O
cruzeiro que hoje podemos contemplar junto à capela de S. Julião,
nos arredores da vila de Melgaço, não se encontra na sua
localização de origem nem tem qualquer relação com a dita capela.
O citado cruzeiro tem cerca de 500 anos de antiguidade e esteve
durante cerca de dois séculos nas Carvalhiças, no chamado Côto da
Pedreira, a sua localização de origem, de onde foi removido para o
Campo da Feira de Fora para que lá se construísse a capela de Nossa
Senhora da Pastoriza no início do século XVIII. Todas as procissões
da vila iam lá dar a volta e em documentos antigos é citado como o
cruzeiro da vila de Melgaço.
O
saudoso Augusto César Esteves, no jornal “Notícias de Melgaço”,
conta-nos mais acerca deste cruzeiro e de como ele foi parar ao largo
da capela de S. Julião : “No pequeno alfoz da sua freguesia
quatro cruzeiros houve outrora Melgaço e embora alguns tenham sido
mudados de local, ainda hoje todos se conservam eretos à veneração
dos fiéis. Um, e é o principal por mais lindo, mais trabalhado e
mais artístico, tem a forma da Piedade, pois numa das
faces da cruz está esculpida a imagem de Cristo crucificado e na
outra a de Nossa Senhora com o filho morto deitado no regaço.
Representa o descimento da cruz. A coluna esbelta, elegante, está
lavrada com alguns primores de arte e na base tem esculpida a figura
da morte, representada por caveira humana.
Ignora-se
infelizmente o nome do artista lavrante e o do quem lhe encomendou ou
pagou o primoroso trabalho, pois no referido monumento nem a mais
escassa informação se colhe. Em 1779 estava erguido no Campo da
Feira de Fora, junto de uma morada de casas, cuja escadaria exterior
dificultava a passagem das procissões à sua volta. Depois foi
mudado para o Campo da Feira de Dentro e ficou mais ou menos no
centro do largo.
Daqui
o transferiu a junta de paróquia em 1867 para o adro da capela de
São Julião, onde ainda hoje se conserva exposto à veneração de
todos os fiéis, tendo sido declarado há anos monumento nacional. É
este o cruzeiro da vila.
Assim
foi conhecido sempre e ainda hoje essa designação tem e lhe
pertence. Vem de longe, do século XVII, se é que não foi
trabalhado nos fins do século XVI por qualquer daqueles artistas
trazidos à terra pelo juiz de fora Gil Gonçalves Leitão para
fazerem muitas coisas aqui não havidas e talvez nem sonhadas.
E
isto se avança porque este cruzeiro estava situado no Coto da
Pedreira, que era monte baldio pertencente à Câmara do termo, ali à
entrada das Carvalhiças, e outro cruzeiro assim não havia. De mais
a mais quando em 1703 Frei Domingos Gomes de Abreu quis erguer uma
capela em honra de Nossa Senhora da Pastoriza escreveu em
requerimento estas palavras, aliás com aparência de serem
descabidas ao intento: «…quer este fazer-lhe a capela no Coto da
Pedreira desta freguesia por ser lugar público onde costumam irem os
clamores desta vila não havendo neste lugar mais do que uma cruz…»
Mas
esta cruz era o cruzeiro da vila. Quem o diz nesse processo
organizado na Mitra bracarense são os sucessivos párocos da vila
então no uso do múnus de cura de almas: o P. João Dias dos Santos
e o P. António Soares Falcão.
Aquele
fá-lo por estas palavras: «…Digo que ao sítio vamos com as
ladainhas aonde está o Cruzeiro desta vila fora da muralha…»
E
este assim o diz: «Pretende o instituidor edificar a capela de que
fez promessa no sítio chamado o Coto da Pedreira, que fica extra
muros desta vila, onde está um cruzeiro ao qual vão em procissão
nas ladainhas…»
Ora
como a capela da Nossa Senhora da Pastoriza ocupou o sítio do
Cruzeiro e as obras da construção, por circunstâncias várias, só
vieram a fazer-se entre 1725 e 1727 esta obra nova acabou por impor a
mudança do cruzeiro. Foi, possivelmente, por esta época que o
Cruzeiro da vila veio das Carvalhiças para o local assinalado por
documentos conhecidos, mas muito mais recentes: o Campo da Feira de
Fora.”
Trata-se,
como já foi referido, de um cruzeiro da vila de construção
quinhentista de assinalável qualidade e feitura erudita. Possui base
esculpida com uma caveira, numa alusão ao Monte Gólgota, local de
crucificação de Cristo, fuste galbado, com o terço inferior liso e
o restante estriado com decoração boleada, capitel de acantos e
cruz terminada em botão com representação escultórica em ambas as
faces. Na face frontal tem a imagem de Cristo, numa figuração
naturalista e de pés sobrepostos, e na face oposta, a Pietá, de
acentuado dramatismo. A representação de Cristo, a decoração do
capitel e do fuste, surgem copiadas num outro cruzeiro de
características populares erguido na mesma vila, em local não
distante daquele onde este cruzeiro poderia estar colocado antes de
ser trasladado para São Julião.
Informações
extraídas de:
-ESTEVES,
Augusto C. (2003) - Obras Completas. Nas páginas do Notícias de
Melgaço. Volume I, Tomo 2; Edição da Câmara Municipal de Melgaço.
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