sábado, 9 de maio de 2020

Sobre a fama das Bandas de Música melgacenses do século XX

Banda de Música de Melgaço


No início do século XX, existiam em Melgaço pelo menos duas bandas filarmónicas ainda fundadas no século XIX. Uma dessas filarmónicas, chegou a atuar para o rei de Espanha em 1904 em Arbo. À parte destas, Melgaço teve durante o século passado duas prestigiadas bandas de música que gozavam de renome na região.
A mais antiga era a Banda de Música dos Bombeiros Voluntários de Melgaço fundada pouco tempo depois da criação da corporação de bombeiros melgacenses em 1927. Teve cerca de duas décadas de vida e seria dissolvida em 1948 e daria mais tarde origem à Banda de Música de Melgaço que seria extinta no final da década de 60 do século passado e da qual ainda uns quantos se lembrarão.

Banda de Música dos Bombeiros Voluntários de Melgaço

Nos tempos tempos áureos da corporação melgacense, quer os Bombeiros Voluntários quer a sua Banda de Música, gozavam de enorme fama. A esse propósito, nos falam os escritos de Aldomar Soares no livro “Padre Júlio apresenta Mário” relativamente à participação da corporação melgacense numa convenção em Valença ainda na década de trinta do século passado: “Haviam-se reunido em Valença, em convenção, representações das corporações de Bombeiros Voluntários de toda a região. A corporação dos Bombeiros de Melgaço, claro que também esteve presente, e com destaque principalmente pela sua famosíssima Banda de Musica. Os Bombeiros de Melgaço, aliás, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, denominação pomposa e bem representativa do carácter daquele povo simples e bondoso, foi fundada em 1927 (...), em condições precárias e material rudimentar, por inspiração do jovem advogado melgacense, Dr. Augusto César Esteves. De quando a ida a Valença tinha o seu quartel instalado no rés-do-chão daquele casarão do Rio do Porto de Cima, na estrada nacional.
Pois os Bombeiros de Melgaço naquela época gozavam de um prestígio jamais alcançado por instituições congéneres na região, quiçá de todo o País. Acontecera do outro lado do Rio Minho, ali na Galiza, bem em frente à Vila de Melgaço o mais trágico e pavoroso acidente de caminho de ferro de que havia noticia. O comboio expresso “Madrid-Vigo” descarrilou num trecho bem perto do rio que naquela época corria bem cheio e caudaloso.”
Da ida a terras valencianas e da participação da Banda de Música dos Bombeiros de Melgaço nessa tal Convenção em Valença, fala-nos com mais pormenor, Manuel Félix Igrejas, num texto publicado na “Voz de Melgaço” onde nos conta que: “Pois, foi ainda à sombra dos lauréis daquele acontecimento glorioso para os Bombeiros de Melgaço ocorrido seis anos antes, que a corporação melgacense se apresentou na Convenção na Vila de Valença. Era um domingo frio e chuvoso, clareava o dia. Os briosos Bombeiros vinham chegando impecavelmente vestidos com seu fardamento de cotim cinzento, bem lavado e passado, o dolman apertado até ao pescoço com botões de metal dourado, sapatos pretos engraxados. No quartel apanhavam os cinturões com as machadinhas, e o capacete. Como eram bonitos aqueles capacetes de metal dourado, reluzentes, com o emblema da corporação encimado por uma águia também em metal sobreposto na frente. Do capacete descia um cordão vermelho de veludo que ia até ao cinturão. Também da platina do ombro até ao bolso do peito pendia um cordão vermelho em curva sobre o peito, e para completar a gala do fardamento luvas brancas. Que maravilha! A Banda de música com a mesma galhardia no vestir, em vez de capacetes usavam bonés. Foram em duas camionetes da carreira. Naquela época ainda não tinham o famoso carro da bomba, jóia de artesanato, por eles construído em cima do chassis do Buick modelo 1928, que o Simão Araújo doara; mas isso é outra história.
