentes e menores. A igreja ficava no meio do lugar de São Martinho, tinha duas naves com três arcos e os altares: o altar-mor, o de Nossa Senhora do Rosário, o altar das Almas, o altar de santo António, o altar da capela da Senhora da Expectação, o altar da capela de São Francisco e o altar da capela de São Miguel. A paróquia tinha uma confraria das Almas e o pároco era vigário anual apresentado pelo prior dos mosteiros de Sanfins e São João de Longos Vales, da Companhia de Jesus, como procurador do reitor do Colégio de Coimbra, e tinha de ordenado anual 8$000 e com o pé de altar ficava tudo em 60$000, de rendimentos certos e incertos.
Na obra “Portugal Antigo e Moderno” do Professor Pinho Leal, de 1876, replicam-se algumas informações que constam no livro do Padre Carvalho da Costa e acrescenta outras: “ALVAREDO, freguezia, Minho, (...) 160 fogos. Orago é S. Martinho. Arcebispado de Braga, distrito administrativo de Vianna. Chamava-se antigamente de Paderne. Foi de uma senhora, que depois de viúva se fez freira, chamada D. Onega Fernandes, que deu a quarta parte da freguesia ao bispo de Tui D. Afonso, em 13 de abril de 1118, o que confirmaram seus filhos Paio Dias e Aragonta Dias. Foi depois da Universidade de Coimbra. Há nesta freguesia duas torres, uma chamada de Vilar e outra simplesmente Torre. Eram dos marquezes de Tenório. A que está defronte da Galiza é solar dos Marinhos, e diz-se ser de D. Froylão, fidalgo italiano que veio a Portugal com o conde D. Mendo, a ajudar a expulsar os mouros, e fez esta torre. É o progenitor do atual sr. Pereira, morgado da Torre da Sobreira, em Pias, próximo a Monção.
Foi curato do couto de S. Fins, apresentado pela universidade de Coimbra, Há nesta freguesia a casa de Carvalharim, da qual procedem as casas de S. Cibrão, a de Sende e a de Aguiar dos Arcos.
Alguns anos mais tarde, no livro “Minho Pittoresco”, de 1886, as referências a esta freguesia fazem-se numa viagem que o autor faz de Melgaço em direção a Monção e de passagem por Paderne e Alvaredo onde o que chama mais à atenção do autor é a beleza das cangas do gado. O autor conta-nos que ”Deixando a histórica Paderne, fica-nos à esquerda, próximo da linha da estrada, ALVAREDO, chamada antigamente Alvaredo de Paderne e outrora curato do couto de S. Fins, em Valença. Onega Fernandes doou a quarta parte d'esta egreja ao bispo Afonso de Tuy, como já fizera com Prado.
A capela de S. Braz fica perto da estrada, e além, aquela outra ermida, que se vê junto do rio, e devotada a S. Bento e tem a sua festasinha em Julho.
Notámos em Alvaredo, como noutras freguesias limítrofes de Melgaço a singeleza das cangas dos bois, e a sua pequenez; talvez tenhamos ainda de referir-nos noutros pontos do nosso trabalho a estes aparelhos de jugo, tão rendilhados quando se desce para o sul da província,e que o nosso amigo e erudito investigador Leite de Vasconcelos estudou já no seu livrinho intitulado Estudo etnográfico a propósito da ornamentação dos jugos e cangas dos bois nas províncias portuguesas do Douro e Minho.



Fontes consultadas:
- CAPELA, José Viriato (2005) - As freguesias do Distrito de Viana do Castelo nas Memórias Paroquiais de 1758. Alto Minho: Memória, História e Património Casa Museu de Monção/Universidade do Minho.
- COSTA, Padre António Carvalho da (1706) - Corografia Portuguesa, tomo I, Valentim da Costa Deslandes, Lisboa;
- LEAL, Augusto de Pinho (1875), Portugal Antigo e Moderno, Livraria Editora de Mattos & Companhia, Lisboa;
- VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, Tomo I, Livraria de António Maria Pereira-Editor, Lisboa.