sexta-feira, 28 de junho de 2019

Sobre a desaparecida igreja paroquial de S. Fagundo de Melgaço





A localização exata da antiquíssima igreja paroquial de S. Fagundo de Melgaço perdeu-se no tempo. Sabemos por documentos de época que, onde hoje se situa a vila de Melgaço, existiam, até há cerca de 500 anos, não uma mas sim três paróquias: Santa Maria da Porta, Santa Maria do Campo e S. Fagundo. As igrejas paroquiais das duas primeiras ainda hoje existem, apesar de muito antigas. Acerca da de S. Fagundo, apenas sabemos que no primeiro quarto do século XVII já se encontrava em ruínas, não se conhecendo referências posteriores.
O saudoso Padre Bernardo Pintor num artigo de há meio século atrás traz-nos alguma luz sobre a paróquia de S. Fagundo, extinta na segunda metade do século XVI. No seu trabalho refere que “a primeira notícia da igreja de S. Fagundo encontra-se em um documento do Cartulário de Fiães outorgado em Junho de 1246, na arbitragem de um litígio entre o mosteiro de Fiães e a igreja de Chaviães, em que interveio como árbitro João Joanes, pároco de S. Fagundo e procurador de Santa Maria da Porta juntamente com Rodrigo Mendes, padre de Chaviães.
Vem esta igreja mencionada nas inquirições de D. Afonso III, de 1258, a par com as de Santa Maria da Porta e Santa Maria do Campo, sem qualquer referência em pormenor.
Em 1320 foram os rendimentos avaliados em 30 libras, como os de Santa Maria do Campo, o que a situava em posição baixa ao lado das outras.
No Igrejário de D. Diogo de Sousa, princípios do século XVI, vem mencionada como benefício de livre atribuição de arcebispo e já sem cura, isto é, já não tinham cura de almas, ou melhor, já não era paróquia. Qualquer leitor dado a estes estudos encontra nos livros antigos S. Facundo, mas eu prefiro a grafia evoluída S. Fagundo.
O falecido Dr. Augusto César Esteves achou referência à igreja de S. Fagundo até ao ano de 1619. O mesmo criterioso investigador das antiguidades melgacenses diz que a Fonte da Vila se chamou em tempos antigos Fonte de S. Fagundo, o que nos indica ter ficado nas proximidades a sua igreja.
Mais ainda: segundo elementos por mim fornecidos, aceitou a mudança da invocação da referida igreja para Sant’Iago, de que achou referências no ano de 1733. A velha igreja paroquial, já sem cura de almas na entrada do século XVI, deve ter sido reduzida à condição de simples capela, como aconteceu com a antiga paroquial da Santa Comba de Felgueiras, primeiro anexa a Paderne e depois incorporada em Penso, e uma outra de S. Vicente, ali em Alvaredo contra o rio Minho.
O Concílio de Trento deu aos Prelados das dioceses faculdades para anexar ou extinguir as paróquias cuja subsistência era demasiado precária ou para fundar novas paróquias onde fossem precisas, e daí terá vindo a extinção da de S. Fagundo.
A mudança do título tem a sua explicação e não é caso único. Aconteceu também com outras, como por exemplo com a padroeira de Chaviães que era Santa Seguinha e passou para Santa Maria Madalena.
O fundamento da mudança de S. Fagundo para Sant’Iago é o seguinte: Sabe o leitor que há vários santos com o mesmo nome, dois apóstolos são Sant’Iago, o maior e o menor. Mais conhecido por nós é o que se festeja em 25 de Julho, que em Compostela tem antiquíssimo culto, visitado por peregrinos das maiores categorias sociais e de terras distantes desde recuados tempos. É o Sant’Iago de Longe, como dizem os velhos.
Há um outro Sant’Iago, chamado Interciso, que a Liturgia recorda em 27 de Novembro, dia também dedicado a S. Fagundo. Como ambos os Santos são comemorados no mesmo dia, e S. Fagundo deixou de ser festejado na categoria de padroeiro da freguesia, porque ela tinha desaparecido, veio a sobrepor-se o culto, a Sant’Iago, Interciso.
Isto tem uma explicação e o leitor deve querer saber qual seja, por isso eu vou expô-la: Nos princípios do século XII, o arcebispo de Braga, D. Maurício, conseguiu trazer de Roma para a sua catedral o corpo de Sant’Iago Interciso, mártir da Pérsia do tempo das perseguições aos cristãos.
