sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Por altura da Guerra da Restauração III

MELGAÇO, Março de 1642

Aelber

"De Entre-Douro e Minho, no primeiro sábado deste mês, veio uma carta em que se avisa que um capitão de infantaria francês, tenen­te-coronel, enfadado da suspensão das armas e do grande ódio em que os soldados estavam na cidade de Braga, por causa do Inverno, deliberou sair em campanha e entrar por terras dos inimigos, ele só com a sua companhia, para o que foi com muito segredo, per­suadindo aos seus soldados (os quais eram todos portugueses que vieram da Flandres e da Catalunha; gastou oito ou nove dias em lhes dispor os ânimos e em prevenir pólvora, balas, corda e tudo o mais que era necessário para reduzir a acto esta generosa de­liberação. E um dia antes do amanhecer deu traça com ele, e os seus soldados saíram à desfilada e caminharam para Melgaço e daí foram marchando pela ponte das Varjas até que entraram na Galiza, destruindo e subvertendo e assolando tudo aquilo que com os olhos descobriam. Não ficou gado que não fizessem presa nem encontraram pelo caminho homem nenhum que não rendessem. Com esta bissaria foram avançando e metendo-se pela terra den­tro. Porém, acudiram os inimigos de várias partes e saíram-lhes ao encontro divididos em dois troços, uns pela vanguarda e outros pela retaguarda. Estes segundos se meteram pelos matos e, sem serem vistos, nem sentidos, lhes armaram uma cilada com que lhes cortaram o caminho por onde precisamente haviam de pas­sar quando tornassem. De modo que se marchavam para diante iam dar nas mãos dos que investiam pela vanguarda; se se retira­vam, era infalível a ruína, pois metiam-se entre os que cortando-lhes o caminho os esperavam na emboscada; e se faziam alto sem dúvida ambos os esquadrões os acometiam e seria irremediável a perdição. Vendo-se o francês neste tão horrível aperto, fez uma prática aos soldados, representando-lhes o perigo em que a for­tuna os havia posto e exortando-os a que deliberassem a perder antes a vida do que a honra. Não lhe deixaram os soldados acabar o discurso, porque todos unânimes e conformes se resolveram a romper aquele esquadrão, que emboscado pretendia tolher-lhes o passo antes que o outro (que já lhe tocava arma pela vanguarda) lho estorvasse. Passou o capitão para a retaguarda e logo viraram com muita destreza os soldados os rostos e foram marchando com tão boa ordem que quando chegaram â emboscada lhe descom­puseram a frente e com a primeira carga, a puras feridas e mortes, abriram caminho muito antes que chegasse o esquadrão que marchava em seu alcance. Pisando morto e pondo por terra a todos os que lhe serviam de embaraço, romperam, penetraram e saíram da filada até que se puseram a salvo com tanta galhardia e admiração dos inimigos que nem o outro esquadrão, que já estava perto, se atreveu a segui-los. E o maior assombro que houve nesta heróica ousadia foi da nossa parte não ter morrido ninguém e somente um soldado saiu ferido com uma bala no braço esquerdo, o qual se veio curar à cidade de Braga, onde naquele tempo estava o general Dom Gastão Coutinho. E com este exemplo deliberaram todos sair em campanha e logo o coronel francês foi para as fronteiras do Minho."

Extraído de:

- SOUSA, Jorge Pedro (2011) – A Gazeta da Restauração: Primeiro periódico português – uma análise do discurso. Livros LabCom, Covilhã.

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