Na caravana para Valença, o Manelzinho do Augusto do Félix também foi. Disseram que era o mascote, o Lucas, o cunhado, era um dos comandantes e o Gú, o irmão, era um dos briosos bombeiros. O mascote deu-se mal na viagem; como sempre acontecia quando para mais longe ia de carro. Enjoou e vomitou várias vezes. Chegados a Valença, o Manel para se refazer das agruras da viagem ficou na casa da irmã Graziela, só à noite foi ao concerto musical. Ficou o dia todo brincando com o Manel da Graziela, quase da mesma idade, filho adoptivo e por isso sobrinho postiço do Manelzinho. Também… choveu o dia todo. A Graziela morava já algum tempo em Valença, talvez desde o casamento. Sendo uma vila de fronteira com ponte internacional de carros e caminho de ferro, era intenso o tráfego entre Valençe e Tui, Vigo e outras cidades da Galiza. A Espanha estava numa fase de “vacas gordas”. O Sabariz, marido da Graziela, era o chofer e havia convencido o sogro, o Augusto do Félix, a conseguir dinheiro emprestado para comprar um automóvel que ele iria explorar na praça de Valença que era a mina de ouro da época argumentava. O dinheiro ganho nos fretes iria saldar as parcelas e ainda sobraria muito. Sogro apenas seria o fiador. E assim foi! Não sendo abastado e não tendo outros rendimentos que os do seu trabalho de alfaiate, apenas a sua comprovada honorabilidade lhe bastou para conseguir vinte contos a altos juros, do Zé Borne, um dos pioneiros emigrantes na França.
Comprou o Sabariz um Pontiac, novo em folha o mais moderno modelo dos automóveis americanos que existiam e foi radicar-se em Valença. As agonias que o Augusto do Félix passou para pagar as letras do empréstimo, não vêm ao caso, basta dizer que por ter de adiar as parcelas principais, só de juros pagou o dobro do empréstimo. Deixa para lá!... Mas Valença era toda festa naquele domingo chuvoso. Os Bombeiros de Melgaço no desfile e não sei mais o que, não fizeram lá grande figura, mas a Banda de Música, sim senhores, que figuraça. O Mestre Morais não abria mão da disciplina, militar que fora, fazia questão que fosse cumprida nos mínimos detalhes, além da capacidade musical que transmitia aos executantes, autênticos virtuosos. O Mestre Morais além de emérito regente e disciplinador, entre vários instrumentos tocava violino.
Pois a Banda Musical dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, não obstante o mau tempo, à hora marcada, iniciou o desfile atacando um dos seus famosos ordinários. Fizesse calorão ou chovesse picaretas, na hora estipulada fazia-se presente, já fora assim em Braga, noutra memorável participação. À noite, no salão de espectáculos, a Música de Melgaço demonstrou toda a sua classe erudita. Mimoseou a plateia numerosa com um magistral concerto sinfónico onde incluiu a suite do 1812. Essa performance do Mestre Morais e seus pupilos foi aplaudida e comentada nos jornais da região.
O povo de Melgaço mais uma vez ficou orgulhoso e feliz. O tema das conversas durante muito tempo passou a ser a Banda de Música e de uma maneira tão apaixonada que em alguns sujeitos virou fanatismo, como o Flórido que sempre que se emborrachava, e isso acontecia todo o fim de semana, desandava a cantarolar as árias, ordinários, valsas e todo o repertório da Música. E a gente miúda, a canalha, participava do delírio musical regionalista reinante.
O Manelzinho trouxera de Valença uma corneta de lata e um tambor comprados em Vigo. Coisa bonita e de verdade, nunca em Melgaço uma criança da classe dele tivera aquilo. A corneta emitia através de uma palheta bonito som que podia ser modulado com os dedos nos buraquinhos. O tambor, com duas batéculas rufava ou marcava o compasso marcial igual aos soldados. Tão valioso era aquele brinquedo que as pessoas da família não deixavam o rapaz levá-los para a rua. Mas um dia o Manel condicionou a sua ida à horta com a mãe a levar os instrumentos. E levou.
Segundo os escritos e as memórias de alguns, boa parte do prestígio das Bandas de Música melgacenses (a dos Bombeiros e a Banda de Música de Melgaço), devia-se à competência do Mestre Morais, assim conhecido no seu tempo.

