sábado, 26 de março de 2022

Sobre o fundador da capela da Senhora da Pastoriza (Melgaço)


 

A capela da Pastoriza, nos arrebaldes da vila de Melgaço, foi fundada há pouco mais de 300 anos. Sabe quem foi o seu fundador? 

Na verdade, este pequeno templo foi mandada erigir por Frei Domingos Gomes de Abreu, um notável cavaleiro melgacense, em honra à Senhora da Pastoriza, santuário galego a seis quilómetros da Corunha no caminho de Finisterra, e à qual Frei Domingos pediu muito que o ajudasse a suportar o seu cativeiro em 1703, conforme vamos contar mais à frente.

Frei Domingos era filho legítimo de Domingos Gomes de Abreu e D. Francisca Coelho, nasceu em Melgaço aos 21 de Janeiro de 1668 e seguiu a carreira militar falecendo no posto de capitão de uma das companhias do terço do capitão-mor Pedro de Sousa Gama, fundador do morgado da Serra, Prado.

Com vinte e quatro anos de idade, aos 8 de Fevereiro de 1692, foi admitido irmão da Confraria das Almas desta vila de Melgaço e com perto de trinta, aos 28 de Agosto de 1698, devido aos serviços prestados por seu pai à coroa portuguesa, foi-lhe concedido o padrão do Hábito de Cristo com trinta mil réis de tença paga pela verba do pescado, salvo erro, em Viana da Foz do Lima.

Fez-se armar cavaleiro da falada Ordem de Cristo em 31 de Dezembro do mesmo ano na igreja da Senhora da Conceição em Lisboa por Fr. Gastão Joseph da Câmara Coutinho, comendador desta Ordem, sendo testemunhas Fr. Vicente Huette Souto Mayor e Fr. Estêvão Pereira Bacelar e professou no ano seguinte aos 9 de Fevereiro, no convento de Tomar, nas mãos de Fr. Fernando de Morais, superior do referido convento, renunciados primeiro o ano e o dia do seu noviciado e aprovação.

Frei Domingos Gomes de Abreu casou aos 28 de Novembro de 1700 em Lapela, termo da vila de Monção, com D. Isabel de Faria, que ali nascera em 22 de Setembro de 1683 do casamento de Domingos Rodrigues Besteiro e mulher Isabel Afonso Sanches. A noiva pelo lado paterno era neta de António Rodrigues Besteiro e mulher Isabel Fernandes e bisneta de João Rodrigues Besteiro e de Isabel Gonçalves. Pelo lado materno seus avós eram Salvador Fernandes de Faria e Maria Fernandes, ele do Couto de S. Fins e ela da freguesia de Lara, termo de Monção e seus bisavós Manuel Afonso Sanches e mulher Ana Fernandes.

No ano seguinte, já familiar do Santo Ofício, cujos privilégios especiais concedidos e os mais antigos ele chegou a gozar, foi-lhe passada a Carta de Brasão de Armas do teor seguinte:

