sábado, 14 de novembro de 2020

À procura de opositores ao franquismo em Castro Laboreiro (Melgaço, anos 30)


 


Castro Laboreiro foi, na década de 1930, esconderijo de muitos opositores ao franquismo. A fronteira castreja sempre foi bastante difícil de patrulhar, facto que facilitou a circulação de militantes antifranquistas entre os dois lados da fronteira, encontrando estes em terras castrejas alguma proteção por parte da população e das caraterísticas dos terrenos. 

Com efeito, nos inícios de setembro de 1936, a secção da Guarda Fiscal localizada em Melgaço remetia um ofício ao comandante da sua Companhia onde se queixava do facto de a fiscalização em Castro Laboreiro ser realizada por apenas três praças. Assim sendo, e tendo em conta a extensão da área abrangida, o comandante desta secção entendia que a vigilância era deficiente e que esta só poderia melhorar caso fosse colocado um destacamento de praças da GNR nessa localidade, por forma a haver uma mais estreita colaboração entre as diferentes forças policiais. (…) 

Um outro ofício, datado de 25 de agosto de 1936, foi produzido por Tomás Fragoso, governador civil de Viana do Castelo, um dos distritos portugueses que contou com um maior número de refugiados, dada a sua posição confinante com as províncias espanholas de Ourense e de Pontevedra, locais de onde eram originários muitos dos espanhóis que entraram em Portugal durante este período. Nesse ofício, Tomás Fragoso pedia ao Ministro do Interior que se procedesse a um reforço do posto da GNR que se encontrava localizado na zona de Castro Laboreiro com o objetivo de impedir a entrada no país de espanhóis armados em perseguição dos seus opositores políticos17, ou seja, o governador civil de Viana do Castelo pretendia evitar que os franquistas entrassem em Portugal em busca dos republicanos. 

Perante esta solicitação devemos entender que, para além de desejar impedir que os refugiados espanhóis republicanos transpusessem a fronteira luso-espanhola em busca de refúgio, o regime salazarista queria evitar também que as tropas franquistas entrassem armadas em Portugal, o que poderia provocar medo e ansiedade nas populações raianas portuguesas, estando assim em causa garantir, em primeiro lugar a segurança e a ordem internas.  

A intensificação das batidas na fronteira castreja permitiu aumentar o número de detenções. Muitas dessas detenções eram concretizadas mediante a realização de batidas nas regiões montanhosas, onde, por vezes, cooperavam as diferentes forças policiais portuguesas em consonância com as autoridades franquistas, assumindo particular importância neste contexto a zona de Castro Laboreiro, localizada no concelho de Melgaço, distrito de Viana do Castelo, que foi uma das mais requisitadas pelos refugiados espanhóis como lugar de refúgio. 

No final de agosto de 1936, tendo recebido informações de que se tinham verificado incursões de espanhóis armados em Castro Laboreiro, o comandante do Batalhão N.º 4 da GNR, Aníbal Franco, ordenou ao comandante do posto de Melgaço que organizasse uma busca com o intuito de comprovar a veracidade das informações. Após a realização da busca, o comandante do posto de Melgaço comunicou aos seus superiores que os comandantes dos postos fiscais localizados na região demonstraram não ter conhecimento da entrada de grupos de espanhóis armados em Portugal, informando, no entanto, sobre a captura de 4 indivíduos de nacionalidade espanhola no final do mesmo mês, os quais se encontravam escondidos na freguesia de Castro Laboreiro. Ainda no contexto destas informações, as quais foram prestadas pelo Governador Civil de Viana do Castelo ao Ministério do Interior, Aníbal Franco procurou recolher dados sobre esta situação junto dos postos fronteiriços da 5.ª Companhia, comunicando que no dia 26 de agosto, juntamente com o chefe da PVDE em São Gregório, fizera uma batida na região, concluindo que se encontravam alguns espanhóis refugiados numa ou noutra aldeia. Este chefe da PVDE multou alguns portugueses pelo facto de terem dado guarida a refugiados espanhóis, acreditando, no entanto, que essa ajuda foi prestada, não por partilharem os mesmos ideais políticos, mas sim por antigas ligações de amizade que uniam as duas nacionalidades. Perante as informações recolhidas, o comandante da GNR concluía que a presença de espanhóis armados em Castro Laboreiro ter-se-ia ficado a dever a uma possível perseguição movida contra algum espanhol fugitivo e não a uma intenção de passar buscas ou fazer ameaças aos habitantes locais.  

