domingo, 28 de agosto de 2016

A Guerra da Restauração nas fronteiras de Melgaço (Parte II)

S. Gregório (Cristoval - Melgaço)
(Foto em coxo-melgaco.blogspot.com)
A Guerra da Restauração (1640-1668) foi um conflito que opôs Portugal e Espanha na sequência do golpe de 1 de Dezembro de 1640 que restabeleceu o nosso país como país independente. Na fronteiras de Melgaço e áreas envolventes foram travados duros combates entre os exércitos dos dois países. Aldeias de Cristóval, Paços, Fiães ou Castro Laboreiro foram incendiadas e saqueadas retribuindo os portugueses na mesma forma em aldeias galegas. Depois das primeiras escaramuças, os espanhóis constroem uma fortificação em Padrenda sediando ali a sua Praça de Armas de forma a melhor defender a linha de fronteira da raia seca, por onde os portugueses realizaram várias incursões em território espanhol. Estes episódios são contados no livro “História do Portugal Restaurado” publicado em 1751 onde podemos ler: “O Marquês de Val-Paraíso, governador da Galiza à época, considerando a sua experiência militar e o que mais convinha à defesa da Galiza e de que podia resultar maior dano a Portugal, elegeu para Praça de Armas o lugar de Padrenda, situada entre o Porto dos Cavaleiros (Lamas de Mouro) e a Ponte das Várzeas (junto a S. Gregório), lugares por onde a nossa gente mais continuadamente costumava entrar na Galiza. Do Porto dos Cavaleiros e Ponte das Várzeas que ficavam em dois lados opostos de Padrenda em distância de légua e meia, fez levantar redutos, conforme as capacidades dos sítios e tão vizinhos que uns a outros se defendiam, animando a todos um grande forte que guarneciam 600 infantes. Para dar fim a este trabalho, se alojou o Marquês em Padrenda com seis mil infantes e 600 cavalos, entendendo que aperfeiçoada esta obra, seria fácil a segurança dos lugares que governava, e infalível a sua ruína dos que pretendiam conquistar. Dom Gastão (que comandava a tropa portuguesa neste setor), tendo aviso deste novo intento do inimigo, reconhecendo o perigo de se conseguir, se resolveu a procurar todos os caminhos de o atalhar, e usando dos meios pouco proporcionais que naquele tempo dispensavam a confusão e falta de experiência. Animou-se com a resolução, a temecidade, ainda que a todos parece o valor imprudente de querer atacar fortificações bem fabricadas e melhor guarnecidas com um trapel de gente sem forma nem obediência, com poucas munições e menos bastimentos e sem mais instrumentos de expugnação que duas ligeiras peças de artilharia. Mas como Deus quiz sempre manifestar entre os nossos a sua misericórdia, não argumentem os que sabem os preceitos da guerra, lendo esta história, a causa das nossa fortunas. Tratem só de lhe dar crédito, na fé de que em nenhum século, e de outra nação, se escreveu até este tempo história mais verdadeira,  porque sem receio, sem ódio, e sem afeição escrevo em umas partes o que vi, em outras o que observarão todos aqueles com que trato e com quem confiro todas as matérias que escrevo.
Resoluto, D. Gastão a atacar o forte de Padrenda, e os redutos sem artifício nem dissimulação, convocou a gente de toda a província. Confiava a que se havia alistado para ser paga, uns quatro mil homens. Porém na disciplina, não havia diferença alguma porque ainda que algumas companhias estavam formadas, não se tinham dividido em terços e todo o corpo junto não era mais que um tumulto de gente valorosa. A maior parte da infantaria paga foi entregue por D. Gastão à ordem de Lopo Pereira de Lima, cavaleiro da Ordem de Malta a que assistia seu irmão Diogo de Melo da mesma Religião e Capitão Mor de Barcelos, alojados ambos em Lamas de Mouro, lugar vizinho ao Porto dos Cavaleiros. Com esta notícia, apressou o inimigo o trabalho e em quatro dias reduziu a obra de defesa. D. Gastão, com outro troço, ficou alojado na Ponte das Várzeas (Cristóval) e para que o inimigo divertisse o poder que tinha junto, mandou entrar na Galiza pela Portela do Homem a Vasco de Azevedo Coutinho e por Lindoso a Manuel de Sousa de Abreu, ordenando-lhes, que segunda feira, nove de Setembro, entrassem na Galiza. No mesmo dia ao amanhecer, dividiu D. Gastão a infantaria em três troços e levantando uma plataforma, fez jogar as duas peças de artilharia que levava, contra o reduto da Ponte da Várzeas (junto a Ponte Barxas) e foram de grande efeito, recebendo o inimigo considerável dano. Os três troços, que governavam Lourenço de Morim, Sargento Mor de Caminha e os Capitães Gaspar Casado Manuel e Martim Coelho Vieira, com grande valor e pouca ordem, superando o embargo de algumas estacadas, avançaram três redutos, e entraram ao mesmo