As atrocidades cometidas nas aldeias de Melgaço durante a Guerra da Restauração (1641)
Cristóval (Melgaço) na atualidade |
Mais de um século depois da Restauração da
independência portuguesa em 1640, um livro intitulado "História do
Portugal Restaurado", publicado em 1751, conta-nos muitos episódios da
Guerra da Restauração. Entre outras passagens, fala-nos das atrocidades cometidas
pelos soldados portugueses e espanhóis nas povoações raianas de Melgaço e
localidades galegas do outro lado da fronteira no ano de 1641. Aldeias em Paços, Cristóval ou
Castro Laboreiro (Melgaço) foram incendiadas e saqueadas. Era o estalar da Guerra da
Restauração...
O dito livro conta-nos que: "Nestes
dias, andando em Melgaço, rondando as sentinelas junto do rio, o Capitão de
Infantaria Francisco de Gouvea Ferraz, estimulado de ouvir da outra parte do
rio a um soldado galego algumas palavras contra o decoro del rei, se lançou
impetuosamento ao rio, e passando a nado, se achou da outra parte sem oposição,
porque o galego, medroso, do seu lado se retirou, antes que ele chagasse,
podendo facilmente tomar vingança da sua ousadia. Tornou da mesma forma a
voltar a Melgaço, e logrou o merecido aplauso da sua resolução.
De Janeiro até Julho se passou de uma e
outra parte sem mais empresa do que estas primeiras ameaças de guerra. Em Julho
quando se rompeu a guerra no Alentejo, conhecendo El Rei que menear as armas só
para a defesa era multiplicar o perigo, e era a paz que se desejava e que se
havia de conseguir fazendo guerra, ordenou aos governadores para dar armas de
todas as províncias, que entrassem em Castela. Não dilatou D. Gastão a
obediência e deu logo ordem a Frei Luiz Coelho da Sylva, Cavaleiro da Ordem de
S. João, que com a gente de Viana, embarcada numa galeota, duas lanchas e
alguns barcos passasse a queimar a vila da Guardia, situada defronte de
Caminha. Mandou a D. João de Souza, Capitão Mor de Melgaço, que entrasse ao
mesmo tempo pela Ponte das Várzeas (próximo a S. Gregório); António Gonçalves
de Olivença pelo Porto dos Cavaleiros; por Lindoso, Manuel de Souza de Abreu e
pela Portela do Homem, Vasco de Azevedo Coutinho. Todas estas entradas se
executaram em lugares muito distantes uns dos outros e toda esta gente não
levava mais disposição que a do seu valor. Porém ignorar os perigos que
buscava, a fazia mais resoluta, achando a fortuna favorável, que costuma pôr-se
da parte dos temerários. D. Gastão passou à Insula, pouco distante da Guardia,
para observar deste sítio o sucesso dos Vianenses, de que não resultou mais,
que voltarem-se com dois barcos de pescadores. Irritou-se muito D. Gastão deste
desconcerto, como se as disposições desta empresa não insinuaram o sucesso
dela. Na Insula, mandou D. Gastão levantar um reduto, parecendo-lhe sítio
acomodado e que necessitava de segurança. Os mais que entraram em Castela
saquearam e queimaram algumas aldeias e trouxeram despojos, que os obrigou a se
animarem a maiores empresas. Governava o Reino de Galiza, o Marquês de
Val-Paraíso. As prevenções e disciplina daquela parte não excediam muitas muito
as nossas e só havia diferença de se haverem nomeado oficiais, que entendiam a
guerra, de que resultava terem os soldados melhor notícia dela.
