sexta-feira, 3 de maio de 2019

Notícias de uma carpeada de há 100 anos atrás em Castro Laboreiro




A carpeada é uma tradição muito antiga e que consiste no processo de transformação da lã depois de tosquiada e lavada, até à obtenção do fio. Em Castro Laboreiro, em tempos antigos, uma carpeada era uma autêntica festa. Além do trabalho com a lã que era feito pelas mulheres, havia o convívio, os namoricos, a música tradicional e as danças até altas horas e muito mais...
Há cerca de 100 anos, no jornal castrejo “A Neve”, na sua edição de 25 de Novembro de 1920, o autor do texto conta-nos como era uma carpeada na época em terras de Castro Laboreiro: “Uma noite passada, talvez às 9 horas, se não me engano, sentindo passar diversos rapazes pelo caminho próximo a minha casa, lembrei-me que tinha sido convidado juntamente com diversos conterrâneos, para assistir a uma carpeada que se realiza numa casa do lugar.
Eis que chegam os rapazes devidamente preparados para dali a instantes, na carpeada, conquistar a afeição das donzelas que todos nós esperavam. Dirigimo-nos ao edifício do “Primavera Sport Club”, ponto da reunião para a partida.
Fizeram-se ouvir os primeiros sons de concertina acompanhados por diversos instrumentos de corda, formando no conjunto uma harmoniosa orquestra que seria a música que deliciaria com o seu lindo e variado programa os ouvidos das castas donzelas que sentadas em volta duma sala, carpeavam a lã das ovelhas que nesta terra se criam em grande número.
Eis-nos transpondo o lumiar da casa.
Que comoção, sentindo cair sobre nós os meigos olhares daquelas raparigas aquém nós tanto amávamos!
Parou o concerto e a conversa generalizou-se por todos sendo apenas recortada às vezes para ouvir silenciosamente uma peça de música executada brilhantemente a solo pelo nosso bom amigo e inteligente administrador de “A Neve”, Sr. J. A. A. Carabel.
Terminada esta, no meio do merecido aplauso da assembleia, principiava outra vez a conversa amorosa entre os namorados que alegremente se contemplavam à luz dos gasómetros. Eis que soa a meia-noite no relógio da casa, pois a Ex.ma Câmara não tem verba (?) para nos dar um relógio para uso do público.
A lã, que há-de servir para fabricar parte do vestuário da família sua possuidora estava pronta, graças ao trabalho infatigável dessas adoradas meninas, que agora depois de servido um suculento repasto se divertiram bailando com aqueles que, quem sabe, um dia serão os seus companheiros inseparáveis.
Agora já não é unicamente o Sr. J. A. Carabel que nos delicia com as suas agradáveis músicas. Os tocadores revezam-se para todos poderem gozar dançando com o seu anjo estremecido.
Tudo alegre! Que felicidade reina entre nós! Como nós nos sentimos felizes longe do mundo, embora nestas ásperas montanhas!
É que aqui o céu é mais límpido, o ar é mais puro e a gente não é tão traidora para com os seus semelhantes.
Só o romper da aurora é que veio acordar estes seres hipnotizados pelo amor e pela música, fazendo perceber que eram horas de terminar, para dali a instantes, depois de descansar uns curtos momentos, ir à igreja ouvir a missa do domingo.
Eis-nos saindo a porta da casa da carpeada ao som duma triste melodia acompanhada a canto pelos rapazes e raparigas, retirando para suas casas.
Como esta última quadra me ficou profundamente gravada na memória, embora já a conhecesse por ser uma quadra muito popular!

Esta modinha das três
Esta modinha das quatro
Aqui anda o meu amor
Aqui anda o meu retrato.”

Porque seria então que tanto me impressionou?
Não sei. Muitas vezes a ouvi: mas só esta é que ma gravou profundamente na minha alma. Talvez fosse por significar a imagem querida que constantemente me acompanha.
Castro Laboreiro, 20-11-2019”.



Extraído de: Jornal “A Neve”, edição de 25 de Novembro de 1920.

1 comentário: