sábado, 23 de novembro de 2019

A disciplina militar sobre os soldados melgacenses na Primeira Grande Guerra em França





A Primeira Grande Guerra (1914-1918) mobilizou mais de 50 mil soldados portuguesas para a frente europeia. Melgaço contribuiu com mais de 70 filhos da terra que combateram na Flandres (França).
Como sabemos, a participação portuguesa foi dramática, fruto de uma rápida mas muito deficiente preparação dos soldados e a instável situação política em Portugal na época. A moral das tropas foi-se degradando com o passar do tempo e episódios de indisciplina e insubordinação por parte dos soldados foram-se tornado cada vez mais uma constante. Em relação aos soldados melgacenses, os registos contam-nos que alguns deles protagonizaram episódios de insubordinação, outros simplesmente envolveram-se em episódios algo caricatos próprios de homens que não compreendiam a disciplina militar, especialmente em tempo de guerra.
Um dos soldados melgacenses mais vezes punidos durante a sua permanência na frente de guerra foi Alfredo Soares, natural do lugar da Costa, na freguesia de S. Paio. Já em França, no cenário de guerra, foi punido em 12 de Agosto de 1917 pelo “Senhor Comandante da Companhia com 8 dias de detenção por ter saído da forma sem autorização quando a companhia se dirigia para o local de instrução de noite e ter recolhido o quartel da sua companhia”. Dois dias depois, ou seja a 14 de Agosto de 1917, foi novamente punido “pelo Comandante da Companhia com 6 dias de detenção por ser encontrado no centro de instrução e durante o intervalo apoderar-se de alguma fruta de uma nogueira pertencente a uma propriedade que começa no mesmo campo”. Foi punido ainda em 19 de Junho de 1918 “pelo Comandante do Batalhão com 10 dias de prisão disciplinar por ter faltado a uma formatura e responder menos conveniente ao Senhor Comandante da Comandante quando este o mandou calar por pretender tomar posse de uma barraca que lhe não pertencia…”. Foi punido novamente em 23 de Setembro de 1918 “pelo Senhor Comandante do Batalhão com 10 dias de detenção por faltar à revista que teria lugar em 22 (dia anterior), sem motivo justificado…”. Alguns dias depois, em 28 de Setembro do mesmo ano, voltaria a ser novamente punido pelo “Senhor Comandante do batalhão com 10 dias de detenção por faltar aos trabalhos de fortificação e instrução de 26”. Alfredo Soares sobreviveu à guerra.
Um outro soldado melgacense bastante castigado pela disciplina militar durante o tempo de guerra foi Joaquim de Egas Afonso, natural da freguesia da vila de Melgaço (à época, Santa Maria da Porta). Durante a sua permanência na frente de guerra na Flandres, recebeu várias punições por comportamento julgado não adequado em contexto militar em tempo de guerra. Assim, foi punido em 12 de Setembro de 1917 “pelo Comandante da Companhia com 6 dias de detenção, atendendo ao seu comportamento anterior por haver faltado à instrução que no dia 11 teve lugar das 13 às 17 horas…”. Novamente, em 2 de Outubro de 1917, foi punido “ pelo Comandante da Companhia com cinco dias de detenção por se ter ausentado ontem da área da companhia sem autorização”. Ainda em Outubro de 1917, mais precisamente no dia 19, foi de novo punido “pelo Comandante do Batalhão com 15 dias de prisão correcional por não ter ido ao trabalho em “Krigs Cross” na manhã de 16 (dia) por declarar estar doente, doença que não foi confirmada em revista de saúde a que foi presente…”. Contudo, os episódios de indisciplina não se ficam por aqui, recebendo novamente punição em 18 de Fevereiro de 1918 “pelo Sr. Comandante da 4ª Companhia com 2 guardas por não tratar do arrumo da sua companhia como lhe foi determinado pelo Cabo Chefe do Grupo do seu alojamento…”.
Um outro soldado melgacense que várias vezes esteve sob a alçada disciplinar foi Dinis da Silva, natural do lugar da Várzea, na freguesia de Paderne, O seu percurso durante a guerra é abundante em atos de indisciplina, frequente entre os soldados portugueses nesta guerra e respetivas punições. Foi punido em 19 de Julho de 1917 “pelo Exmo. Comandante do Batalhão com 1 (um) dia de Prisão Disciplinar por ter faltado a uma formatura…”. Foi igualmente punido em 12 de Agosto “pelo Comandante da Companhia com 8 dias de atenção por ter saído da forma sem autorização quando a companhia se dirigia para local de instrução de noite e ter recolhido ao quartel da sua companhia…”. Uma terceira punição foi-lhe