«Portugal Rey d’Armas Principal nestes Reynos, & Senhorios de Portugal do muyto alto, do poderoso Rey Dom Pedro Segundo do nome Nosso Senhor por Graça de Deos Rey de Portugal, & dos Algarves, daquém & dalém mar em África, Senhor da Guiné, & da Conquista, Navegação, Comercio de Ethiopia, Arábia, Pérsia, & índia, faço saber a quantos esta minha carta de certidão de Armas, Fidalguia & Nobreza digna de fe, & crença virem q por parte de Domingos Gomes de Abreu Cavaleiro professo da ordem de Christo, & familiar de S. Officio, morador na villa Melgaço, comarca de Barcellos, Arcebispado de Braga, me foi feita petição por escrito, dizendo, que pella sentença junta, que offerecia, passada em nome de S. Magestade, & pella Chancellaria da Corte promulgada pello Doutor Antonio dos Santos de Oliveira do Dezembargo do ditto Senhor, Dezembargador da Casa da Suplicação, & Corregedor com alçada nos feitos, & cauzas veis em sua Corte constava ser o Supplicante descendente dos nobres, & illustres familias dos Gomes, Abreus, Coelhos & Novaes, que neste Reyno são Fidalgos antigos de Cotta de Armas por ser filho legitimo de Domingos Gomes de Abreu, & de Francisca Coelha, netto pella parte paterna de Domingos de Azureira, & de Maria Gomes, & pella materna de Francisco da Roza, & de Maria Coelha todos naturaes da ditta villa de Melgaço; bisneto pella parte paterna de Pedro Gonçalves Besteiro & de Cecilia Gomes de Abreu, & bisneto pella parte materna de Gonçalo Afonso Coelho, & de Violante de Novais dos quaes todos descendia elle suplicante & se tratarão sêpre a ley de nobreza, & por tal estava julgado pella ditta sentença, & por se não perder a memória dos dittos seus progenitores, e de sua antigua fidalguia, & nobreza queria elle suplicante, para conservação delia, hu Brazão das Armas pertencentes as dittas quatro Gerações de Gomes, Abreus, Coelhos & Novais pello que me pedia lhe mandasse passar carta de certidão de Brazão em forma com as dittas Armas illuminadas assim como elle Suplicante as havia de trazer, e dellas uzar, & receberia merce, & vista por mim a ditta sua petição, & sentença, que fica no cartorio da nobreza em poder do Escrivão, que esta subscrevo, & como por ella consta estar o supplicante julgado por legitimo descendente das ditas gerações pello haver assim provado, & justificado largamente na ditta sentença em a qual achei deduzido tudo o contheudo na dita petição, em virtude da qual provi os livros da fidalguia, & nobreza deste Reyno, que em meu poder tenho, & neles achei registadas as Armas, que ás ditas linhagens pertencem, que são as que nesta lhe dou divizadas, & illuminadas a saber húm escudo esquartelado posto ao balom: no primeiro quartel as Armas dos Abreus que são em campo vermelho sinco cotos de azas de Águias de ouro postas em santor: em o segundo as Armas dos Coelhos, que são: em campo de ouro húm leão de purpura, rompente, & armado de vermelho, fachado de três fachas enchaquetadas de ouro, & azul & hua orla de azul carregada de sette Coelhos de prata, malhados de preto: em o terceiro as Armas dos Novaes, que são em campo azul sinco novellos de prata postos em aspa: em o quarto as Armas dos Gomes, que são em campo de prata tres cabeças de negro de sua cor com arrecadas de ouro na orelha, & nariz, & húm colar do mesmo no pescoço, elmo de prata aberto guarnecido de ouro, paquife, dos metaes, & cores das Armas, por timbre hú dos cotos das Armas dos Abreu, & por differença meya brica de prata com húm trifolio verde por lhe pertencer; & porque estas são as Armas que as dittas linhagens pertencem eu Manuel Soares Rey de Armas Portugal, & Principal com o poder de meu muyto nobre, & Real Officio lhas dou, e assigno assim como vão no ditto escudo illuminadas com os metaes, & cores a ellas pertencentes das quaes Armas poderá uzar, como acto, & prerrogativa de sua Nobreza, e Fidalguia & com ellas gozar de todas as graças, liberdades, honras & merces, que pellos Senhores Reys deste Reyno forão concedidas aos Fidalgos & Nobres delle, & especialmente aos das dittas gerações, & com ellas poderá entrar em batalhas, & em todos & quaesquer actos militares, assim de paz, como de guerra, tanto nas couzas graves, & de necessidade, como nas voluptarias, & de passatempo, assim como justas, tomeyos & de tudo o mais que licito, & honesto for, e as poderá fazer pintar, & bordar em seus resposteiros, bandeyras, & estandartes, & abrir, & esculpir nas baixelas de sua caza, & em seus aneis, & signetes, & em todas as peças de ouro, e prata; & nos portaes de suas portas, & quintas & finalmente as poderá esculpir & deixar sobre sua própria sepultura, servindo-se, honrando-se & aproveitando-se delias, como á sua nobreza, & Fidalguia convém & como o fazem os mais Fidalgos e Nobres deste Reyno, pello que requeiro a todos os Dezembargadores, Corregedores, Ouvidores, Juizes & Justiças de Sua Magestade da parte do ditto Senhor, & da minha por bem do Officio, que tenho, & em especial mando á os officiaes da Nobreza, Reys de Armas, arautos, & passavantes, como Juiz que sou delia a cumprão, & fação inteiramente cumprir & guardar, assim como nesta carta vão illuminadas & divizadas, & por mim he determinado, & julgado, & por firmeza de tudo vai por mim asignada com o signal publico do nome do meu officio: Dada nesta corte, & muito nobre & sempre leal Cidade de Lysboa aos vinte, & nove do mez de Abril, de mil, & sette centos & hum. Manuel da maya a fez por Joseph Duarte Salvado, Cavaleiro da Caza de Sua Magestade & Escrivão da Nobreza nestes Reynos & Senhorios de Portugal &c. E eu Jozeph Duarte Salvado a fiz escrever e sobescrevi.