Em setembro de 1937, numa informação da polícia política dirigida ao Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, dava-se conta que existiam bastantes espanhóis nas regiões montanhosas de Castro Laboreiro, o que fez com que a PVDE desenvolvesse diversas batidas. No entanto, dada a natureza acidentada do terreno e a sua grande extensão (cerca de 50 quilómetros), essas buscas revelaram-se pouco produtivas, traduzindo-se em poucas detenções, as quais só alcançariam os resultados desejados caso, na opinião da GNR e da Guarda Fiscal, se se utilizassem mais efetivos no desenvolvimento das mesmas. Contudo, no entendimento da PVDE, o perigo que estes espanhóis representavam não justificava tal aumento, o que, a acontecer, obrigaria a mais despesas. Esta informação apontava ainda a Em junho de 1938 realizou-se uma batida, ordenada pelo Comando Geral da GNR, na Serra da Peneda, distrito de Viana do Castelo, a qual teve como principal intuito a captura de refugiados espanhóis. Nesta expedição participaram mais de 30 efetivos pertencentes à GNR e à Guarda Fiscal, o que demonstra a colaboração que existia entre as diferentes forças policiais na repressão e na vigilância aos refugiados espanhóis, evidenciando também este relatório alguns dos principais problemas que as autoridades portuguesas tinham de enfrentar no desenvolvimento desta atividade, nomeadamente os maus caminhos, o piso irregular e pedregoso e a natureza íngreme dos montes e vales. Para a realização desta operação contribuíram as informações que davam conta da possível existência de refugiados na região no lugar da Ameijoeira, localizada bastante próxima da fronteira com Espanha. Contudo, ao proceder a algumas perguntas junto das autoridades e de civis locais, o capitão Luís Gonzaga da Silva Domingues, responsável pela operação, tomou conhecimento que os espanhóis que se encontravam na região eram em número reduzido, tendo realizado diversas buscas em alguns lugares por ter sido informado de que no ano anterior muitos refugiados se haviam movimentado nessa zona. Foi neste contexto que a Guarda Fiscal procedeu ao reforço da vigilância da fronteira nessa região, tal como reforçou os postos em Ponta da Barca, Senhora do Penedo e Tibo. Seguiram-se outras buscas em lugares próximos, algumas das quais resultaram na captura de vários espanhóis, embora em número reduzido.  

A partir das conclusões apresentadas neste relatório podemos compreender a realidade das buscas realizadas pelas autoridades portuguesas em perseguição dos refugiados espanhóis.  

No entendimento de Luís Gonzaga, não existiam muitos refugiados em Castro Laboreiro, sendo que os poucos que lá se escondiam andavam isolados ou em pequenos grupos, pelo que não possuíam um forte armamento e abrigavam-se em lugares incertos, contando com o auxílio da população local, que lhes era providenciado por questões de humanidade, por receio ou a troco de dinheiro. Este oficial entendia também que, pelo facto de se encontrarem permanentemente na região, a Guarda Fiscal e a PVDE tinham mais facilidades em capturar espanhóis em relação à GNR. As considerações que Luís Gonzaga teceu relativamente à Serra da Peneda podiam ser aplicadas a outros espaços montanhosos, uma vez que eram referidos os principais obstáculos à atuação das autoridades na repressão aos refugiados, nomeadamente a extensa área para vigiar, a escassez de estradas e de caminhos adequados, a falta de recursos humanos e materiais, a quase ausência de vias de comunicação, a natureza montanhosa do terreno e existência de grandes penedos e de vegetação densa. Da mesma forma, também o que este operacional concluiu acerca do apoio prestado aos refugiados pela população portuguesa podia ser transportado para a generalidade do auxílio providenciado aos cidadãos espanhóis.  

No entendimento de Luís Gonzaga, o apoio português aos refugiados era justificado, essencialmente, pelo isolamento que a região de Castro Laboreiro tinha de enfrentar, o que fez com que a população raiana estabelecesse ligações de maior proximidade com os vizinhos espanhóis, sendo de presumir que outras povoações fronteiriças se encontrassem na mesma situação.  

Estas buscas foram realizadas com maior frequência e intensidade na região norte de Portugal, dada a natureza montanhosa e acidentada do terreno, que favorecia a ocultação de refugiados, conforme atestam os diferentes relatórios e ofícios elaborados pelas autoridades portuguesas 

Terão passado por Castro Laboreiro, nessa época, várias centenas de opositores ao franquismo, chegando a estar refugiados em terras castrejas cerca de 400 em simultâneo. 


Extraído de: 

- FARIA, Fábio A. (2020) - Refugiados em Portugal nos inícios do Estado Novo: movimento, controlo e repressão policial no contexto da Guerra Civil de Espanha (1936-1939). CIES; Lisboa.

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