A
Primeira Grande Guerra (1914-1918) mobilizou mais de 50 mil soldados
portuguesas para a frente europeia. Melgaço
contribuiu com mais de 70 filhos da terra que combateram na Flandres (França).
Como
sabemos, a participação portuguesa foi dramática, fruto
de uma rápida mas muito deficiente preparação dos soldados e a instável situação política em Portugal na época.
A moral das tropas foi-se degradando com o passar do tempo e
episódios de indisciplina e insubordinação por parte dos soldados
foram-se tornado cada vez mais uma constante. Em
relação aos soldados melgacenses, os registos contam-nos que alguns
deles protagonizaram episódios de insubordinação, outros
simplesmente envolveram-se em episódios algo caricatos próprios de
homens que não compreendiam a disciplina militar, especialmente em
tempo de guerra.
Um
dos soldados melgacenses mais vezes punidos durante
a sua permanência na frente de guerra
foi Alfredo
Soares,
natural
do lugar da
Costa, na freguesia de S. Paio. Já
em França, no cenário de guerra, foi punido em 12 de Agosto de 1917
pelo “Senhor
Comandante da Companhia com 8 dias de detenção por ter saído da
forma sem autorização quando a companhia se dirigia para o local de
instrução de noite e ter recolhido o quartel da sua companhia”.
Dois dias depois, ou seja a 14 de Agosto de 1917, foi novamente
punido “pelo
Comandante da Companhia com 6 dias de detenção por ser encontrado
no centro de instrução e durante o intervalo apoderar-se de alguma
fruta de uma nogueira pertencente a uma propriedade que começa no
mesmo campo”.
Foi punido ainda
em
19 de Junho de 1918 “pelo
Comandante do Batalhão com 10 dias de prisão disciplinar por ter
faltado a uma formatura e responder menos conveniente ao Senhor
Comandante da Comandante quando este o mandou calar por pretender
tomar posse de uma barraca que lhe não pertencia…”.
Foi punido novamente em 23 de Setembro de 1918
“pelo Senhor Comandante do Batalhão com 10 dias de detenção por
faltar à revista que teria lugar em 22 (dia anterior), sem motivo
justificado…”.
Alguns dias depois, em 28 de Setembro do mesmo ano, voltaria a ser
novamente punido pelo “Senhor
Comandante do batalhão com 10 dias de detenção por faltar aos
trabalhos de fortificação e instrução de 26”.
Alfredo
Soares sobreviveu à guerra.
Um
outro soldado melgacense bastante
castigado pela disciplina militar durante o tempo de guerra foi
Joaquim
de Egas Afonso,
natural da freguesia da vila de Melgaço (à época, Santa Maria da
Porta). Durante a sua permanência na frente de guerra na
Flandres, recebeu
várias punições por comportamento julgado não adequado em
contexto militar em tempo de guerra. Assim, foi punido em 12 de
Setembro de 1917 “pelo
Comandante da Companhia com 6 dias de detenção, atendendo ao seu
comportamento anterior por haver faltado à instrução que no dia 11
teve lugar das 13 às 17 horas…”.
Novamente, em 2 de Outubro de 1917, foi punido “
pelo Comandante da Companhia com cinco dias de detenção por se ter
ausentado ontem da área da companhia sem autorização”.
Ainda em Outubro de 1917, mais precisamente no dia 19, foi de novo
punido “pelo
Comandante do Batalhão com 15 dias de prisão correcional por não
ter ido ao trabalho em “Krigs Cross” na manhã de 16 (dia) por
declarar estar doente, doença que não foi confirmada em revista de
saúde a que foi presente…”.
Contudo, os episódios de indisciplina não se ficam por aqui,
recebendo
novamente punição em 18 de Fevereiro de 1918 “pelo
Sr. Comandante da 4ª Companhia com 2 guardas por não tratar do
arrumo da sua companhia como lhe foi determinado pelo Cabo Chefe do
Grupo do seu alojamento…”.
Um
outro soldado melgacense que várias vezes esteve sob a alçada
disciplinar foi Dinis
da Silva,
natural do lugar da Várzea, na freguesia de Paderne, O seu percurso
durante a guerra é abundante em atos de indisciplina, frequente
entre os soldados portugueses nesta guerra e respetivas punições.
Foi punido em 19 de Julho de 1917 “pelo
Exmo. Comandante do Batalhão com 1 (um) dia de Prisão Disciplinar
por ter faltado a uma formatura…”.
Foi igualmente punido em 12 de Agosto “pelo
Comandante da Companhia com 8 dias de atenção por ter saído da
forma sem autorização quando a companhia se dirigia para local de
instrução de noite e ter recolhido ao quartel da sua companhia…”.
