sexta-feira, 31 de março de 2017

Um passeio até à fronteira de S. Gregório (Melgaço) em 1913


No início do século passado, Melgaço e as sua águas estavam na moda. Os aquistas além de desfrutarem das virtudes das sua águas milagrosas, gostavam de dar os seus passeios. Um dos passeios mais apreciados era saírem dos hotéis e irem dar uma volta até à fronteira de S. Gregório e apreciarem as belezas do vale do Minho. Em 1913, um desse passeios ficou descrito numa reportagem publicado na revista Ilustração Portugueza: 

"No Extremo Norte de Portugal
À tarde, em pleno mês de Julho, quando os cravos ensanguentam os muros dos hortejos, - é agradável abalar em direção a S. Gregório.
O veículo, tirado a dois finos, nervosos cavalos, roda serenamente sobre um macadam lavado, batido de sol. Atravessada a pequena ponte, onde delicado regato se escoa por entre rosários de redondos, polidos seixos, - pinheiros esguios, de cor verde azeitona, acolhem, num requinte de fidalga gentileza, os transeuntes com a sua sombra protetora, amável.
Bouquets de flores silvestres pintalgam, mancham numa orgia de coloração forte, bizarra as leiras que se estendem por aí fora. Do alto da estrada, após ligeira curva, enorme veiga se desenrola até à vista poisar na fita de montanhas que abraça carinhosamente o Peso. À esquerda, a via pública, que dá acesso às termas, com os seus hotéis e habitações indígenas.
Acolá, o casarão da Quinta do Peso, onde lindas rosas chá se entrelaçam volutuosamente pelo frontispício do hotel como que tentando, numa ânsia revolucionária, esconder maliciosamente o brasão de visconde, que encima o velho solar.
É a região do Belo em guerra aberta de extermínio às velharias. À direita, a povoação raiana – Arbo, sobranceira ao rio.

Carruagem Taxi da época a travessar a PonTe do Martingo, próximo do Peso (Melgaço)
(Foto de Aurélio da Paz dos Reis)

Da nossa margem, ciprestes, grandes de altivez, postam-se à entrada de vetustas residências solarengas. No fundo, seguindo um carreiro bordado de fetos, o manancial milagroso das águas minerais.  Para além, deixado os vinhedos que se agacham medrosamente pelas leiras, surge a encarroada torre do castelo de Melgaço. Mais alguns metros percorridos, num ápice, ei-nos no lugar de Prado. Quintas e pomares, próprios para almas floridas de ventura, vão ficando presos ao nosso olhar apaixonado.

Torre de Menagem do castelo de Melgaço

Deixemos Melgaço, com os prédios a debruçarem-se sobre a corrente do Minho, e tomemos a estrada que segue para o extremo norte da pátria lusitana.
Cristos, de rosto macerado, incutindo fé ao viajante, e alminhas que penam num inferno de tostas, inestéticas figuras, em profusão, se deparam. De Marelhe, olhando para baixo, descortina-se majestoso panorama.
Lá está, emergindo de entre viçoso ramalhete de verdura, a freguesia de Paços, salpicada de imersos casões escuros. Por toda a parte aqui, ali, acolá, se divisam canteiros cuidadosamente amanhados. Uns retangulares, tabuleiros arrelvados que amaciam a retina, outros em quadrilátero, tapete policromo. É o verde do linho, o matiz aloirado do centeio que está a pedir a sega.
Circunda-se a vinha baixa, que oscula levemente o solo abençoado, ou a cheirosa madressilva que se enovela em ouriçada cabeleira, pontuada de negras e apetitosas amoras. Vê-se na outra banda a paróquia espanhola de Crecente. O caminho de ferro do país vizinho, duas filas de aço luzidio, contorna o rio Minho, que nos vai amigavelmente separando da Galiza. As telhas, de nuances carregadas, batidas fortemente pelo reflexo solar, berram atrevidamente na paisagem campesina.
A maior parte, representam propriedade de gente que, quando menina e moça, demandou aos Brazis, em busca do oiro almejado.
A água espadana-se, precipita-se às catadupas monte abaixo. Silhuetas de cachopas, de formas esculturais e olhares provocadores, agarotados, formigam nas agras, enquanto, - mais adiante - rapazes, descaradamente, com ligeirezas de acrobata, rebolam-se à vontade na relva.

S. Gregório no início do século XX

À nossa frente, de ponto em branco, S. Gregório. À entrada, meia dúzia de casitas alinham-se. Esta povoação teve em tempos de antanho grande movimento comercial com os pueblos fronteiriços. O comboio galego, depois, deu-lhe o golpe mortal. Então, mantinha estabelecimentos importantes como demonstram os prédios construídos nessa época. A rua Verde, a mais movimentada da terreola, desce por escabrosa ladeira à ponte internacional sobre o rio Trancoso. 

Ponte Internacional de S. Gregório/Ponte Barjas
(Foto de Aurélio da Paz dos Reis)

Das janelas das casas cravos rubros fintam atrevidamente quem passa. Castanheiros seculares, de frondosa ramaria, trepam ousadamente encosta acima. Calcorreando alguns metros de piso escorregadio, estamos na ponte. Meia dúzia de velhas, desmanteladas tábuas ligam-nos ao lugarejo espanhol Ponte Barjas. Sob o tosco pontilhão, leques de verdura prendem-se nervosamente. E as águas, rio abaixo, num turbilhonar desordenado, cobrem de beijos loucos os ventres roliços das pedras.

Peso (Melgaço) – Julho de 1913."


Extraído de:
- Reportagem "No extremo norte de Portugal" In: Revista "Ilustração Portugueza", edição de 4 de Agosto de 1913.

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