P Rey de Armas P. P.»

Este brasão foi registado a fls. 88 do Livro dos Registos dos Brasões da Nobreza em Lisboa, em 30 de Abril de 1701, e em 16 de Maio do mesmo ano foi-o na Câmara de Melgaço e em 1708 na de Monção.

Também no ano de 1701, aos 30 de Maio, tomou posse da Feitoria Geral das Alfândegas da Província do Minho, tocante aos portos secos, molhados e vedados, cargo que exerceu por três anos.

E em 14 de Março de 1703 comprou a Maria Domingues, viúva e suas filhas e genro, Francisca de Magalhães e Maria de Magalhães, ambas solteiras, moradoras na vila e Águeda Domingues e marido Sebastião Femandes, moradores no Telheiro, freguesia de Rouças, «a sua mettade do Moinho chamado da Pontte apedrinha que he telhado e preparado e aparelhado com seu piço asim e da maneira que elles vendedores o possuião e parte do nascente com terras de Domingos Esteves Sereiro e do poente com monte delas do monte de prado» por trinta mil réis em moedas de prata correntes no reino.

Pouco depois, um ou dois meses decorridos, pelo conde da Atalaia, Governador das Armas da Província do Minho, foi Frei Domingos de Abreu enviado ao reino da Galiza a certo negócio de serviço de el-rei. Por razões, que hoje ignoramos, mas que é lícito filiar em questões da Guerra da Sucessão ao trono de Espanha em que el-rei D. Pedro II se envolveu em 1701, o Governador de Vigo prendeu este mensageiro do conde da Atalaia em sua casa e durante cinco dias o meteu nas minas do castelo do Crasto. Dali o passou para o castelo de Santo António na Corunha e por fim para o cárcere real para lhe «darem questão de tormento».

Foi nestes aflitivos transes que o familiar do Santo Ofício, lembrando-se dos inumeráveis milagres feitos naqueles sítios pela Senhora da Pastoriza, cujo santuário e piedades dos galegos erguera a seis quilómetros da cidade no caminho de Finisterra. Foi nesses transes bem dolorosos para seu espírito esclarecido, que o ilustre melgacense a invocou e lhe pediu amparo, prometendo levantar-lhe capela privativa na sua terra, no vistoso sítio do Coto da Pedreira, se aquela Virgem permitisse a ela voltar dentro de um ano.

E como passados cinco meses e cinco dias em virtude de um decreto especial foi degredado para fora dos limites de Espanha, nunca mais esqueceu o seu voto e se mais cedo o não cumpriu, foi por andar ocupado na Guerra da Sucessão, que naqueles dias se desenrolaram neste termo.

De facto, Frei Domingos Gomes de Abreu, português de lei, patriota exaltado, militar brioso e aguerrido, nunca permitiria que os galegos nos ofendessem impunemente e, por isso, durante esta guerra permaneceu sempre de ouvido à escuta, sempre pronto a fazer pagar caro aos vizinhos da fronteira os tormentos infligidos ao seu corpo e ao seu espírito nas longas e sombrias horas de cárcere.

E caros foram eles pagos, pois quando em 1704, a 10 de Maio, ouviu nesta vila o primeiro rebate, que dava os galegos a pretenderem lançar ponte junto da Barca Nova no vizinho termo de Valadares, não perdeu tempo a reunir a sua companhia, montou logo a cavalo e orientando os passos da alimária para lá, seguiu caminho com seus criados.

Armado como estava, foi logo reconhecer o poder do inimigo e graças à sua atitude, todo o povo e em especial a gente de Valadares ali presente, de tal forma se deu todo à defesa da passagem, que ao inimigo apenas ficou a glória de tomar e queimar as poucas barcas amarradas, à margem galega do rio.

No ano seguinte, Frei Domingos Gomes de Abreu requereu para ser provido no posto de sargento-mor das ordenanças desta vila e termo, que não tinha ordenado ou emolumento algum mas só apreço honorífico, como alegou, mas foi indeferido o seu requerimento, não por lhe faltarem os indispensáveis requisitos, mas pela voz da urna proclamar o nome de outro melgacense escolhido pelo destino para ocupar então este alto cargo militar.

