sexta-feira, 8 de novembro de 2019

A extinção do mosteiro de Fiães (1834)




O mosteiro de Fiães é de fundação incerta no tempo. O documento conhecido mais antigo é de meados do século XII mais concretamente de 1142, havendo um outro de 1157 onde se refere que o mosteiro segue a regra de S. Bento. Ainda no século XII, Fiães passaria a estar integrado na Ordem de Cister e filiado no mosteiro de Tarouca.
O mosteiro seria extinto em 1834. Na época, o mosteiro tem a comunidade reduzida a dois monges, tendo ainda um terceiro religioso, mas a viver com os seus familiares por ter uma doença contagiosa. No processo de inventário, um documento de 1836, refere o mosteiro "com suas cazas e oficinas, que lhe são inherentes, bem como a Cerca, e Igreja, sem que se mencionem mais esclarecimentos (...)". No inventário dos objetos pertencentes ao culto divino, datado de 1834, consta na capela-mor o seu altar, com hum retábulo muito antigo, pintado e dourado, e, tendo no centro do mesmo e no fim do trono a imagem de Santa Maria, de vulto, pintada e dourada, e, lateralmente, as imagens, em vulto ordinário, pintadas e douradas, de São Bento e de São Bernardo. O altar de São Bento tem um humilde retábulo, antigo, pintado e dourado, albergando ao centro a imagem do orago, de vulto ordinário, pintada e dourada, com resplendor de folha, e, sobre a banqueta, uma cruz pequena, pintada de preto, com um Crucifixo pequeno. O altar de Nossa Senhora do Rosário tem um retábulo pequeno e antigo, pintado e dourado, tendo no centro a imagem do orago, em vulto ordinário, pintada e dourada, à direita uma imagem de Maria Madalena, em vulto ordinário, pintada e dourada. Na igreja havia mais dois altares laterais, um do lado do Evangelho e outro no da Epístola. Ambos indecentes, com seus retábulos velhos, com quatro imagens pequenas, sendo uma São Sebastião e duas do Menino Deus e Nossa Senhora, bem como um Crucifixo pintado numa cruz preta. Na sacristia tinha um "caixão" ordinário, com três gavetões e três armários; em frente da sacristia havia um oratório de pau, velho e pequeno, com um Crucifixo de palmo pendente em uma cruz de pau, pintada de verde. Na capela abacial havia um altar com seu retábulo antigo, pintado e dourado, tendo no centro a imagem de Nossa Senhora da Conceição, em vulto, pequena, pintada e dourada, com a sua coroa de folha, mais uma cruz dourada com um Crucifixo pequeno, uma pedra de ara, dois livros corais e uma estante pequena. O inventário refere ainda a existência de uma imagem de vulto ordinária, que dizem ser São Bernardo, pintada e dourada, e um sino na torre. Concluído o inventário, os bens são entregues ao pároco da freguesia Manuel Joaquim Fernandes da Costa. O inventário do mosteiro refere apenas os bens de administração direta: "Item, digo, item hum, Mosteiro com suas ortas tudo circundado. Hum campo chamado da Magdalena, que produz so feno que parte do Nascente com a estrada publica que vai para Rouças e do poente parte com ribeiro chamado o Regueiro da Ponte. Item outro dito chamado o Campo Piqueno que produz feno com as mesmas confrontações. Item, outro chamado do Follão que somente produz feno com as mesmas confrontações. Item, outro dito chamado o Campo de Serca, que parte do Nascente com a serca do mesmo Mosteiro, e do Poente com o carreiro que vai para a Igreja e que somente produz feno. Item, outro chamado do Moinho, com seu moinho, dentro que parte do Nascente com o terreiro do Mosteiro e do Poente com a estrada que vai para Rouças. Item, mais a Serca por cima do Moinho que pare do Nascente com a estrada publica que vai para a igreja e do Poente com o Mosteiro que se compõem de carvalhos piquenos e tojo. Item, outra tapada chamadas Mattas que parte do Nascente com Manuel Domingues de Souto Mendo de Vaixo, e outros, e do Poente com a estrada publica que vai para Melgaço, e sua produção he ttojo. Item mais hum monte chamado da Fraga, que se compõem de casinheiros, que parte do Nascente com Diogo Domingues de Pousafolles, e do Poente com a corga que vai para o lugar de Gonlle freguesia de Christoval e lugar do Campinho de Fiaens. Item, mais a quinta sita no lugar de Caballeiros freguesia de Rouças que se compõem de cazas tilhadas e sobradadas, e terras de pão e vinho, e carvalheira no fundo, e com árvores de fruto que parte do Nascente com a estrada publica que bem de Fiaens ara Melgaço e do Poente coma quinta de Pascoa Domingues, e regato de babuzaens" (MARQUES, J. 1990). Posteriormente, o governo manda por em praça pública as ruínas do mosteiro para serem vendidas, mas inicialmente não aparecem licitantes. Depois, é vendido em haste pública, estendendo-se a ruína pelas dependências, e a igreja passa a ser paroquial; Em 1836, a 06 de Novembro, é extinto o couto e é concretizada a sua incorporação no concelho de Melgaço. 
