sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A Guerra da Restauração nas fronteiras de Melgaço (Parte 1)

As atrocidades cometidas nas aldeias de Melgaço durante a Guerra da Restauração (1641)

Cristóval (Melgaço) na atualidade
Mais de um século depois da Restauração da independência portuguesa em 1640, um livro intitulado "História do Portugal Restaurado", publicado em 1751, conta-nos muitos episódios da Guerra da Restauração. Entre outras passagens, fala-nos das atrocidades cometidas pelos soldados portugueses e espanhóis nas povoações raianas de Melgaço e localidades galegas do outro lado da fronteira no ano de 1641. Aldeias em Paços, Cristóval ou Castro Laboreiro (Melgaço) foram incendiadas e saqueadas. Era o estalar da Guerra da Restauração...
O dito livro conta-nos que: "Nestes dias, andando em Melgaço, rondando as sentinelas junto do rio, o Capitão de Infantaria Francisco de Gouvea Ferraz, estimulado de ouvir da outra parte do rio a um soldado galego algumas palavras contra o decoro del rei, se lançou impetuosamento ao rio, e passando a nado, se achou da outra parte sem oposição, porque o galego, medroso, do seu lado se retirou, antes que ele chagasse, podendo facilmente tomar vingança da sua ousadia. Tornou da mesma forma a voltar a Melgaço, e logrou o merecido aplauso da sua resolução.
De Janeiro até Julho se passou de uma e outra parte sem mais empresa do que estas primeiras ameaças de guerra. Em Julho quando se rompeu a guerra no Alentejo, conhecendo El Rei que menear as armas só para a defesa era multiplicar o perigo, e era a paz que se desejava e que se havia de conseguir fazendo guerra, ordenou aos governadores para dar armas de todas as províncias, que entrassem em Castela. Não dilatou D. Gastão a obediência e deu logo ordem a Frei Luiz Coelho da Sylva, Cavaleiro da Ordem de S. João, que com a gente de Viana, embarcada numa galeota, duas lanchas e alguns barcos passasse a queimar a vila da Guardia, situada defronte de Caminha. Mandou a D. João de Souza, Capitão Mor de Melgaço, que entrasse ao mesmo tempo pela Ponte das Várzeas (próximo a S. Gregório); António Gonçalves de Olivença pelo Porto dos Cavaleiros; por Lindoso, Manuel de Souza de Abreu e pela Portela do Homem, Vasco de Azevedo Coutinho. Todas estas entradas se executaram em lugares muito distantes uns dos outros e toda esta gente não levava mais disposição que a do seu valor. Porém ignorar os perigos que buscava, a fazia mais resoluta, achando a fortuna favorável, que costuma pôr-se da parte dos temerários. D. Gastão passou à Insula, pouco distante da Guardia, para observar deste sítio o sucesso dos Vianenses, de que não resultou mais, que voltarem-se com dois barcos de pescadores. Irritou-se muito D. Gastão deste desconcerto, como se as disposições desta empresa não insinuaram o sucesso dela. Na Insula, mandou D. Gastão levantar um reduto, parecendo-lhe sítio acomodado e que necessitava de segurança. Os mais que entraram em Castela saquearam e queimaram algumas aldeias e trouxeram despojos, que os obrigou a se animarem a maiores empresas. Governava o Reino de Galiza, o Marquês de Val-Paraíso. As prevenções e disciplina daquela parte não excediam muitas muito as nossas e só havia diferença de se haverem nomeado oficiais, que entendiam a guerra, de que resultava terem os soldados melhor notícia dela.
Poucos dias depois de retirada a nossa gente, mandou o Marquês de Val-Paraíso 800 infantes à freguesia de Cristóval (Melgaço), que é na raia junto ao rio Várzea (rio Trancoso), e queimaram algumas aldeias, sem perdoar o insulto ao sagrado das igrejas. Passaram à freguesia de Paços que segue a Cristóval. Acudiu D. João de Sousa e Francisco de Gouveia, o que havia passado o rio a nado, e trazendo consigo só 70 homens, ocuparam a passagem do rio e obrigaram os galegos a que se retirassem perdendo 40 homens. Estas entradas, que pareciam mais de bandoleiros que de soldados, se alternavam de uma e outra parte com pouca vantagem nos