domingo, 9 de janeiro de 2022

Grande Hotel do Pezo, 6 de Agosto de 1896

 


Em 1896, as Águas de Melgaço ainda não eram muito conhecidas, mas o número de visitantes crescia de ano para ano. Ainda só havia o Grande Hotel do Pezo (Ranhada), e os hotéis Quinta do Pezo e o Alto Minho só abririam no início do século XX. 

No jornal “Commercio do Minho, encontrámos um interessante texto escrito por Almeida Silvano que se encontrava hospedado no Grande Hotel do Pezo e que nos fala da vida no hotel na época: 

“Grande Hotel do Pezo, 6 de Agosto de 1896 

(...) As Águas [de Melgaço], infelizmente tão pouco conhecidas no paiz, são de primeira ordem, como o amigo redactor pode verificar n’um folheto que lenho o gosto de lhe remeter; e de que sua critica imparcial dirá o que houver por bem, na certeza de que o auctor não se zangará se lhe applicar uma tareia monumental por se metterquasi, em seara alheia.  

Mas que quer? Elle tem a mania de ser patriota, e amigo de que os outros quinhoem dos beneficios que a mão pródiga da Providência dá para todos. 

Fui a Mondariz 2 annos a seguir, e o benefício que essas afamadas águas me fizeram, lá verá o amigo que foi nenhum. Sei que em Valença se faz propaganda de descrédito das nossas Águas de Melgaço, e tudo se apregoa em favor das hespanholas de Mondariz, sendo para lastimar que n’este conluio de descrédito se vejam empenhados alguns portuguezes, não sei se consciente ou inconscientemente. Ora isto é uma baixeza e uma vergonha, que só no interesse sórdido pode ter fundamento, as quaes estão exigindo um correctivo dos verdadeiros patriotas porque a verdade é que as nossas águas de Melgaço, pelo que testemunham quantos a ellas vem, se não são superiores às de Mondariz, como eu e muitos as consideramos, concluindo dos benefícios recebidos, certissimamente não lhes são inferiores, como lá poderá verificar nas respectivas tabellas de analyses 

Um dos motivos ou pretextos em que se fundam os que andam empenhados no descrédito d’estas águas é dizer que aqui não há hotel capaz, havendo apenas uma taberna, que recebe hospedes. Ora isto é uma falsidade revoltante. É certo que o hotel d’onde lhe escrevo, único por enquanto, o Grande Hotel do Pezo, não está no ponto em que se acham os hotéis de 1ª classe em Mondariz, como são o Hotel do Peinador e o Hotel Francez, onde se paga a média de 15 500 a 25 000 réis por dia mas digo em verdade que não fica inferior ás commodidades que lá nos proporcionam os hotéis de 2ª classe, como são o Hotel Carrera, Hotel Avelino e Modista.  

Pelo que toca a aposentos ou quartos, este não se arreceia de confronto, quanto a dimensões, pelo que, porém, diz respeito às vistas ou horizontes em que os olhos pastem, isso nem é bom fallar. Os melhores de Mondariz não chegaram a creados dos quartos da frente d’este hotel.  

Quanto ao refeitório, o d’este regula pelo d’aquelles. Não direi que esteja á altura de paladares exquisitos, nem que seja cozinha de 1ª ordem, mas satisfaz a quem vem doente e curar-se aqui. O tempo, com a concorrência, irá introduzindo os aperfeiçoamentos de que isto é susceptivel, e traz em mente o proprietário do hotel, o bom do Snr. António, como todos aqui, por justiça e sobrada razão, lhe chamamos.  

A casa vai crescendo e melhorando de anno para anno. Este em que vamos, deu-nos mais 6 quartos no  andar, dos quaes 2 podem servir para matrimónios, como por aqui também se diz. 

Aqui no hotel, pode-se beber quanta água mineral se queira, nas refeições e fora d’ellas, que nem por isso apparecem extraordinários, como em Mondariz, em que cada garrafa custa 50 réis.  

Outras vantagens pelas quaes esta estância se torna preferível a Mondariz, lá as verá o amigo apontadas. 

— Acaba de sair hoje d’aqui, quinta-feira, o illustre e amavel Commissário de Polícia da Madeira, Snr. Pedro d’ Alenquer Goes, o qual foi, como tantos outros patrícios seus, procurar a Mondariz alívio e a possível cura da terrível diabetes. Depois de 18 dias lá passados, saiu tão melancólico e acabrunhado e tão maldisposto que se resolveu a vir aqui, de que tanto mal tinha ouvido dizer em Valença, ver com seus próprios olhos. Chegou na segunda-feira, com tenção de sair logo na terça, segundo me elle disse; mas tão prezo e captivo ficou da pureza d’estes ares, da belleza d’estes sítios e do bem que as águas lhe assentavam, que só hoje se despegou, por não perder o vapor que de Lisboa o há-de levar, d’aqui a dias, ao seu posto, que dirige com tanta prudência, tino e applauso, de que é digno por seus bellos sentimentos de portuguez 

vae apostado, segundo elle affirmou a fazer todo o possível por que para o anno vindouro, em que conta vir estar aqui um mez, lhe sigam a esteira todos os seus patrícios, que constituem o maior contingente de diabéticos estrangeiros a Mondariz.  

Ao presente, estamos n’este hotel umas 26 pessoas, tendo a casa quartos para cerca de 40 pessoas. Ainda hontem chegaram 2 famílias. O viver d’aqui é simples, sincero, como em família, vivendo-se irmãmente. Como ponto de partida, para digressões alegres e aprazíveis é de 1ª ordem, offerecendo incomparável facilidade para algumas viagens em Hespanha, quer a nascente — a Orense —, quer a norte — Vigo, Pontevedra, Santiago. O ferro-carril passa-nos alli em baixo, a 10 minutos de passeio, da outra margem do Minho.  

Temos por cá um tempo fresco que parece maio metido por agosto dentro. Desde segunda-feira, temos tido chuva todos os dias, com trovões só nos dias 3 e 4. Foi uma rega abundante, que dispensa o sacho nos milharais por estes 20 ou 30 dias. As latadas estão por cá formosíssimas, começando agora a pintar o bago. 

Algo lhe queria contar mais ficará para outra assentada, porque hoje já tenho dada larga geira, para haver de satisfazer dívidas em atrazo, algumas, não poucas das quaes ainda ficam para saldar. 

E o amigo pugnando pelos créditos das nossas águas concorrerá também para uma obra de humanidade, porque estas águas são de geral efficácia, e de patriotismo igualmente, porque as dezenas de contos que anualmente vão ficar em Mondariz, paiz estrangeiro, devem vir ferlilizar esta região tão nossa, aumentando a riqueza pública da nossa casa...” 

 

Almeida Silvano 

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