aplicada em 26 de Outubro de 1917 “pelo Comandante da Companhia com 8 (oito) dias de detenção por ter sido incorreto na maneira como se dirigiu ao 1º sargento da companhia quando este o advertia por uma falta…”. Foi-lhe aplicada uma outra punição em 15 de Março de 1918 “pelo Comandante da Companhia com 10 dias de detenção porque, tendo-se ausentado ontem do alojamento da companhia, faltou à formatura que às 18 horas teve lugar afim desta companhia de entrar como reforço do sub-setor…”. Foi ainda punido em 29 de Agosto de 1918 “pelo Comandante do Batalhão com 10 dias de detenção por ter faltado aos trabalhos deste dia sem motivo justificado”. Por motivo que não aparece descortinado no seu Boletim Individual, o soldado Dinis da Silva, em 5 de Junho de 1919, seguiu da Prisão da sua Base para o Porto de Embarque de Cherbourg (França) afim de ali aguardar julgamento. Sobreviveu à guerra.
É frequente entre os soldados os episódios de desobediência aos seus superiores. Um desses casos é o do soldado António dos Reis, natural da Rua Direita, freguesia de Santa Maria da Porta (atualmente designada por freguesia da vila). Foi punido em 19 de Agosto do mesmo ano pelo Comandante da Companhia com 8 dias de detenção “porque tendo em 18 do corrente respondido à chamada para a formatura da instrução de noite, se ausentou dela sem autorização recolhendo ao seu alojamento…”. Ainda nesse ano de 1917, voltou a infringir as regras do Regulamento Disciplinar e recebeu nova punição em 19 de Dezembro por parte do Comandante da Companhia. Desta vez, foi punido com 10 dias de detenção por “ter saído da 1ª linha de trincheiras, onde prestava serviço, sem autorização e ainda porque sendo interrogado sobre quem o autorizou a vir à 2ª linha, informou falsamente citando o nome ao Comandante exposto o que se averiguou ser falso…”. António dos Reis sobreviveu à guerra.
Alberto Esteves, natural do lugar do Pomar, freguesia de Penso também sofreu a disciplina militar por desobediência. Em 27 de Outubro de 1917, foi punido pelo Comandante da Companhia com 10 dias de detenção por “ter sido nomeado para servir nas trincheiras e não se ter apresentado prontamente para esse serviço tendo sido necessário a intervenção do comandante da companhia para que desse cumprimento à ordem que nesse sentido tinha recebido…”. Sobreviveu à guerra.
A faltas de respeito aos superiores eram também mencionados nos registos individuais de alguns soldados de Melgaço. É o caso do soldado Inocêncio Augusto Carpinteiro, natural do lugar dos Barreiros, na freguesia de S. Paio. Durante a sua permanência na frente de combate, foi punido em 17 de Outubro de 1917 “pelo Comandante do Batalhão com 15 dias de prisão correcional porque aquando da sua nomeação para serviço nas trincheiras, apresentou a sua reclamação como modos pouco respeitosos”. Voltou a ser punido em 19 de Dezembro de 1917 pelo Comandante da Companhia “com 10 dias de detenção por ter vindo da 1ª linha de trincheiras onde prestava serviço sem autorização e ainda porque sendo por ele interrogado sobre quem o autorizou a vir à 2ª linha, informou falsamente citando o nome do Comandante do posto o que se averiguou não ser verdade…”. Sobreviveu à guerra.
Um outro exemplo é o do soldado Hipólito Lourenço, natural do lugar da Picota, freguesia de Santa Marinha de Rouças. Já no cenário de guerra, sabe-se que foi punido em 9 de Setembro de 1917 “com 2 dias de detenção por ser pouco cuidadoso com a limpeza do armamento que lhe está distribuído”. Viria a ser novamente punido em 16 de Janeiro de 1918 “pelo Exmo. General Comandante do C.E.P. com 20 dias de prisão correcional por na noite de 7 para 8 de Dezembro, estando de sentinela num posto de 1ª linha, foi encontrado pelo sargento de ronda sentado na banqueta e não ter tomado uma atitude correta quando aquele seu superior o advertia infringindo assim os deveres…”. Sobreviveu à guerra.
Não termino este artigo sem uma ressalva. Não se pretende fazer qualquer julgamento de caráter destes homens. Estes comportamentos são sobretudo fruto de uma rápida mas deficiente preparação dos soldados, não só taticamente mas também mentalmente. A dureza da guerra, a falta de compreensão da mesma e a postura vergonhosa do governo português em relação a estes soldados nalguns momentos tornam atos como os descritos compreensíveis, ou pelo menos que nos abstenhamos de os julgar.

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