Depois, a 20 de Maio de 1706, quando o inimigo intentou passar a esta província, D. Sancho de Faro e Sousa, Mestre de Campo General e Comandante das Armas da Província do Minho ordenou ao capitão-mor deste termo, Pedro de Sousa da Gama, mandasse duas companhias do seu distrito guarnecer o posto de cavaleiros e aí abrir as trincheiras de antemão delineadas para barrar o passo ao inimigo, este cabo de guerra logo enviou para lá o capitão Frei Domingos de Abreu com a sua companhia, abrindo-se de entrada cento e cinquenta braças de trincheira com boa disposição e noutra ocasião mais sessenta, sendo rendido tão somente para ir acudir a outros postos.

E tão valorosamente se houve nestas ocasiões, que o seu capitão-mor o julgou merecedor de toda a honra e mercê. E logo a seguir, a 25 de Maio, por o governador da praça de Melgaço, António de Abreu Novais, mandar guarnecer o posto do Salto pelo mesmo capitão-mor e este aí soubesse, por aviso recebido, vir o inimigo lançar ponte no sítio de S. João de Remoães, logo ordenou ao capitão Frei Domingos o acompanhasse com sua companhia, ordem que este fidalgo logo cumpriu guarnecendo todos os pontos com boa disposição, rondando-os pessoalmente toda a noite e dando ao seu superior parte dos movimentos dos galegos, até que na madrugada do dia seguinte sentindo trabalhar o inimigo perto da água a assentar batarias, aquartelou os seus soldados nas melhores posições do sítio para lhe impedir o passo e ofendê-lo e começou a dar-lhe muitas cargas de mosquetaria.

Como o inimigo ripostou fortemente, o capitão Domingos Gomes de Abreu mandou dar parte do sucedido ao seu capitão-mor, ao mestre de campo Jácome de Brito e Rocha e ao governador da praça de Melgaço e pedir-lhe munição e socorros.

O capitão-mor foi o primeiro a chegar ao local e admirou então o seu considerável valor atacando o inimigo que lhe apresentava seis bandeiras de guerra!

Durou este combate desde 26 de Maio a 8 de Junho, dia em que os galegos se retiraram levando consigo uma carriagem de muitos feridos e deixando no campo muitos mortos. Frei Domingos Gomes de Abreu tinha-se coberto de glória neste grande combate!

No ano seguinte, em 1707, desde 10 de Junho até 20 de Setembro e, por isso, mais de três meses, no presídio do posto de Cavaleiros concentraram-se três para quatro mil homens a fim de se defender a entrada do inimigo nesta província.

D. Sancho de Faro e Sousa ordenou ao Juiz de Fora deste termo mandasse vivandeiras com todo o necessário, para que os dois terços de auxiliares e as ordenanças reunidas naquele posto não sentissem falta de víveres. Foi o capitão Frei Domingos de Abreu quem durante todo este tempo, dia a dia, apresentou ao Juiz de Fora licenciado Braz Roiz Pereira as suas requisições para a condução dos mantimentos, não obstante continuar a guarnecer as trincheiras do posto de Remoães levantadas no ano anterior com a sua companhia mais o terço de Manuel Casado de Araújo, sargento-mor pago de infantaria auxiliar, que em 1 de Julho desse ano viera da guarnição da praça monçanense.

Frei Domingos Gomes de Abreu era então vereador da Câmara deste concelho, cargo de que tomou posse em 3 de Março e exerceu durante alguns anos, tendo-se nesse tempo mantido no Juízo da Ouvidoria de Barcelos uma questão judicial com o abade da freguesia de Santa Maria da Porta, Rev.do João Dias dos Santos, sobre um jantar, que o tonsurado era obrigado a dar à Câmara no dia dos Fiéis de Deus, processo que por apelação subiu à Relação do Porto e terminou em 1708 por transação, reconhecendo o abade aquele dever de honrar a Câmara com o referido jantar enquanto gozasse o benefício.