sucessos. Com a notícia da entrada que os galegos fizeram, tornou D. Gastão a convocar a gente, tornou D. Gastão a convocar a gente que havia dividido, e deu ordem ao Sargento Mor Simão Pita que entrasse na Galiza, pela Ponte das Várzeas, e Manuel de Souza de Abreu pelo Porto dos Cavaleiros. Simão Pita teve notícia que o inimigo engrossava por aquela parte o poder, e susteve a entrada. Manual de Souza passou o Porto dos Cavaleiros com três mil infantes e 40 cavalos e sabendo que o inimigo ocupava o lugar do Facho (Cristóval), por onde forçosamente havia de passar, mandou avançar António Gonçalves de Olivença com 400 infantes a desalojar os galegos, que se achavam com 400 infantes e 150 cavalos. Investiu-os valorosamente António Gonçalves e obrigou-os a se retirarem.
Sem embargo desta desordem, marchou Manuel de Sousa para o lugar de Monte Redondo (Padrenda), grande, rico e fortificado, com duas companhias pagas e outras da ordenança que guarneceu. Chegando ao lugar, mandou avançar as trincheiras pelos Capitães D. Vasco Coutinho, Cristovão Mouzinho e Luíz de Brito, entraram valorosamente e queimaram o lugar à custa das vidas de muitos galegos. A pressa, e o exemplo da gente de António Gonçalves inculcou a desordem porque muitos dos portugueses, que sabiam as veredas, se retiraram para suas casas com os despojos que colheram. Os galegos que saíram do lugar ocuparam a aspereza de um monte, que era o caminho por onde Manuel de Sousa forçosamente havia de passar. Vendo ele que era necessário vencer esta dificuldade, deu ordem a que avançasse toda a gente a desocupar aqueles sítio e não havendo melhor disciplina que a da competência, disse que aquele que chegasse primeiro, lograria o aplauso daquela ocasião. O valor de todos dissimulou este desconcerto. Porque avançando intrépidos por todas as partes, obrigaram os galegos com morte de alguns a largarem o posto. Aos que se retiravam, se uniram outros, que dos lugares vizinhos acudiram ao rebate e chagando ao número de mil infantes e 200 cavalos, e se formaram num vale, mostrando que desejavam pelejar. Facilmente lograram intento, se Manuel de Sousa se não achara com menos duas partes da gente que havia levado à empresa. Retirou-se queimando de caminho algumas aldeias. D. Gastão não estimou tanto o bom sucesso, como sentiu a desordem dos que se retiraram e castigando os que tiveram culpa e dando prémios aos que procederam com acerto, foi pouco a pouco reduzindo a melhor forma a gente daquela província e ao mesmo passo que ensinava, aprendia. Porém aqueles a que sucede serem primeiro generais que soldados, dificilmente saem grandes mestres na escola militar.
Dois dias depois do sucesso referido, entrou o inimigo pelo Porto dos Cavaleiros com dois mil infantes e 300 cavalos e derrotou os Capitães António de Barros, que com duas companhias pagas, guardavam aquele porto. Vindo-se retirando os socorreu a Capitão Mathias Ozório, a que dava apoio o Sargento Mor Simão Pita. Fizeram alto os galegos com perda de alguns oficiais e os soldados voltaram sobre o concelho de Laboreiro, e o lugar de Alcobaça, que destruíram e queimaram. A nossa infantaria recolheu ao Convento de Fiães de frades de S. Bernardo que com esta guarnição ficou livre dos danos que os galegos determinavam fazer-lhe."
A guerra, essa, apenas acabara de começar...  (CONTINUA)

Extraído de: MENEZES, Luiz de (1751) – História de Portugal Restaurado. Tomo I; Oficcina de Domingos Rodrigues; Lisboa.

2 comentários:

  1. Boas amigo Valter Parabéns mais uma vez pelo blogue, pois é de uma riqueza extraordinária. Merecedor da publicação de um livro. Pois em muito irá enriquecer ainda mais Melgaço. Grande abraço.

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  2. Boas amigo Valter Parabéns mais uma vez pelo blogue, pois é de uma riqueza extraordinária. Merecedor da publicação de um livro. Pois em muito irá enriquecer ainda mais Melgaço. Grande abraço.

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