domingo, 8 de outubro de 2023

A feira em Melgaço há cerca de 100 anos atrás

 



Os terrenos onde assenta a Praça da República, na vila de Melgaço, foram chamados, durante séculos, o Campo da Feira por aí se realizarem as feiras desde tempos imemoriais.

Há cerca de cem anos, as feiras em Melgaço eram bastantes diferentes das da atualidade. Para o caro leitor ter uma ideia, a feira era tão grande que os vendedores tinham que se distribuir por toda a Praça da República até ao Campo da Feira Nova, atual Largo Hermenegildo Solheiro, passando pelo antigo Largo do Chafariz, ao fundo da praça, e toda a atual rua Hermenegildo Solheiro. Num artigo publicado na "Voz de Melgaço", na edição de Maio de 1956, o autor faz uma visita guiada às feiras melgacenses nesse tempo: "...Ora, então… no amplo Campo da Feira Nova – hoje Largo Hermenegildo Solheiro – à sombra de frondosos plátanos e austrálias, se realizava a feira do gado que, pela sua enorme concorrência, quase sempre transbordava para o largo fronteiriço à atual “Pensão Braga” – isto, claro, ainda quando o fundador, o falecido João Cândido de Carvalho (João Braga), nem sequer sonhava construir ali aquele prédio. Os suínos, no meio dum grunhir e guinchar infernais, à mistura com o praguejar dos porqueiros que os vendiam, transacionavam-se no Campo da Vinha, ou das Serenadas, ali, onde mais tarde, se havia de levantar o edifício dos Paços do Concelho; no mesmo Largo, a todo o comprimento, mais ou menos, no sítio onde oraaasenta o Mercado Municipal, quatro ou cinco louceiras, numa linguagem que não raras vezes tocava as raias do despejo, insultavam-se contínua e mutuamente, enquanto, num desorganizado estandal – que, aliás, pela sua desorganização, se podia classificar de muito bem organizado… - expunham à venda os mais variados artigos de olaria; e, logo, no lado oposto,  numa fila de ia desde a Residência Paroquial  até à antiga “Loja Nova do cantinho” de Feliciano Cândido de Azevedo Barroso, mais d euma dúzia de regateiras, sempre muito peguilhentas entre si e numa linguagem  - sui generis... - linguagem ainda mais desbravada do que a das louceiras de fronte, como estas, insultavam-se e, com uma naturalidade… com um à vontade de pasmar, descompunham a todas as feirantes que cometessem a imprudência de revolver-lhes as sardinhas ou de dar a preferência às da sua competidora do lado em prejuízo das suas. Sobretudo nesta zona, a barafunda de vozes era ensurdecedora, uma algaraviada apenas dominada pelo pregões dos aguadeiros que com os seus bidões de lata, exteriormente revestidos de cortiça, em bandoleira, em voz enérgica e inconfundível, iam trovejando: - Fresca pela neve… Ó rapaziada! Quem mais bebe! Quem mais bebe!… 

A água era boa por vir da Fonte da Vila, mas fresca… como caldo. De resto, eles, aguadeiros – ó ironia! - preferiam-lhe o verdasco da Angelina… da Silvana, ou doutras locandas da especialidade. Pudera…! 

Entrava-se no desaparecido Largo do Chafariz – então separado da Praça da república pela capela de Santo António e pelo prédio em cujos baixos estava instalado o antigo “Café Melgacense” o qual, além de numerosas tendas de utilidades domésticas, miudezas e outras bugigangas, era literalmente atravessado pelos tacheiros, cesteiros, peneireiros, tanoeiros e negociante de crossas, pentes para tear e doutros artefactos de fabrico regional. 

Daqui, davam-se mais uns passos, espreitava-se à direita, pela Rua do Rio do Porto, onde mulheres, numa fila que ia até cerca da taberna da Lúcia, feiravam fruta, hortaliça, pão-trigo, pão-centeio, e doçarias de fabrico caseiro, e uma récua de cavalgaduras, impaciente, esperava que o falecido Lourenço do paço lhes pusesse “solaria” nova; passava-se, por fim, à Praça da República, na qual, como soe dizer-se, mal cabia um alfinete, tal era o número das barracas que nela se erguiam: nada menos de quatro de ourivesaria, duas de ferragens, outras tantas de bacalhau e um ror delas de artigos de renda, passamentaria, retrosaria, etc, etc… Exteriormente, na sua orla, muito apertadas, acocoravam-se as lavradeiras expondo vários produtos da terra, como: milho, centeio, feijão, batatas, frutas, linho, aves, ovos, etc., etc., e pelo meio – praça abaixo, praça acima – sempre muito pedantes – passeavam os namorados da aldeia que a figura simpática, séria e honesta, do falecido Belchior da Rocha assediava a cada momento, dizendo-lhes: - Vá, senhores moços, comprem-me uns rebuçadinhos…! 

Rebuçados que eram made in sua lavra… 

Aquilo é que eram feiras… mal se rompia!… 

Certo que então os portugueses iam livremente à Galiza e os galegos do mesmo modo vinham a Portugal, adivinhando-se já o intercâmbio comercial que desta liberdade resultava. Sobretudo, nos  falados dias, as barcas de Mourentão, Louridal e Porto Vivo, não cessavam de para cá atravessar feirantes, de modo que a cada passo se dava de cara com ellas, com las hermosas y muy salerosas Carmens, Maruchas, etc., extasiadas, perante as tendas de ourivesaria, com olhos e palavras capazes de tentarem a um santo, a pedir aos patrícios, seus conversados: 

- Ay Manolo… ay Pepitoay Panchito, de mi alma, regala-me aquelles pendientes!… 

E, bem entendido, los Manolos… los Pepitos, ou los Panchitos, satisfaziam, solícitos, os desejos de suas Dulcineas (quem lhes poderia resistir…?) comprando-lhe os regalos cobiçados e pagando-os com “duros” de prata que os ourives batiam de rijo na tábua do balcão, para lhes ouvir a fala… o timbre, não fosse o diabo ser Judas… 

Em conclusão: aqui, sim, é que eram feiras – feiras fartas, movimentadas e concorridas. Bons tempos!..."

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