Poucos dias depois de retirada a nossa gente, mandou o Marquês
de Val-Paraíso 800 infantes à freguesia de Cristóval (Melgaço), que é na raia
junto ao rio Várzea (rio Trancoso), e queimaram algumas aldeias, sem perdoar o
insulto ao sagrado das igrejas. Passaram à freguesia de Paços que segue a
Cristóval. Acudiu D. João de Sousa e Francisco de Gouveia, o que havia passado
o rio a nado, e trazendo consigo só 70 homens, ocuparam a passagem do rio e
obrigaram os galegos a que se retirassem perdendo 40 homens. Estas entradas,
que pareciam mais de bandoleiros que de soldados, se alternavam de uma e outra
parte com pouca vantagem nos sucessos. Com a notícia da entrada que os galegos
fizeram, tornou D. Gastão a convocar a gente, tornou D. Gastão a convocar a
gente que havia dividido, e deu ordem ao Sargento Mor Simão Pita que entrasse
na Galiza, pela Ponte das Várzeas, e Manuel de Souza de Abreu pelo Porto dos
Cavaleiros. Simão Pita teve notícia que o inimigo engrossava por aquela parte o
poder, e susteve a entrada. Manual de Souza passou o Porto dos Cavaleiros com
três mil infantes e 40 cavalos e sabendo que o inimigo ocupava o lugar do Facho
(Cristóval), por onde forçosamente havia de passar, mandou avançar António
Gonçalves de Olivença com 400 infantes a desalojar os galegos, que se achavam
com 400 infantes e 150 cavalos. Investiu-os valorosamente António Gonçalves e
obrigou-os a se retirarem.
Sem embargo desta desordem, marchou Manuel de Sousa para o lugar
de Monte Redondo (Padrenda), grande, rico e fortificado, com duas companhias
pagas e outras da ordenança que guarneceu. Chegando ao lugar, mandou avançar as
trincheiras pelos Capitães D. Vasco Coutinho, Cristovão Mouzinho e Luíz de
Brito, entraram valorosamente e queimaram o lugar à custa das vidas de muitos
galegos. A pressa, e o exemplo da gente de António Gonçalves inculcou a
desordem porque muitos dos portugueses, que sabiam as veredas, se retiraram
para suas casas com os despojos que colheram. Os galegos que saíram do lugar
ocuparam a aspereza de um monte, que era o caminho por onde Manuel de Sousa
forçosamente havia de passar. Vendo ele que era necessário vencer esta
dificuldade, deu ordem a que avançasse toda a gente a desocupar aqueles sítio e
não havendo melhor disciplina que a da competência, disse que aquele que
chegasse primeiro, lograria o aplauso daquela ocasião. O valor de todos
dissimulou este desconcerto. Porque avançando intrépidos por todas as partes,
obrigaram os galegos com morte de alguns a largarem o posto. Aos que se
retiravam, se uniram outros, que dos lugares vizinhos acudiram ao rebate e
chagando ao número de mil infantes e 200 cavalos, e se formaram num vale,
mostrando que desejavam pelejar. Facilmente lograram intento, se Manuel de
Sousa se não achara com menos duas partes da gente que havia levado à empresa.
Retirou-se queimando de caminho algumas aldeias. D. Gastão não estimou tanto o
bom sucesso, como sentiu a desordem dos que se retiraram e castigando os que
tiveram culpa e dando prémios aos que procederam com acerto, foi pouco a pouco
reduzindo a melhor forma a gente daquela província e ao mesmo passo que
ensinava, aprendia. Porém aqueles a que sucede serem primeiro generais que
soldados, dificilmente saem grandes mestres na escola militar.
Dois dias depois do sucesso referido, entrou o inimigo pelo
Porto dos Cavaleiros com dois mil infantes e 300 cavalos e derrotou os Capitães
António de Barros, que com duas companhias pagas, guardavam aquele porto.
Vindo-se retirando os socorreu a Capitão Mathias Ozório, a que dava apoio o
Sargento Mor Simão Pita. Fizeram alto os galegos com perda de alguns oficiais e
os soldados voltaram sobre o concelho de Laboreiro, e o lugar de Alcobaça, que
destruíram e queimaram. A nossa infantaria recolheu ao Convento de Fiães de
frades de S. Bernardo que com esta guarnição ficou livre dos danos que os
galegos determinavam fazer-lhe."
A guerra, essa, apenas acabara de começar... (CONTINUA)
Extraído de: MENEZES, Luiz de (1751) – História de Portugal Restaurado. Tomo I; Oficcina de Domingos Rodrigues; Lisboa.
Boas amigo Valter Parabéns mais uma vez pelo blogue, pois é de uma riqueza extraordinária. Merecedor da publicação de um livro. Pois em muito irá enriquecer ainda mais Melgaço. Grande abraço.
ResponderEliminarBoas amigo Valter Parabéns mais uma vez pelo blogue, pois é de uma riqueza extraordinária. Merecedor da publicação de um livro. Pois em muito irá enriquecer ainda mais Melgaço. Grande abraço.
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