"De Entre-Douro e Minho, no primeiro sábado deste mês, veio uma
carta em que se avisa que um capitão de infantaria francês, tenente-coronel,
enfadado da suspensão das armas e do grande ódio em que os soldados estavam na
cidade de Braga, por causa do Inverno, deliberou sair em campanha e entrar por
terras dos inimigos, ele só com a sua companhia, para o que foi com muito
segredo, persuadindo aos seus soldados (os quais eram todos portugueses que
vieram da Flandres e da Catalunha; gastou oito ou nove dias em lhes dispor os
ânimos e em prevenir pólvora, balas, corda e tudo o mais que era necessário
para reduzir a acto esta generosa deliberação. E um dia antes do amanhecer deu
traça com ele, e os seus soldados saíram à desfilada e caminharam para Melgaço
e daí foram marchando pela ponte das Varjas até que entraram na Galiza,
destruindo e subvertendo e assolando tudo aquilo que com os olhos descobriam.
Não ficou gado que não fizessem presa nem encontraram pelo caminho homem nenhum
que não rendessem. Com esta bissaria foram avançando e metendo-se pela terra
dentro. Porém, acudiram os inimigos de várias partes e saíram-lhes ao encontro
divididos em dois troços, uns pela vanguarda e outros pela retaguarda. Estes
segundos se meteram pelos matos e, sem serem vistos, nem sentidos, lhes armaram
uma cilada com que lhes cortaram o caminho por onde precisamente haviam de passar
quando tornassem. De modo que se marchavam para diante iam dar nas mãos dos que
investiam pela vanguarda; se se retiravam, era infalível a ruína, pois
metiam-se entre os que cortando-lhes o caminho os esperavam na emboscada; e se
faziam alto sem dúvida ambos os esquadrões os acometiam e seria irremediável a
perdição. Vendo-se o francês neste tão horrível aperto, fez uma prática aos
soldados, representando-lhes o perigo em que a fortuna os havia posto e
exortando-os a que deliberassem a perder antes a vida do que a honra. Não lhe
deixaram os soldados acabar o discurso, porque todos unânimes e conformes se
resolveram a romper aquele esquadrão, que emboscado pretendia tolher-lhes o
passo antes que o outro (que já lhe tocava arma pela vanguarda) lho estorvasse.
Passou o capitão para a retaguarda e logo viraram com muita destreza os soldados
os rostos e foram marchando com tão boa ordem que quando chegaram â emboscada
lhe descompuseram a frente e com a primeira carga, a puras feridas e mortes,
abriram caminho muito antes que chegasse o esquadrão que marchava em seu
alcance. Pisando morto e pondo por terra a todos os que lhe serviam de
embaraço, romperam, penetraram e saíram da filada até que se puseram a salvo
com tanta galhardia e admiração dos inimigos que nem o outro esquadrão, que já
estava perto, se atreveu a segui-los. E o maior assombro que houve nesta
heróica ousadia foi da nossa parte não ter morrido ninguém e somente um soldado
saiu ferido com uma bala no braço esquerdo, o qual se veio curar à cidade de
Braga, onde naquele tempo estava o general Dom Gastão Coutinho. E com este exemplo
deliberaram todos sair em campanha e logo o coronel francês foi para as
fronteiras do Minho."
Extraído de:
- SOUSA, Jorge Pedro (2011) – A Gazeta da Restauração: Primeiro
periódico português – uma análise do discurso. Livros LabCom, Covilhã.
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