No tempo do arcebispo D. Agostinho de Jesus realizou-se em Braga um sínodo, ou seja um concílio diocesano, em 1606, com início a 18 de Outubro. Entre outras actividades do sínodo, teve lugar em 27 desse mês a transladação das relíquias de Sant’Iago Interciso para melhor jazida. Este facto provocou o revigoramento do culto do referido Santo cujas relíquias até então permaneciam na sacristia da catedral desconhecidas do público.
O seu culto estendeu-se a toda a diocese sobrepondo-se ao de S. Fagundo que assim foi esquecido em Melgaço com a vinda da memória do novo Santo, novo no culto dos fiéis.
Sobrepondo-se, no mesmo dia, à comemoração de S. Fagundo, absorveu a denominação da sua igreja e com o seu nome ficaram conhecidas as antigas terras ou passais, de S. Fagundo, conhecidas ainda nos nossos dias por campos de Sant’Iago, ali nas proximidades da nova escola primária da vila.
O Dr. Augusto César Esteves, na obra já citada, escreveu: «A alguns passos dos fossos pertinho da fortaleza, no caminho aquingostado para os Chãos, a vila ainda hoje situa o Poço de S. Tiago. No local onde se fez, há meia dúzia de anos, uma casa de campo, erguia-se uma igreja pequena, chamada pelo povo capela de São Tiago.»
Quanto à meia dúzia de anos, lembro que o livro do Dr. Esteves tem a data de 1952. Julgo ficarmos a saber com aproximação onde era a Igreja de S. Fagundo.”
Num interessante artigo publicado no jornal “A Voz de Melgaço”, na edição de Julho de 2017, com o título “Dois párocos de S. Fagundo de Melgaço – 1360”, aflora mais alguns pormenores acerca as parcas informações que hoje em dia temos acerca da igreja e desaparecida paróquia de S. Fagundo, acerca de factos ocorridos nesse ano: “É possível que o título deste breve artigo leve os leitores mais novos a interrogarem-se onde ficava esta paróquia melgacense, de que hoje nem o orago é conhecido. Para os mais interessados, esta e outras oportunidades contribuirão para conhecerem melhor a história do nosso concelho e das freguesia ou paróquias que o integravam.
Simplificando a resposta à pergunta sugerida, adiantamos que a freguesia de S. Fagundo era uma das três existentes ao longo da Idade Média e até ao terceiro quartel do século XVI, na sede do concelho de Melgaço e junto das muralhas do castelo, conhecidas pelos seus oragos ou titulares das igrejas paroquiais: Santa Maria da Porta, situada dentro das muralhas; Santa Maria do Campo, fora das muralhas, do lado sul, que tinha como sede a atual igreja da Misericórdia; e finalmente, S. Fagundo, a noroeste do castelo, cuja sede estaria nas proximidades da Fonte da Vila.
Três freguesias com as sua igrejas num espaço não concentrado, sabendo da crise demográfica a que Melgaço não ficou isento, apenas seria compreensível por respeito à tradição e à longevidade das mesmas. Depois do Concílio de Trento, encerrado em 3 de Dezembro de 1563, a cuja e terceira e última fase assistiu e na qual participou ativamente o arcebispo D. Bartolomeu dos Mártires, que muito gostaríamos de ver canonizado, na sequência do conhecimento direto desta e doutras situações pastorais existentes em Melgaço, que se impunha corrigir, extinguiu as paróquias de Santa Maria do Campo e de S. Fagundo, integrando-as na de Santa Maria da Porta, que ainda hoje não abrange uma área muito vasta, nem tem população excessiva.
Quanto à de S. Fagundo, perdeu-se o conhecimento do local exato da implantação da igreja paroquial e a memória dos clérigos designados para a orientação dos seus fiéis. Para isso, muito terá contribuído o facto de a região de Entre Douro e Minho, que – desde a célebre divisão diocesana realizada, em Lugo, em 569, sob a presidência de S. Martinho de Dume, arcebispo de Braga e metropolita de toda a Galécia Sueva, promulgada pelo rei Miro – também designado Teodomiro -, ter permanecido integrada na diocese de Tui, até 1381, e só após algumas vicissitudes, ter passado para a Arquidiocese de Braga, em 1514.
