sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

Desde quando se conhece a existência da igreja de São Tiago de Penso (Melgaço)?


 

A paróquia de Penso é uma das mais antigas daquelas que integram o atual concelho de Melgaço.  

A referência documental mais antiga que cita a existência de uma igreja em Penso data de há mais de novecentos anos. Nesse documento refere-se que a igreja era, já nessa época, dedicada a São Tiago, não se conhecendo, em toda a sua História, nenhum outro padroeiro. 

Na mais primitiva referência documental à igreja de Penso e à freguesia, fala-se de um trágico episódio. Temos de ter em conta que naquela época, as igrejas, assim como outros lugares privilegiados, tinham o direito de asilo, isto é, qualquer pessoa, perseguida por oficiais de justiça, não podiam ser presas nestes lugares de refúgio. (PINTOR, 1947)  

Por motivos que se desconhecem, um homem refugiou-se na igreja de Penso. Aí foi morto por um tal Paio Dias, que assim ultrajou este lugar sagrado, por não respeitar esse direito de asilo, além do homicídio perpetrado. Acrescia a circunstância de este tal Paio Dias, nobre cavaleiro, ser padroeiro da dita igreja de Penso. Chamavam-se padroeiros das igrejas, as pessoas que interferiam na nomeação dos párocos para as mesmas e recebiam rendimentos a elas consignados. Acrescente-se que este Paio Dias era filho de uma tal Onega Dias, de família nobre e descrita por COSTA (1706) como “... senhora principal, sendo viúva, e tendo hábito de Religiosa... 

Aparentemente, o escândalo provocado por essa violação do espaço sagrado da igreja de Penso foi enorme na época. Para julgar o crime, reuniu-se um concílio na Sé de Tui, presidido pelo Arcebispo de Compostela e assistido por outros seis bispos. Note-se que a Sé de Tui tinha sido arrasada pelos Normandos na invasão de princípios do século X e fazia as suas vezes, o mosteiro de São Bartolomeu de Rebordáns (Tui). (PINTOR,1947) 

Este episódio do homicídio na igreja de Penso em 1118 aparece documentado numa escritura da época. Se dermos uma leitura pelas páginas da obra España Sagrada, encontramos referência a esse facto. Para quem não está familiarizado com o tema, a obra España Sagrada” é centrada na História Eclesiástica Espanhola, e que compila uma enorme quantidade de documentos medievais. Na dita obra, podemos ler que “Por aquel tiempo habia sucedido una desgracia en que Pelayo Diaz ma un hombre dentro de la iglezia de Penso. Juntaronse à Concílio en liglesia dTuy (que estaba en eMonasterio de S. Bartolomeel Prelado de Santiago con otros seis Obisposmandaron diese à la  sede la Iglesia que habia violado, como refiere Onega (ò IñigaFernandezmadre del homicida, en Escritura que hizo a nuestro DAlfonsodandole à el y à su Iglesia la quarta parte de la de Paderne, y de Valladareslo que ofreció por el hijoadió por si misma la quarta parte de la iglesia e villa de S. Vicente, y el Cazal dDeba. Nesta mesma obra, transcreve-se o teor de parte da escritura original da época, escrita, como era usual, em latim e onde consta parte da decisão do concílio, onde Onega Dias, mãe do homicida, se compromete a doar à Sé de Tui o padroado da primitiva igreja de Penso: “...Do eas pro filio meo Pelagio Didaciqui peccatis exigentibus bominem quemdam interfecit iEcclesia SJacobi de Penso, ob hanc causam convenerunt vobis in Concilio Generali habito ab Archiepiscopo Compostellano Domno Didaco in Monasterio SBartholomei cum allis sex Episcopisdare vestra Sedi Ecclesiam quam violavit. AprilEra 1156 [que corresponde ao ano de 1118].” Este extrato pode-se traduzir, de forma livre, da seguinte forma: “Ofereço-os em nome do meu filho Pelágio Dias, que, por pecados graves, matou um certo homem na Igreja de São Tiago de Penso; por isso, concordastes, num Concílio Geral realizado pelo Arcebispo de Compostela, Dom Afonsono Mosteiro de São Bartolomeu, com outros seis bispos, em doar à vossa Sé a Igreja que ele profanou. Abril. Ano de 1156.”  

Todavia, para reparar o crime do filho, além do citado antes, Onega Dias teve de doar também à Sé de Tui, a quarta parte da igreja de São Paio de Paderne, a quarta parte da igreja de São Martinho de Valadares (Alvaredo) e outro tanto da vila chamada de São Vicente e da sua igreja.  

Uns anos mais tarde, e1125, são confirmadas as doações das quartas partes da igreja de São Paio de Paderne e da igreja de São Vicente, junto ao rio Minho, por D. Teresa à Sé de Tui. 

Não terminamos sem um esclarecimento em relação a esta primitiva freguesia e igreja de São Vicente. Segundo PINTOR (1948), a referida vila e desaparecida freguesia de S. Vicente “...era couto, ou melhor, constituída por dois coutos, o do centro paroquial e o do lugar de Vilar. As Inquirições [de 1288] mencionam o clérigo Pedro Martins, mas não trazem o nome do pároco. Segundo juramento dos moradores, a localidade foi coutada por D. Afonso Henriques a D. Soeiro Aires (de Valadares), que havia trocado com o Bispo de Tuy, e estava delimitada por marcos de pedra, de que havia documento mas que, contudo, não foi mostrado. Sabemos que, já depois da extinção da freguesia de São Vicente, havia uma capela dedicada a este santo no lugar do Maninho, atual freguesia de Alvaredo. A tradição popular diz que o santinho de pedra a representar São Vicente se encontra na capela de São João, em Alvaredo. 

 O padre Bernardo Pintor acrescenta ainda que “o lugar de Vilar também era couto, mas não tinha limites demarcados, nem documentos, nem [os moradores] souberam dizer quem lhe conferiu tal privilégio. Estes dois coutos não satisfaziam quaisquer tributos. 

Para os leitores que ainda não saibam, devo explicar que coutos eram terra que tinham obtido do Rei, ou por vezes de fidalgos poderosos, certos privilégios relativos a impostos públicos e isenção do fisco real. (…) O referido lugar de Vilar devia ser um que existe entre Paderne e Alvaredo, meeiro das duas freguesias. Nas imediações devia ficar a igreja paroquial e povoação de S. Vicente cuja localização ainda não pude averiguar.” (idem) Na atualidade, conservam-se, na toponímia, a herança histórica dessas terras coutadas por D. Afonso Henrique, através dos lugares de S. Vicente e Vilar, este último junto ao limite com o antigo Couto do Convento de Paderne. 

 

 

 

Fontes consultadas: 

- COSTA, Padre António Carvalho da (1706) - Corografia Portuguesa, tomo I, Valentim da Costa Deslandes, Lisboa. 

- FLÓREZ, Enrique (1767) - España Sagrada, Tomo XXII: Iglesia de Tuy: desde su origen hasta el Siglo XVI; t. XXIII; Iglesia de TuyContinuación. 

 

- PINTOR (1947) – XVII – Penso – Um Crime de morte na sua igreja nos princípios do século XII. In: A Voz de Melgaço, edição de 15 de Novembro de 1947. 


- PINTOR (1948) – XXIX – Antigas freguesias que desapareceram. In: A Voz de Melgaço, edição de 15 de Agosto de 1948. 

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