sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A paróquia de S. Martinho de Cristoval (Melgaço) em meados do século XVIII



S. Martinho de Cristóval é uma paróquia muito antiga do concelho de Melgaço. Na lista das igrejas situadas no território de Entre Lima e Minho, elaborada por ocasião das inquirições de D. Afonso III, em 1258, São Martinho de Cristóval é citada como uma das igrejas subordinadas ao bispado de Tui. 
Em 1444, o rei D. João I conseguiu do Papa que este território fosse desmembrado do bispado de Tui, passando a pertencer ao bispado de Ceuta, onde se manteve até 1512. Neste ano, o arcebispo de Braga, D. Diogo de Sousa, deu a D. Henrique, bispo de Ceuta, a comarca eclesiástica de Olivença, recebendo em troca a de Valença do Minho. Em 1513, o Papa Leão X aprovou a permuta.
No registo da avaliação dos benefícios da comarca eclesiástica de Valença do Minho, feito em 1546, São Martinho de Cristóval situava-se na Terra da vila de Melgaço. 
Na cópia de 1580 do Censual de D. Frei Baltasar Limpo sobre a situação canónica destes benefícios, São Martinho de Cristóval figura na Terra de Melgaço, como sendo da colação do arcebispo. 
Para conhecermos esta paróquia, em meados do século XVIII, podemos recorrer às memórias paroquiais de 1758 que nos dão bastantes pistas para compreendermos a realidade da terra.  Segundo o Pároco da época, o Abade Duarte Cerqueira Araújo,  a paróquia de S. Martinho de Cristóval, fica situada “nos confins da província do Minho,  Reino de Portugal (…) partindo com a Galiza por duas partes como se por todo o andar do Nascente para o Norte e do Norte para o Poente (…), deste “Arcebispado de Braga”.
O abade diz-nos que em Cristóval havia, em 1758, cento e oitenta fogos, ou seja, casas de família, sendo que é referido pelo pároco que 583 fregueses são “mayores de ambos os sacramentos”, enquanto que os “menores são quarenta e sete”.  A expressão “mayores de ambos os sacramentos” refere-se à idade em que as crianças praticam pela primeira vez a confissão e recebem a primeira comunhão que nesta época seria, por norma, aos 7 anos.
O pároco indica-nos o número de fogos por lugar nesta paróquia. Apesar da sua escrita algo maçuda, escreve com bastante pormenor em termos da quantidade de informações que nos deixou. Assim, na época, a paróquia era composta pelos seguintes lugares de “Cebide, de três moradores, um deles principal a que pertence a sua antiga capela que tem no mesmo lugar que é de Santo António, e dali seguindo as vertentes desta freguesia para o dito regato tem mais o lugar de  Sam Gregório com uma capela antiga do mesmo santo e com vinte vizinhos (fogos), por onde é a estrada deste Reino de Portugal para a Galiza passando-se o regato por uma ponte de táboa que chamam a Ponte das Varges. Tem depois o lugar do Cotto com cinco vizinhos e depois o lugar da Calçada com três, depois o lugar da Aldeia de Soutello com quatro, depois o lugar da Aldeia do Soutto com quatro, depois o lugar de Ramo com sete vizinhos, depois o lugar da Soalheira com três, depois o lugar de Subcastello, com cinco, depois o lugar de Doma com dez moradores ou vizinhos, depois o lugar de Carvão com seis, depois o lugar da Igreja, junto à residência do Pároco, mas logo perto e quasi junto o lugar da Porta com doze vizinhos, depois o lugar de Regueiro com dois, depois o  lugar da Mouriga com seis, depois o lugar do Ranhado com seis, depois o lugar do Sobreiro com doze, depois o lugar de Carreira com dois, depois o lugar da Marga com dez vizinhos, depois a Fonte de Cabo com dois, depois o lugar de Pouzada com seis, depois Campo do Soutto com sette, depois o lugar do Pico com sette vizinhos, depois abaixo na Sobreira um morador e outro na Esquipa mais adiante e depois o lugar dos Cazais já junto do Minho, outra ametade que são nove moradores desta freguesia de Cristóval em cujo direito há um barco no rio Minho para a Galiza. Depois deste lugar dos Cazais vai esta freguesia de Cristóval por junto do Minho até ao primeiro lugar que fica advertido que chamam Cevide.”
O pároco refere-se igualmente às caraterísticas da igreja e acrescenta que a “igreja desta freguesia tem por orago S. Martinho, Bispo de Turão (Tours) e além do altar principal da Capela Mor em que está o Sancto do Evangelho e da outra parte o Santo Antão com o Sacrário do Santíssimo; no meio tem somente mais dois altares no corpo da igreja encostados à parede de arco cruzeiro dela. Os altares são o da parte do Evangelho é de Nossa Senhora da Apresentação e o da outra parte de S. Sebastião, e não tem naves a igreja por pequena nem tem irmandades mais do que a Confraria das Almas.”
Como praticamente todo o país, também S. Martinho de Cristóval vivia sobretudo da agricultura em meados do século XVIII. O abade refere que “o principal fruto desta frequesia é o milhão e tem já bastante vinho mas inferior de latada e algumas vinhas. Também tem bastante castanha, centeio e trigo mas pouco. Tem linho bastante, algum miúdo e painço muito pouco; tem duas ortas de ortaliça e alguma fruta.”
Apesar de pouco caudaloso, o rio Trancoso é importante para as gentes de Cristóval, tanto para a rega como para a moagem. Assim, o pároco deixa algumas referências nesse sentido: “Pelo andar do Nascente para o Norte entre esta freguesia e o o Reino da Galiza corre o regato ou pequeno rio chamado Troncoso que é muito precipitado com vários moinhos de pão  uns abaixo dos outros e uns da parte desta freguesia e outros da parte do Reino da Galiza, e tanto para a Galiza como para esta freguesia se tiram deste levadas para regar as terras, que são três as desta freguesias, uma mais acima, outra mais abaixo e outra ainda mais abaixo. Deverão ser muito poucas as suas ágoas que apenas chegam para moer um moinho em cada açude, em que ordinariamente costuma haver dois para poderem moer de Inverno.”

O abade de Cristóval deixou-nos igualmente menção às espécies de peixe que na época povoavam as águas do rio Minho e se apanhavam nestes sítios. Assim, é mencionado que a paróquia tem “muitas pesqueiras de caçar peixes que no direito desta freguesia (…) e o peixe que se costuma dar que é ordinariamente em Abril, Maio e Junho e mais ou menos conforme os anos são salmões, lampreias, sáveis, também por todo o tempo dá algum peixe miúdo como são trutas, mariscos, vogas e escalos e algumas enguias. As pescarias são livres pelo rio enquanto as pesqueiras são de herdeiros.”

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