Conhecemos as circunstâncias em que se processou essa transferência, incluindo a de alguns livros de registo, até então, utilizados na chancelaria episcopal de Tui, que, devidamente autenticados, passaram para a chancelaria arquiepiscopal bracarense. Entre eles, embora desnecessariamente, veio também para Braga um códice pergamináceo, com os registos das confirmações, isto é, das cartas de nomeação e confirmação dos presbíteros e, eventualmente, de outros clérigos, incumbidos da ação e do governo pastoral das diversas paróquias,à medida que iam vagando , pelos mais diversos motivos ou por transferências decididas pelo bispo de Tui que, de 1351 a 1385, foi D. João de Castro, da conhecida família dos “Castros”, com extensões em Portugal. Trata-se do códice nº 314 do Arquivo Distrital de Braga, cuja publicação está a ser ultimada.
A informação anunciada em epígrafe encontra-se no registo nº 234, datado de Tui, em 10 de Setembro de 1360, integralmente em latim, que vamos expor nas suas linhas gerais, de forma a identificarmos os dois párocos de S. Fagundo – Melgaço, publicando-o na íntegra, a fim de respondermos à eventual curiosidade dos mais interessados.
Pelo teor deste documento, ficamos a saber que, em 1360, o reitor ou pároco de S. Fagundo de Melgaço era Martim Gil (Martinus Egidii), que foi para a igreja ou paróquia de Santa Maria de Panton, na diocese de Orense, com plena anuência do bispo de Tui, D. João de Castro. Impunha-se por isso, preencher a vaga aberta pela saída de Martim Gil. Aqui surge uma informação inesperada, quanto ao padroado desta freguesia melgacense, que pertencia ao bispo de Tui e ao Mosteiro de S. João de Longos Vales, cada um destes padroeiros com direito de apresentação sobre metade do benefício, cabendo, no entanto, ao bispo o direito de decidir sobre a idoneidade do candidato proposto pelo outro padroeiro e de proceder à necessária confirmação.
Estas eram as disposições canónicas inerentes ao direito de padroado, de que o prelado diocesano era guardião e lhe competia observar. Como é compreensível, em relação ao clérigo apresentado pelo Prior e Convento de S. João de Longos Vales, além de não o ter identificado nem mencionado o motivo da falta de idoneidade para assumir as funções de pároco – opção compreensível, inerente ao sigilo episcopal, limitou-se a afirmar apesar de lhes pertencer o direito de apresentação para metade deste benefício, não apresentaram pessoa idónea - “presentaverunt persona minus idonea” - não o tendo aceitado.
Nessas condições, considerou o direito de apresentação do Mosteiro de Longos Vales ineficaz, a título devolutivo - “iure devoluto” -, por esta vez somente, passava a pertencer-lhe também o direito de apresentar para a metade do mosteiro agostinho de Longos Vales. Como lhe pertencia o direito de apresentar para a outra metade, podia apresentar e confirmar, de pleno direito, o novo pároco de S. Fagundo, que passou a ser o padre Lourenço Domingues, natural de Melgaço, que, na data acima referida, investiu nessas funções, de acordo com as formalidades do estilo, reiteradamente expressas no citado códice das Confirmações, a publicar brevemente.
A decisão tomada pelo bispo de Tui, D. João de Castro, que sabemos ter passado por diversas localidades de Entre o Douro e Minho, como Fontoura, S. Pedro da Torre, S. Paio de Paderne (atualmente designada apenas, S. Paio), Orada, Corujeiras, Mazedo, Merufe, Ganfei, Friestas e Viana, revela mais um ponto de ligação entre o mosteiro de S. João de Longos Vales e Melgaço, além da já conhecida colaboração na construção das muralhas do nosso castelo...”





Fontes citadas: 
- PINTOR,  Padre Bernardo (2005) - Obra Histórica. Edição do Rotary Club de Monção.

- MARQUES, José (2017) - Dois párocos de S. Fagundo de Melgaço - 1360. In: "A Voz de Melgaço", edição de 1 de Julho de 2017.

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