Ora foi só nos princípios de Junho deste ano de 1707, que o capitão Frei Domingos deu os primeiros passos para cumprir o seu voto, pedindo licença eclesiástica para constituir a referida capela no sítio do Coto da Pedreira, fora das muralhas, na freguesia da vila, naquele lugar onde costumavam ir os clamores locais e onde apenas havia uma cruz, fazia a obra à sua custa, pôr-lhe-ia os ornatos necessários e nomear-lhe-ia os bens livres, dízimos a Deus, que segundo avaliações dos louvados valessem o melhor de dois mil cruzados.

Tinha escolhido bem o sítio: alto, vistoso, dele abrangendo a vista um panorama alegre. mas como era público, baldio, precisou o capitão Domingos, já então meirinho, proprietário da vila de Monção e seu termo, de pedir à Câmara Municipal de Melgaço lhe desse o necessário consentimento e licença, «por ser para veneração do culto divino», como alegava, licença que lhe foi concedida em 21 de Janeiro de 1713.

Passaram-se anos. Em 19 de Março de 1724 em Melgaço e nas suas casas de morada junto à igreja da Misericórdia perante o tabelião António Gomes de Abreu e as testemunhas Jerónimo Gomes de Magalhães, P.e Francisco de Abreu Magalhães e António Magalhães de Abreu, todos dos arrabaldes, Frei Domingos e sua mulher D. Isabel de Faria, mandou lavrar a escritura da fábrica da capela da Senhora da Pastoriza nomeando-lhe e hipotecando-lhe a sua quinta chamada —o Louridal— vinte campos e lameiros e soutos, dizima a Deus, sem foro nem pensão, que levará de semeadura cem alqueires de centeio; a vinha da Pigarra, de quatro cavaduras; a horta de Marrocos; a metade das suas casas de morada nesta vila de Melgaço e em 8 de Agosto do mesmo ano por provisão passada em Braga, D. Rodrigo de Moura Teles, Primaz das Espanhas, concedeu-lhe licença para edificar e erigir a capela e em 31 de Julho de 1727 a licença para o abade de Rouças a benzer.

Estava já construída de pedra, madeira, forrada e rebocada, com seu altar de talha ao moderno, a imagem da Senhora da Pastoriza no seu altar e vários santos em nichos e peanhas, pelo que em 17 de Agosto de 1727 o P.e Manuel da Cunha Lira, abade da freguesia de Rouças a benzeu e nela cantou missa.

No livro da fábrica desta capela em 25 de Dezembro de 1720 o P.e Gregório Gomes da Ribeira, morador no Ribeiro dos Homens, subúrbios da vila, como testamenteiro de Ana Monteiro, das Carvalhiças, fez transcrever a seguinte verba das últimas e derradeiras disposições testamentárias desta devota: «que o vinho da vinha que vae para as Varzeas, o grangearia Manoel Mendes e que este vinho seria para as missas que se disserem a Senhora da Pastorisa».

Em 1733 entre o fundador da capela e o pároco da vila, Rev.do Manuel da Ribeira, estalou uma questão em que se discutiu quem devia administrar as esmolas da capela e terminou por uma transação feita em 9 de Fevereiro, tendo sido escrivão do processo Domingos Máximo Gomes, servido de inquiridor Pedro de Almeida e deposto como testemunhas o capitão-mor do Pico dos Regalados Manuel da Silva de Abreu e Vasconcelos, Jerónimo Gomes de Magalhães, ambos moradores na vila e Bernardo Pereira Sotomaior, de Eiró, freguesia de Rouças.

A evocação dos passos dados para se erguer a capelinha do Coto da Pedreira, fazer-lhe fábrica e os mais sucessos ocorridos posterior- mente afastou-nos daquele ano de 1707 e por isso revertendo a tal época dir-se-á aqui haver o capitão Domingos feito em 9 de Setembro com Isabel Gomes, solteira, desta vila nortenha, um contrato pelo qual a mesma lhe vendeu ou trocou uma sua casa sita à porta da Santa Casa da Misericórdia, herdada de seus pais e a estes deixada pelo Rev.do P.e Sebastião Afonso com obrigação de uma missa cada ano, mas arruinada, recebendo dele uma outra defronte da Misericórdia.

A casa de Isabel Gomes partia de uma e outra parte com rua e casas do capitão e era telhada e não tinha sobrado e a de Frei Domingos partia do nascente com o prédio de Clemente Gonçalves, onde moraram Pero Alves, artilheiro e do poente com as casas que haviam sido do barbeiro Francisco Roiz. Este prédio ficava com o encargo da tal missa perpétua.