Uma terceira punição foi-lhe aplicada em 26 de Outubro de 1917
“pelo
Comandante da Companhia com 8 (oito) dias de detenção por ter sido
incorreto na maneira como se dirigiu ao 1º sargento da companhia
quando este o advertia por uma falta…”.
Foi-lhe aplicada uma outra punição em 15 de Março de 1918 “pelo
Comandante da Companhia com 10 dias de detenção porque, tendo-se
ausentado ontem do alojamento da companhia, faltou à formatura que
às 18 horas teve lugar afim desta companhia de entrar como reforço
do sub-setor…”.
Foi ainda punido em 29 de Agosto de 1918 “pelo
Comandante do Batalhão com 10 dias de detenção por ter faltado aos
trabalhos deste dia sem motivo justificado”.
Por motivo que não aparece descortinado no seu Boletim Individual, o
soldado Dinis da Silva, em 5 de Junho de 1919, seguiu da Prisão da
sua Base para o Porto de Embarque de Cherbourg (França) afim de ali
aguardar julgamento. Sobreviveu
à guerra.
É
frequente entre os soldados os episódios de desobediência aos seus
superiores.
Um desses casos é o do soldado
António
dos Reis,
natural
da Rua Direita, freguesia de Santa Maria da Porta (atualmente
designada por freguesia da vila). Foi punido em 19 de Agosto do mesmo
ano pelo Comandante da Companhia com 8 dias de detenção “porque
tendo em 18 do corrente respondido à chamada para a formatura da
instrução de noite, se ausentou dela sem autorização recolhendo
ao seu alojamento…”.
Ainda nesse ano de 1917, voltou a infringir as regras do Regulamento
Disciplinar e recebeu nova punição em 19 de Dezembro por parte do
Comandante da Companhia. Desta vez, foi punido com 10 dias de
detenção por “ter
saído da 1ª linha de trincheiras, onde prestava serviço, sem
autorização e ainda porque sendo interrogado sobre quem o autorizou
a vir à 2ª linha, informou falsamente citando o nome ao Comandante
exposto o que se averiguou ser falso…”.
António
dos Reis sobreviveu à guerra.
Alberto
Esteves, natural do
lugar do Pomar, freguesia de Penso também sofreu a disciplina
militar por desobediência. Em 27 de Outubro de 1917, foi punido pelo
Comandante da Companhia com 10 dias de detenção por “ter
sido nomeado para servir nas trincheiras e não se ter apresentado
prontamente para esse serviço tendo sido necessário a intervenção
do comandante da companhia para que desse cumprimento à ordem que
nesse sentido tinha recebido…”.
Sobreviveu à guerra.
A
faltas de respeito aos superiores eram também mencionados nos
registos individuais de alguns soldados de Melgaço. É o caso do
soldado
Inocêncio Augusto Carpinteiro, natural
do
lugar dos Barreiros, na freguesia de S. Paio. Durante
a sua permanência na frente de combate, foi
punido em 17 de Outubro de 1917 “pelo
Comandante do Batalhão com 15 dias de prisão correcional porque
aquando da sua nomeação para serviço nas trincheiras, apresentou a
sua reclamação como modos pouco respeitosos”.
Voltou
a ser punido
em 19 de Dezembro de 1917 pelo Comandante da Companhia “com
10 dias de detenção
por ter vindo da 1ª linha de trincheiras onde prestava serviço sem
autorização e ainda porque sendo por ele interrogado sobre quem o
autorizou a vir à 2ª linha, informou falsamente citando o nome do
Comandante do posto o que se averiguou não ser verdade…”.
Sobreviveu
à guerra.
Um
outro exemplo é o do soldado Hipólito Lourenço, natural do lugar
da Picota, freguesia de Santa Marinha de Rouças. Já
no cenário de guerra, sabe-se que foi punido em 9 de Setembro de
1917 “com
2 dias de detenção por ser pouco cuidadoso com a limpeza do
armamento que lhe está distribuído”.
Viria a ser novamente punido em 16 de Janeiro de 1918 “pelo
Exmo. General Comandante do C.E.P. com 20 dias de prisão correcional
por na noite de 7 para 8 de Dezembro, estando de sentinela num posto
de 1ª linha, foi encontrado pelo sargento de ronda sentado na
banqueta e não ter tomado uma atitude correta quando aquele seu
superior o advertia infringindo assim os deveres…”.
Sobreviveu
à guerra.
Não
termino este artigo sem uma ressalva. Não se pretende fazer qualquer
julgamento de caráter destes homens. Estes comportamentos são
sobretudo fruto de uma rápida mas deficiente preparação dos
soldados, não só taticamente mas também mentalmente. A dureza da
guerra, a falta de compreensão da mesma e a postura vergonhosa do
governo português em relação a estes soldados nalguns momentos
tornam atos como os descritos compreensíveis, ou pelo menos que nos
abstenhamos de os julgar.
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