A
localização exata da antiquíssima igreja paroquial de S. Fagundo
de Melgaço perdeu-se no tempo. Sabemos por documentos de época que,
onde hoje se situa a vila de Melgaço, existiam, até há cerca de
500 anos, não uma mas sim três paróquias: Santa Maria da Porta,
Santa Maria do Campo e S. Fagundo. As igrejas paroquiais das duas
primeiras ainda hoje existem, apesar de muito antigas. Acerca da de
S. Fagundo, apenas sabemos que no primeiro quarto do século XVII já
se encontrava em ruínas, não se conhecendo referências
posteriores.
O
saudoso Padre Bernardo Pintor num artigo de há meio século atrás
traz-nos alguma luz sobre a paróquia de S. Fagundo, extinta na
segunda metade do século XVI. No seu trabalho refere que “a
primeira notícia da igreja de S. Fagundo encontra-se em um documento
do Cartulário de Fiães outorgado em Junho de 1246, na arbitragem de
um litígio entre o mosteiro de Fiães e a igreja de Chaviães, em
que interveio como árbitro João Joanes, pároco de S. Fagundo e
procurador de Santa Maria da Porta juntamente com Rodrigo Mendes,
padre de Chaviães.
Vem
esta igreja mencionada nas inquirições de D. Afonso III, de 1258, a
par com as de Santa Maria da Porta e Santa Maria do Campo, sem
qualquer referência em pormenor.
Em
1320 foram os rendimentos avaliados em 30 libras, como os de Santa
Maria do Campo, o que a situava em posição baixa ao lado das
outras.
No
Igrejário de D. Diogo de Sousa, princípios do século XVI, vem
mencionada como benefício de livre atribuição de arcebispo e já
sem cura, isto é, já não tinham cura de almas, ou melhor, já não
era paróquia. Qualquer leitor dado a estes estudos encontra nos
livros antigos S. Facundo, mas eu prefiro a grafia evoluída S.
Fagundo.
O
falecido Dr. Augusto César Esteves achou referência à igreja de S.
Fagundo até ao ano de 1619. O mesmo criterioso investigador das
antiguidades melgacenses diz que a Fonte da Vila se chamou em tempos
antigos Fonte de S. Fagundo, o que nos indica ter ficado nas
proximidades a sua igreja.
Mais
ainda: segundo elementos por mim fornecidos, aceitou a mudança da
invocação da referida igreja para Sant’Iago, de que achou
referências no ano de 1733. A velha igreja paroquial, já sem cura
de almas na entrada do século XVI, deve ter sido reduzida à
condição de simples capela, como aconteceu com a antiga paroquial
da Santa Comba de Felgueiras, primeiro anexa a Paderne e depois
incorporada em Penso, e uma outra de S. Vicente, ali em Alvaredo
contra o rio Minho.
O
Concílio de Trento deu aos Prelados das dioceses faculdades para
anexar ou extinguir as paróquias cuja subsistência era demasiado
precária ou para fundar novas paróquias onde fossem precisas, e daí
terá vindo a extinção da de S. Fagundo.
A
mudança do título tem a sua explicação e não é caso único.
Aconteceu também com outras, como por exemplo com a padroeira de
Chaviães que era Santa Seguinha e passou para Santa Maria Madalena.
O
fundamento da mudança de S. Fagundo para Sant’Iago é o seguinte:
Sabe o leitor que há vários santos com o mesmo nome, dois apóstolos
são Sant’Iago, o maior e o menor. Mais conhecido por nós é o que
se festeja em 25 de Julho, que em Compostela tem antiquíssimo culto,
visitado por peregrinos das maiores categorias sociais e de terras
distantes desde recuados tempos. É o Sant’Iago de Longe, como
dizem os velhos.
Há
um outro Sant’Iago, chamado Interciso, que a Liturgia recorda em 27
de Novembro, dia também dedicado a S. Fagundo. Como ambos os Santos
são comemorados no mesmo dia, e S. Fagundo deixou de ser festejado
na categoria de padroeiro da freguesia, porque ela tinha
desaparecido, veio a sobrepor-se o culto, a Sant’Iago, Interciso.
Isto
tem uma explicação e o leitor deve querer saber qual seja, por isso
eu vou expô-la: Nos princípios do século XII, o arcebispo de
Braga, D. Maurício, conseguiu trazer de Roma para a sua catedral o
corpo de Sant’Iago Interciso, mártir da Pérsia do tempo das
perseguições aos cristãos.