tempo, degolando os soldados que os guarneciam. Ficando aberto o caminho para Monte Redondo, que os galegos haviam reparado, se retiraram os que fugiram para este lugar que ficava vizinho. Depois de arruinados os redutos galegos, os portugueses investiram contra as trincheiras de Monte Redondo, e desemparando o inimigo, entraram no lugar e saquearam-no uma segunda vez. O mesmo fizeram a algumas aldeias que ficavam pouco distantes. Os galegos acudiram àquela parte com três mil infantes e 400 cavalos e achando a gente carregada de despojos, avançaram com resolução e os soldados da ordenança, não querendo pôr em contingência o que haviam roubado, voltaram as costas, não valendo a D. Gastão as grandes diligências que fez para os deter na Ponte das Várzeas. Os oficiais e 500 soldados que ficaram, fizeram rosto ao inimigo e valendo-lhe a aspereza do sítio, se vieram retirando pelas veredas mais estreitas, e deixando 15 soldados mortos e dez prisioneiros, conseguiram valorosamente passar a Ponte das Várzeas sem maior dano. D. Gastão estimulado pela desordem e do mau sucesso, unindo a esta gente alguma que havia detido, logo que amanheceu, tornou a passar a ponte (junto a S. Gregório) e acabou de desfazer todos os redutos e trincheiras o que se conseguiu com tanta diligência que quando os galegos, que não esperavam segunda incursão e acudiram, já os redutos estavam desfeitos. Sem receberem dano, se retiraram à sua vila os nosso soldados. Diogo de Melo e Lopo Pereira, destinados contra os redutos do Porto dos Cavaleiros, juntaram cinco mil infantes e foram alojar-se com eles à vista deste lugar. Nesse dia, apareceu um velho de 70 anos, ao qual perguntando-lhe para o que fora chamado, respondeu que para o ataque daquelas fortificações. O Mestre de Campo António Solis, cabo daquele troço, tornou a remeter o velho para os Maltezes com uma carta, em que dizia que aquele homem fora colhido, e que constando da sua confissão, que era chamado para uma empresa tão galharda, como a de investir contra aquelas fortificações, não queria que se mal lograsse por falta de um soldado de tanta importância, e acrescentava a esta zombaria outras palavras exorbitantes. Teve esta carta resposta com maiores aprobios e à segunda feira executaram os Maltezes (Cavaleiros de Malta) a ordem de investir contra o forte e outros redutos, que era o mesmo dia em que D. Gastão tinha logrado o sucesso referido. Dividindo-se a infantaria em dois troços, dos quais eram cabos os dois irmãos: ao que governava Lopo Pereira, dava apoio o seu irmão António Pereira de Lima com 80 cavalos. Marchou este troço pela parte de Alcobaça e atacou o forte e redutos do sítio da Costa. Diogo de Melo escolheu para atacar o redutos e forte da serra, a empresa mais duvidosa, por ser um sítio mais áspero, o forte maior, e os redutos melhor defendidos e ter o inimigo formado da outra parte da serra, três mil infantes e 200 cavalos para defender o assalto. Conhecendo Diogo de Melo o risco desta empresa se uniu a seus irmãos e formou um corpo de mil infantes que entregou ao Sargento Mor Simão Pita com ordem para que ataque os redutos que primeiro corriam por conta de Lopo Pereira. Feita esta divisão com 4000 infantes e 80 cavalos, deu volta Diogo de Melo ao lugar de Chão de Castro e lançando 500 mosqueteiros por cada um dos lados da serra, com a mais gente ganhou a eminência por entre nuvens de balas e valendo-se da coragem dos soldados, investiu num reduto que os galegos, sem esperar o assalto, desempararam. Favorecidos da mosquetaria dos outros redutos, se recolheram ao forte que estava no alto da serra. Com pouco mais trabalho ganhou Diogo de Melo os outros redutos e seguindo a vitória chegou junto do forte. A grande guarnição que estava nele, entrando-lhe o receio antes de experimentar as feridas, largou o forte sem ter respeito aos oficiais que, ora com rogos, ora com estocadas pretendia detê-la. Mas como ordinariamente nos nossos conflitos em que se acham ânimos covardes, o receio excede ao perigo, se deixaram os galegos matar pelos seus capitães, para não chegar às mãos dos nossos soldados. Entraram eles no forte, de que resultaram muitas mortes. Os Maltezes, tendo logrado a vitória e os galegos, que estavam formados, desemparando o sítio que ocupavam, marcharam para formarem em sitio mais distante. Diogo de Melo com muito acordo mandou tocar a recolher.”


Extraído de: MENEZES, Luiz de (1751) – História de Portugal Restaurado. Tomo I; Oficcina de Domingos Rodrigues; Lisboa.

Para ler a "A Guerra da Restauração nas fronteiras de Melgaço" PARTE I, CLIQUE AQUI

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