Em
Melgaço foi instituído em 1431 um couto de homiziados pelo rei D.
João I. Talvez não haja muita gente que saiba daquilo que estou a
falar mas tratava-se de uma medida com vista a povoar as áreas
raianas como Melgaço.
Então,
o que é um couto de homiziados? Constitua-se como um território
onde os condenados por delito comum pudessem comutar a sua pena de
prisão ou de degredo, para África e Oriente, em exílio forçado no
território nacional pelo espaço de alguns anos (MESQUITA, J.,
2014).
Note-se que nessa época a nossa terra já sofria desse grave problema do despovoamento, tal como refere o rei no documento de constituição do couto. Assim, a instituição do couto de homiziados em Melgaço
permite melhor povoar este concelho raiano permitindo assim uma mais
eficaz defesa da fronteira contra ataques do exterior. Desta forma,
os condenados poderiam fixar-se em Melgaço, podendo beneficiar de
privilégios vários, nomeadamente em termos de impostos, que à
frente se referem no documento lavrado pelo rei D. João I e assim
evitar o cumprimento de parte da pena em contexto prisional, podendo
trabalhar a terra, sempre sob a vigilância da autoridade local. Caso reincidissem, voltariam para a prisão ou iriam para o degredo.
Contudo,
em relação a este tema, o Padre Bernardo Pintor acrescenta mais uma explicação para a pertinência do couto de homiziados em Melgaço e cita que “a
guerra por causa da sucessão [1384 - 1388] do trono
português foi de consequências nefastas para Melgaço. O facto de a
fortaleza ter defendido as aspirações do rei de Castela ocasionou
para muita gente uma falsa posição. Retomada a praça e expulsa a
guarnição, os partidários do inimigo acharam por bem deixarem o
nosso território.
No
tempo de guerra cometem-se abusos e excessos. Aqueles que se acharam
culpados entenderam sair da terra para fugir às inevitáveis
represálias. A feira que se realizava em Melgaço desde o alvor da
nossa independência decaiu. Com ela Melgaço tinha movimento e
lucro, mas com a sua decadência sofreu a economia local. Para obviar
a este mal, D. João I concedeu, em 14 de Fevereiro de 1391, regalias
aos feirantes, não podendo ser molestados por causa de grande parte
de crimes que acaso recaíssem sobre eles. Isto tanto na feira como
na ida e volta durante certo espaço de tempo.”
Não
era caso único mas praxe de outras feiras no país e no estrangeiro.
Outro documento que interessa conhecer foi outorgado por D. João I a
Melgaço, estabelecendo aqui um Couto de Homiziados com diversos
privilégios.
O
documento diz o seguinte:
“(...) A quantos esta carta virem fazemos saber que olhando nós e
considerando em como a nossa vila de Melgaço, que é na correição
de Entre Douro e Minho, é muito despovoada e danificada, e em como
está no extremo dos nossos reinos e dos de el-rei de Castela, porém
com vontade e desejo de acrescentarmos em ela, e ser melhor povoada,
e querendo nós fazer graça e mercê aos homiziados dos nossos
reinos e entendendo-o por nosso serviço, temos por bem e coutamo-la
e fazemos dela couto assim e pela guisa que o é a nossa vila de
Chaves. E queremos e mandamos que daqui em diante todos os homiziados
que ora são e daqui em diante forem, vão morar e povoar, se
quiserem, ao dito couto de Melgaço, no qual hajam todos os
privilégios e liberdades, perdões, que nós mandamos que lhe sejam
dados, guardados, e cumpridos, bem e cumpridamente, assim e pela
guisa que os nós mandamos guardar ao dito couto de Chaves, sem lhe
sendo posto a isso outro nenhum embargo em nenhuma guisa, e maneira
que seja. Outrossim porque a nós é dito que o couto e termo do dito
lugar de Melgaço é tão pequeno que os dito homiziados não teriam
terra em que lavrar nem terra para criarem seus gados, salvo muito
gastamente, e em como o termo de Valadares parte junto com a vila do
dito couto de Melgaço, o qual termo de Valadares é bom para criarem
e lavrarem, porém cremos e mandamos que por os ditos homiziados
haverem maior vontade de irem morar e povoar ao dito couto de
Melgaço, que seguramente e sem nenhum temor possam os ditos
homiziados que em o dito couto morarem e povoarem, lavrar e ter seus
gados, apanhar seus frutos no dito termo de Valadares assim pela
guisa que o fazem os homiziados que estão no dito couto de Chaves. E
isto seguramente sem lhe ser feito outro nenhum desaguisado, contanto
que eles tenham suas casas no dito couto ou vila de Melgaço. E porém
mandamos a todos os corregedores, juízes e justiças, alcaides e
meirinhos dos nossos reinos, e a outros quaisquer oficiais e pessoas
a que disto o conhecimento pertencer, a que esta carta ou treslado
dela em pública forma feita por autoridade de justiça for mostrada,
que assim o cumpram e façam cumprir e guardar porquanto nossa mercê
e vontade é de assim ser cumprido e guardado e privilegiado como
dito é. E por esta carta mandamos aos juízes e alcaides da dita
vila e couto de Melgaço que daqui em diante recebam em a dita vila
os ditos homiziados e os deixem em ela morar e povoar, fazendo logo
assentar o dia e o mês e era em que se apresentam e os nomes dos
ditos homiziados e os malefícios por que são homiziados. E isto em
um livro que para isto seja feito, o qual livro seja bem guardado
para se saber por ele quanto tempo moram para serem perdoados. Donde
outra coisa uns e os outros não façais. Dada em a nossa cidade de
Lisboa, 25 dias do mês de setembro. El-rei o mandou por Fernando
Afonso da Silveira, cavaleiro seu vassalo e do seu desembargo, não
sendo aí o Doutor Rui Fernandes seu porteiro. Fernando Rodrigues
escrivão em lugar de João Esteves a fiz. Ano de Nosso Senhor Jesus
Cristo de 1431 anos.”
Este
documento já nos aparece na contagem cristã que D. João I mandou
adoptar em 1422 em vez da era romana, ou de César que já então ia
em 1460.
Informações
extraídas de:
-
MESQUITA, José Carlos Vilhena (2014) - Coutos e terras de degredo no
Algarve. In: SAPIENTIA; Faculdade de Economia da Universidade do
Algarve.
-
PINTOR, Manuel António Bernardo (2005) – Obras Completas. Edição
do Rotary Club de Monção.
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