No
tempo do arcebispo D. Agostinho de Jesus realizou-se em Braga um
sínodo, ou seja um concílio diocesano, em 1606, com início a 18 de
Outubro. Entre outras actividades do sínodo, teve lugar em 27 desse
mês a transladação das relíquias de Sant’Iago Interciso para
melhor jazida. Este facto provocou o revigoramento do culto do
referido Santo cujas relíquias até então permaneciam na sacristia
da catedral desconhecidas do público.
O
seu culto estendeu-se a toda a diocese sobrepondo-se ao de S. Fagundo
que assim foi esquecido em Melgaço com a vinda da memória do novo
Santo, novo no culto dos fiéis.
Sobrepondo-se,
no mesmo dia, à comemoração de S. Fagundo, absorveu a denominação
da sua igreja e com o seu nome ficaram conhecidas as antigas terras
ou passais, de S. Fagundo, conhecidas ainda nos nossos dias por
campos de Sant’Iago, ali nas proximidades da nova escola primária
da vila.
O
Dr. Augusto César Esteves, na obra já citada, escreveu: «A alguns
passos dos fossos pertinho da fortaleza, no caminho aquingostado para
os Chãos, a vila ainda hoje situa o Poço de S. Tiago. No local onde
se fez, há meia dúzia de anos, uma casa de campo, erguia-se uma
igreja pequena, chamada pelo povo capela de São Tiago.»
Quanto
à meia dúzia de anos, lembro que o livro do Dr. Esteves tem a data
de 1952. Julgo ficarmos a saber com aproximação onde era a Igreja
de S. Fagundo.”
Num
interessante artigo publicado no jornal “A Voz de Melgaço”, na
edição de Julho de 2017, com o título “Dois párocos de S.
Fagundo de Melgaço – 1360”, aflora mais alguns pormenores acerca
as parcas informações que hoje em dia temos acerca da igreja e
desaparecida paróquia de S. Fagundo, acerca de factos ocorridos
nesse ano: “É possível que o título deste breve artigo leve os
leitores mais novos a interrogarem-se onde ficava esta paróquia
melgacense, de que hoje nem o orago é conhecido. Para os mais
interessados, esta e outras oportunidades contribuirão para
conhecerem melhor a história do nosso concelho e das freguesia ou
paróquias que o integravam.
Simplificando
a resposta à pergunta sugerida, adiantamos que a freguesia de S.
Fagundo era uma das três existentes ao longo da Idade Média e até
ao terceiro quartel do século XVI, na sede do concelho de Melgaço e
junto das muralhas do castelo, conhecidas pelos seus oragos ou
titulares das igrejas paroquiais: Santa Maria da Porta, situada
dentro das muralhas; Santa Maria do Campo, fora das muralhas, do lado
sul, que tinha como sede a atual igreja da Misericórdia; e
finalmente, S. Fagundo, a noroeste do castelo, cuja sede estaria nas
proximidades da Fonte da Vila.
Três
freguesias com as sua igrejas num espaço não concentrado, sabendo
da crise demográfica a que Melgaço não ficou isento, apenas seria
compreensível por respeito à tradição e à longevidade das
mesmas. Depois do Concílio de Trento, encerrado em 3 de Dezembro de
1563, a cuja e terceira e última fase assistiu e na qual participou
ativamente o arcebispo D. Bartolomeu dos Mártires, que muito
gostaríamos de ver canonizado, na sequência do conhecimento direto
desta e doutras situações pastorais existentes em Melgaço, que se
impunha corrigir, extinguiu as paróquias de Santa Maria do Campo e
de S. Fagundo, integrando-as na de Santa Maria da Porta, que ainda
hoje não abrange uma área muito vasta, nem tem população
excessiva.
Quanto
à de S. Fagundo, perdeu-se o conhecimento do local exato da
implantação da igreja paroquial e a memória dos clérigos
designados para a orientação dos seus fiéis. Para isso, muito terá
contribuído o facto de a região de Entre Douro e Minho, que –
desde a célebre divisão diocesana realizada, em Lugo, em 569, sob a
presidência de S. Martinho de Dume, arcebispo de Braga e metropolita
de toda a Galécia Sueva, promulgada pelo rei Miro – também
designado Teodomiro -, ter permanecido integrada na diocese de Tui,
até 1381, e só após algumas vicissitudes, ter passado para a
Arquidiocese de Braga, em 1514.