Mestre Morais


Do Mestre Morais nos fala o livro “Padre Júlio apresenta Mário” nestes termos: “Conhecido e admirado na nossa terra como «Mestre Morais», Manuel Rodrigues de Morais era um amante da música: aprendeu-a, cultivou-a, amou-a, e deixou discípulos e admiradores.
Nos grandes acontecimentos locais, fossem festivos, fossem lutuosos, estamos a ver a Banda dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, a desfilar garbosa ou em passo cadenciado em marchas fúnebres com que se associava às lágrimas de familiares que choravam os seus, ou dos amigos que sentiam a perda de alguém que estimavam.
Era de porte austero e solene, e sabia ensinar os seus colaboradores musicais.
Mestre Morais deu glória à sua terra e levou o nome de Melgaço a terras longínquas de Portugal.
Manuel Rodrigues de Morais, filho de João Lúcio de Rodrigues de Morais e de Maria Basteiro, nasceu em Golães, Paderne, no ano de 1890.
Até aos 18 anos, frequentou a Casa Maria Pia, em Lisboa, onde aprendeu música e tirou o curso comercial e com essa idade ingressou, voluntário, no Exército, chegando, como músico, ao posto de sargento. Mais tarde foi para a Marinha de Guerra, sendo promovido a 1º sargento.
Quando a marinha homenageou Gago Coutinho e Sacadura Cabral, foi ao Brasil.
Em serviço, esteve, durante alguns anos, em Lourenço Marques e ainda na América do Norte.
Tirou o curso de violino no Conservatório de Música.
Reformou-se e regressou a Melgaço, tendo vivido até à morte no lugar de Bacelos, em Paderne.
Na terra natal, deu à mesma o concurso do seu talento e do seu amor bairrista: refundou, ensaiou, e regeu a Banda dos Bombeiros Voluntários, que tanta glória deu à nossa terra e muito concorreu para a formação musical de verdadeiros artistas.
O resto da vida passou-o na sua casa de Bacelos, onde faleceu a 3 de Maio de 1971, e donde assistiu desgostoso à morte da sua querida Banda, lamentando-se do abandono a que a Direcção dos Bombeiros a votara e, ainda, do desrespeito e da indisciplina de alguns músicos.”
De facto, conforme se refere atrás, a Banda de Música dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, dissolvida por volta de 1948, viria a dar origem à Banda de Música de Melgaço.

Banda de Música de Melgaço

Na foto, a Banda de Música de Melgaço, foi, segundo o blogue “Melgaço do Passado e do Presente”, “criada depois da dissolução da Banda dos Bombeiros Voluntários que se deu em 1948. Inicialmente, era dirigida por Mestre Morais, de Golães (que também dirigira a dos BVM), e depois por José Eugénio Gonçalves Pereira, a banda, apesar de afetada pela emigração crescente, aguentou-se até fins dos anos sessenta. A senhora que se vê na fotografia é a mãe de Amadeu Abílio Lopes que contribuiu pecuniariamente para a aquisição de fardas e instrumentos. Por detrás dela, do lado esquerdo (na foto), encontra-se o Zé Gorro; do lado direito, o Herculano; encostado ao lado direito da porta, o Toneca; e, entre a porta e a janela, agarrado ao caibro, o Zezinho Gorro. Estes quatro músicos faziam, simultaneamente, parte da orquestra "Os Ferreiras".
Quando é que Melgaço voltará a ter uma Banda de Música?
Realisticamente, nos próximos tempos não será certamente...





Fontes consultadas:
- Blogue “Melgaço do Passado e do Presente”;
- Jornal “A Voz de Melgaço”;
- VAZ, Pe. Júlio (1996) – Pe Júlio apresenta Mário, Edição do autor.

2 comentários:

  1. Boa noite queridos. Sou brasileira e bisneta de Simão Araújo. Gostaria muito de saber mais histórias sobre meu bisavô.

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  2. Obrigado pela homenagem ao meu avô de quem herdei o nomene o carater

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