Umas décadas mais tarde, na descrição do templo e das ruínas do mosteiro feita por Guilherme Oliveira num livro publicado em 1903, consta que "da torre, que devia ser grandiosa, restam alguns metros de grossas paredes, formadas de grandes pedras desconjuntadas, tendo, mesmo assim n'ellas cravadas, o enorme sino que ainda tange para o serviço da igreja. Havia n'este logar uns vestígios de muralha, que foram propositadamente demolidos para a construção do cemiterio que hoje alli existe, o qual é fechado por moderna grade de ferro". Na fachada da igreja, o autor refere o portal "que é do mesmo estylo, (...) gótico pouco ornamentado" (OLIVEIRA, 1903), o brasão arcebispal, tendo, à direita, o de Portugal e, à esquerda, o de uma rainha portuguesa que foi da casa de França, e a cobri-lo a mitra e o báculo e as respetivas coroas. No adro, que contorna o edifício, havia grandes carvalhos. "Existem tambem de pé as paredes frontaes de uma parte da ala direita do convento, a qual, como o requeria o logar, que é de grandes ventanias e temporaes, tem fortes cantarias. As janelas e portas são de pequeno formato e sem nenhuma importancia architectonica. Eram por detraz os claustros, dos quaes ainda se vêem algumas elegantes e finas columnas sustentando aqui um arco, alli um resto de flecha, e além formando monte (...). Existem tambem, dispersas pelo terreno transformado em campo de lavoura, paredes com restos de janelas, hombreiras, escadas, e o logar da fonte que abastecia o convento" (OLIVEIRA, 1903). "Tinha o D. Abbade capela particular, - chamada abacial, - a qual está assinalada por pedaços de grossos muros mal conservados. Alli, em um altar, veneravam-se as imagens de Nossa Senhora da Conceição, de grande formato, e outra menor, de S. Bernardo. Havia dependências especiaes para as audiencias publicas, casa de albergue alpendradas, e um corpo de edifício do uso e estado independente do superior. Era na grande sala da presidencial que se resolviam os negocios do convento, na presença do escrivão de Valladares” (OLIVEIRA, 1903). O mosteiro era completado, com a casa do capítulo, refeitórios, penitencias e biblioteca que, "conjuntamente com o archivo, desappareceu em um dos incêndios" (OLIVEIRA, 1903). "Seguem-se velhas casarias ou choças assobradadas, que são hoje a residencia do Reitor. Na frente d'estas, e ao lado do adro, existem ainda umas depressões no solo por onde se escoam fios de aguas sulphurosas, que são os vestígios dos antigos banhos que alli havia" (OLIVEIRA, 1903). Frei Agostinho de Santa Maria refere que o povo vinha de longe banhar-se nesta fonte e tal era a virtude das águas que todos voltavam sãos. Especialmente no dia de São João Batista os enfermos aglomeravam-se, e, na ansia de encontrarem remédio para os seus males, criavam disputas e desordens, chegando a ocorrerem ferimentos mortais. Assim, as autoridades resolveram entulhar os banheiros, terminando a causa das discórdias, no entanto, em 1903 os doentes ainda lá iam ou mandavam buscar um pouco da água que corria. Oliveira descreve a igreja com "Duas ordens de robustíssimas columnas de granito, de remota antiguidade, formam a nave central da egreja. As cornijas e as cimalhas são ornadas com figuras mais ou menos plantasticas. Os arcos, largos e bem lançados, com elegantes archivoltas, teem grande imponência e vão até aos frechaes do tecto, que era de madeira apainelada. O tempo destruiu-o, e hoje, a telha vã que os ventos separa, faz que, através do seu arrendilhado, se veja o azul do céo, e se escoem as chuvas que hão arruinado o pavimento. As columnas, que sustentam o arco da frontaria estão cortadas com arte, a alguns metros do solo, o que lhe dá a apparencia de uma arcaria suspensa. O altar principal, assim como os lateraes, teem a obra de talha bem estragada, e parecem pequenos para o tamanho do templo. Na capella môr, há um retábulo pintado e dourado, e no throno a imagem de Santa Maria, e diversas. No altar de S. Bento vê-se tambem um retábulo menor. Esta imagem era, até há pouco tempo, visitada pelas populações dos contornos durante o anno, e, particularmente, no dia em que a egreja venera o santo, por ser de grande devoção e muito milagrosa. Há ainda diversos altares com as imagens de S. Sebastião e outras. O d'este santo, que era da confraria das almas, foi feito privilegiado em 1716, por breve do papa Benedito XIV. O púlpito é de madeira entalhada, com a folhagem alta. O grande côro tem a mesma simplicidade e robustez que se nota em todo o edifício. Dos túmulos, o único que existe é o de Fernão Annes de Lima, pae do primeiro Visconde de Villa Nova de Cerveira, o qual se supõe ter sido sepultado pelos anos de 1430 (...) tem as armas sobrepostas, e assente sobre dois supportes que terminam em cabeças de fórma humana. Este túmulo foi primitivamente collocado junto à capella de S. Sebastião. Hoje acha-se à direita de quem entra "(OLIVEIRA, 1903).




Informações extraídas de:
- OLIVEIRA, Guilherme de (1903) - Uma Visita às Ruínas do Real Mosteiro de Fiães. Lisboa: Typographia da Sociedade A Editora.
- MARQUES, José (1990) - O Mosteiro de Fiães (Notas para a sua história). Braga: Barbosa & Xavier, Limitada.

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