Conhecemos
as circunstâncias em que se processou essa transferência, incluindo
a de alguns livros de registo, até então, utilizados na chancelaria
episcopal de Tui, que, devidamente autenticados, passaram para a
chancelaria arquiepiscopal bracarense. Entre eles, embora
desnecessariamente, veio também para Braga um códice pergamináceo,
com os registos das confirmações, isto é, das cartas de nomeação
e confirmação dos presbíteros e, eventualmente, de outros
clérigos, incumbidos da ação e do governo pastoral das diversas
paróquias,à medida que iam vagando , pelos mais diversos motivos ou
por transferências decididas pelo bispo de Tui que, de 1351 a 1385,
foi D. João de Castro, da conhecida família dos “Castros”, com
extensões em Portugal. Trata-se do códice nº 314 do Arquivo
Distrital de Braga, cuja publicação está a ser ultimada.
A
informação anunciada em epígrafe encontra-se no registo nº 234,
datado de Tui, em 10 de Setembro de 1360, integralmente em latim, que
vamos expor nas suas linhas gerais, de forma a identificarmos os dois
párocos de S. Fagundo – Melgaço, publicando-o na íntegra, a fim
de respondermos à eventual curiosidade dos mais interessados.
Pelo
teor deste documento, ficamos a saber que, em 1360, o reitor ou
pároco de S. Fagundo de Melgaço era Martim Gil (Martinus Egidii),
que foi para a igreja ou paróquia de Santa Maria de Panton, na
diocese de Orense, com plena anuência do bispo de Tui, D. João de
Castro. Impunha-se por isso, preencher a vaga aberta pela saída de
Martim Gil. Aqui surge uma informação inesperada, quanto ao
padroado desta freguesia melgacense, que pertencia ao bispo de Tui e
ao Mosteiro de S. João de Longos Vales, cada um destes padroeiros
com direito de apresentação sobre metade do benefício, cabendo, no
entanto, ao bispo o direito de decidir sobre a idoneidade do
candidato proposto pelo outro padroeiro e de proceder à necessária
confirmação.
Estas
eram as disposições canónicas inerentes ao direito de padroado, de
que o prelado diocesano era guardião e lhe competia observar. Como é
compreensível, em relação ao clérigo apresentado pelo Prior e
Convento de S. João de Longos Vales, além de não o ter
identificado nem mencionado o motivo da falta de idoneidade para
assumir as funções de pároco – opção compreensível, inerente
ao sigilo episcopal, limitou-se a afirmar apesar de lhes pertencer o
direito de apresentação para metade deste benefício, não
apresentaram pessoa idónea - “presentaverunt persona minus idonea”
- não o tendo aceitado.
Nessas
condições, considerou o direito de apresentação do Mosteiro de
Longos Vales ineficaz, a título devolutivo - “iure devoluto” -,
por esta vez somente, passava a pertencer-lhe também o direito de
apresentar para a metade do mosteiro agostinho de Longos Vales. Como
lhe pertencia o direito de apresentar para a outra metade, podia
apresentar e confirmar, de pleno direito, o novo pároco de S.
Fagundo, que passou a ser o padre Lourenço Domingues, natural de
Melgaço, que, na data acima referida, investiu nessas funções, de
acordo com as formalidades do estilo, reiteradamente expressas no
citado códice das Confirmações, a publicar brevemente.
A
decisão tomada pelo bispo de Tui, D. João de Castro, que sabemos
ter passado por diversas localidades de Entre o Douro e Minho, como
Fontoura, S. Pedro da Torre, S. Paio de Paderne (atualmente designada
apenas, S. Paio), Orada, Corujeiras, Mazedo, Merufe, Ganfei, Friestas
e Viana, revela mais um ponto de ligação entre o mosteiro de S.
João de Longos Vales e Melgaço, além da já conhecida colaboração
na construção das muralhas do nosso castelo...”
Fontes citadas:
- PINTOR, Padre Bernardo (2005) - Obra Histórica. Edição do Rotary Club de Monção.
- MARQUES, José (2017) - Dois párocos de S. Fagundo de Melgaço - 1360. In: "A Voz de Melgaço", edição de 1 de Julho de 2017.
Sem comentários:
Enviar um comentário