segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Fiães, 1841 - Uma aldeia inteira é varrida do mapa pela MÃE NATUREZA

Portocarreiro (Fiães), próximo da localização da antiga aldeia de S. João

A 17 de Novembro de 1841, depois de dois meses de intenso mau tempo, com muita chuva, um terrível desmoronamento de terras destroi em momentos a povoação, morrendo soterrados muitos dos habitantes. Os prejuízos materiais revelam-se catastróficos para a pequena comunidade. Logo no dia seguinte, o regedor Manuel do Rego lança um apelo ao Administrador do Concelho, depois de relatar sumariamente o ocorrido ”Participo a vossa excelência que ontem pela uma hora da tarde rebentou uma parte do monte denominado Anteiro e veio ao lugar de S. João/Porto Carreiro e arrastou e levou 9 casas com muita gente e gado e foi uma desgraça muito grande. Ora é preciso que vossa excelência dê providências mandando vir gente do concelho para ajudar a desenterrar a gente e gados e frutos e aparatos que ficaram debaixo dos rochedos.”
A ajuda chegou principalmente dos lugares vizinhos, onde se recolheram os sobreviventes e donde partiram os grupos de homens a desenterrar os cadáveres e dar-lhes sepultura junto ao Mosteiro de Fiães. A grande torrente de pedras e lama atingira também Porto Carreiro, chegando mesmo ao leito do Trancoso. Na tradição oral, ao chegar à Igreja de Nossa Senhora da Vista, a torrente dividira-se em duas, salvando-se milagrosamente o templo, que ainda hoje se encontra soterrado. As consequências foram contudo destruidoras nos campos, que levarão muitos anos a limpar e reconstruir.
Um importante núcleo existia no lugar de S. João, muito próximo de Porto Carreiro, num lugar a meia vertente onde convergiam vários pequenos ribeiros mas todos com algum caudal. S. João cresceu como um tentáculo de Porto Carreiro, para cima ao longo da vertente, mas encaixado na apertada garganta do pequeno afluente do Trancoso. Uma das suas riquezas era essa força motriz que alimentava as suas azenhas: cinco num aglomerado de apenas cerca de duas dezenas de casas. Mas, uma das fortes razões da sua existência explicará o seu desaparecimento.
Quase um mês depois da catástrofe, o pároco fazia um relatório ao Administrador do Concelho, inventariando o desastre de S. João: 15 casas “com todos os seus aparatos”, 6 pontes, 5 moinhos, 16 cabeças de gado, 200 de gado miúdo, 10 porcos, 30 “carros de pão” (cereal), canstros de milho e “terras de lavradio que nuca mais tornam a dar pão, que tudo levou e desapareceu, foram louvados em 16.000 cruzados”. O total geral é avaliado em 45.000 cruzados. O número de mortos elevou-se a 14 pessoas, afetando 6 famílias, uma das quais perdeu 6 membros.
Organizava-se entretanto a ajuda às famílias atingidas. Primeiro é o Administrador Geral do Distrito de Viana do Castelo que propõe uma subscrição nos diferentes concelhos da sua jurisdição, depois a notícia chegou à capital. Em Lisboa, a Revolução de Setembro parece ter sido o primeiro periódico a divulgar o acontecimento, quase um mês depois, mas as providências por parte do Governo tardarão muito mais. Só em Março do ano seguinte, a rainha D. Maria II assina um documento encarregando as comissões de recolherem donativos a favor das vítimas de S. João. Em Dezembro de 1842, os donativos chegavam ainda a Melgaço.


Extraído de:

BATEIRA, Carlos; SOARES, Laura & GARCIA, João Carlos (1997) - O terramoto de S. João (Melgaço) em 1841: um percurso pela geomorfologia histórica. Instituto de Geografia. FLUP. Porto.

3 comentários:

  1. O site acer-pt.org diz: "O fenómeno voltou a repetir-se no inverno de 1996/1997 (cortando a estrada e destruindo um terraço agrícola) e em 2000/2001, “um dos mais pluviosos do séc. XX, o fluxo de detritos foi reactivado tendo destruído a capela construída no ano de 1988, em homenagem às vítimas de 1841” (idem, ibidem)."

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