A
carpeada é uma tradição muito antiga e que consiste no processo de
transformação da lã depois de tosquiada e lavada, até à obtenção
do fio. Em Castro Laboreiro, em tempos antigos, uma carpeada era uma
autêntica festa. Além do trabalho com a lã que era feito pelas
mulheres, havia o convívio, os namoricos, a música
tradicional e as danças até altas horas e muito mais...
Há
cerca de 100 anos, no jornal castrejo “A Neve”, na sua edição
de 25 de Novembro de 1920, o autor do texto conta-nos como era uma
carpeada na época em terras de Castro Laboreiro: “Uma noite
passada, talvez às 9 horas, se não me engano, sentindo passar
diversos rapazes pelo caminho próximo a minha casa, lembrei-me que
tinha sido convidado juntamente com diversos conterrâneos, para
assistir a uma carpeada que se realiza numa casa do lugar.
Eis
que chegam os rapazes devidamente preparados para dali a instantes,
na carpeada, conquistar a afeição das donzelas que todos nós
esperavam. Dirigimo-nos ao edifício do “Primavera Sport Club”,
ponto da reunião para a partida.
Fizeram-se
ouvir os primeiros sons de concertina acompanhados por diversos
instrumentos de corda, formando no conjunto uma harmoniosa orquestra
que seria a música que deliciaria com o seu lindo e variado programa
os ouvidos das castas donzelas que sentadas em volta duma sala,
carpeavam a lã das ovelhas que nesta terra se criam em grande
número.
Eis-nos
transpondo o lumiar da casa.
Que
comoção, sentindo cair sobre nós os meigos olhares daquelas
raparigas aquém nós tanto amávamos!
Parou
o concerto e a conversa generalizou-se por todos sendo apenas
recortada às vezes para ouvir silenciosamente uma peça de música
executada brilhantemente a solo pelo nosso bom amigo e inteligente
administrador de “A Neve”, Sr. J. A. A. Carabel.
Terminada
esta, no meio do merecido aplauso da assembleia, principiava outra
vez a conversa amorosa entre os namorados que alegremente se
contemplavam à luz dos gasómetros. Eis que soa a meia-noite no
relógio da casa, pois a Ex.ma Câmara não tem verba (?) para nos
dar um relógio para uso do público.
A
lã, que há-de servir para fabricar parte do vestuário da família
sua possuidora estava pronta, graças ao trabalho infatigável dessas
adoradas meninas, que agora depois de servido um suculento repasto se
divertiram bailando com aqueles que, quem sabe, um dia serão os seus
companheiros inseparáveis.
Agora
já não é unicamente o Sr. J. A. Carabel que nos delicia com as
suas agradáveis músicas. Os tocadores revezam-se para todos poderem
gozar dançando com o seu anjo estremecido.
Tudo
alegre! Que felicidade reina entre nós! Como nós nos sentimos
felizes longe do mundo, embora nestas ásperas montanhas!
É
que aqui o céu é mais límpido, o ar é mais puro e a gente não é
tão traidora para com os seus semelhantes.
Só
o romper da aurora é que veio acordar estes seres hipnotizados pelo
amor e pela música, fazendo perceber que eram horas de terminar,
para dali a instantes, depois de descansar uns curtos momentos, ir à
igreja ouvir a missa do domingo.
Eis-nos
saindo a porta da casa da carpeada ao som duma triste melodia
acompanhada a canto pelos rapazes e raparigas, retirando para suas
casas.
Como
esta última quadra me ficou profundamente gravada na memória,
embora já a conhecesse por ser uma quadra muito popular!
“Esta
modinha das três
Esta
modinha das quatro
Aqui
anda o meu amor
Aqui
anda o meu retrato.”
Porque
seria então que tanto me impressionou?
Não
sei. Muitas vezes a ouvi: mas só esta é que ma gravou profundamente
na minha alma. Talvez fosse por significar a imagem querida que
constantemente me acompanha.
Castro
Laboreiro, 20-11-2019”.
Extraído
de: Jornal “A Neve”, edição de 25 de Novembro de 1920.
Em algumas localidades chamavam " Fiadas"
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