Foi só no fim deste ano de 1707, que a Frei Domingos foi passada a carta de propriedade de meirinho-mor de Monção, cujo teor é deste jeito:

«Dom João por grassa de Deos Rey de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém Mar em África Senhor de Guine da Conquista Navegação Comercio de Etiópia Arabia e pérsia da índia & fasso saber a todos os Corregedores Provedores Ouvidores Juizes Justissas Officiaes e pessoas destes Meus Reinos e senhorios de Portugal a quem e cada hum dos quoais esta Minha Carta for aprezentada e conhessimento delia com direito direita mente deva e haja de pertensser e seu efeito e comprimento se pedir e Requerer por qual quer via e maneira que seja; que confiando eu de Domingos Gomes de Abreu cavaleyro da Ordem de Christo que de tudo o de que o encarregar me servirá bem e como cumpre a Meu e bem das partes tendo por bem e dou daqui em diente por Meyrinho proprietário de geral da villa de Monssão assim e da maneyra que elle deve e pode ver e como forão seus antecessores a esta mersse lhe fasso por virtude de hum Meu Alvara do quoal o theor he o seguinte: Dezembargadores do Passo amigos Faço saber que tendo respeito aos servissos de Domingos Gomes de Abreu Cavalleiro da Ordem de Christo filho de outro do mesmo nome natural da villa de Melgaço obrades na ocupassão de Monteiro Mor da villa de Melgaço e seu destrito o anno de seis centos noventa e nove em que fez sua obrigassão e da mesma maneira na de feitor geral das Alfândegas de entre douro e Minho por espassio de tres annos de trinta de Mayo de mil sete centos e hum tee Mayo de mil sete centos e quoatro nos quoais, deu cumprimento a todas as ordens em que foi encarregado procurando sempre o aumento da fazenda Real com particular zello, e satisfassão, e por ordem do Conde de Atallaya governador das armas do Minho ser encarregado de hum negocio do servisso Real no Reyno de Galiza de que Rezultou ser Prezo nelle e remetido a Corunha ao Castello de Santo Antionio adonde padesera muitos travalhos com muita perda da sua fazenda que llevaba em dinhejro e ulti- mamente o anno de mil sete centos e coatro nos Rebates que na villa de Melgaço acodir a elles com cavalo e armas e criados à sua custa hindo reconhesser o inimigo e dando avisos convinientes para se defender aquella Praça avendosse sempre com grande valor; em satisfassão de tudo e do mais que por sua parte ce me reprezentou Hei por bem fazer-lhe merce da propriedade do officio de Meyrinho geral da villa de Monssão, estando vago, e não rezultando prejuizo de tersseiro, e servirá pessoalmente o dito officio sendo apto, pello vos mando o examineis e sendo apto como dito he lhe façais passar Carta em forma do dito officio pagando Primeiro os direitos ordenados com declarassão que havendo eu por bem de lho tirar ou extinguir em algum tempo minha fazenda lhe não ficará por hisso obrigada a satisfassão alguma e este se cumprirá inteyramente como nelle se contem de que pagou de novos direitos trinta reis que forão carregados ao tisourejro delles Francisco Sarmento Pita no livro tersseiro de sua Resseita e folhas duzentos e vinte e seis. Registado no livro tersseiro do Registo Geral a folhas outenta e outo verso e valerá posto que o seu efeito haja de durar mais de hum anno sem embargo da ordenação do livro segundo tittolo quoanto em contrario Bras de Oliveira a fez em Lisboa a vinte e nove de outubro de mil setecentos e cinco. Francisco Galvão o fez escrever — Rey — o quoal alvará sendo por Mim asinado e passado pella Chansselaria e nella Registado por verdade do quoal elle dito Domingos Gomes de Abreu, o tera e servira com declarassão que avendo eu por bem de lho tirar ou extinguir, em algum tempo minha fazenda lhe não ficara por hisso obrigada a satisfassão alguma; e mando ao Juiz de fora da dita villa e as mais justissas a que pertensser que llogo metão de posse do dito officio de Meyrinho do geral ao dito Domingos Gomes de Abreu e o deixem servir e delle uzar, e levar todos os prós e precalssos e ordenados que a elle e a seus homens direjtamente lhe pertensserem asim e da maneira que delle uzarão e levarão seus antessessores o tempo que o cervirão, e milhor se com direito o puder haver sem a hisso lhe ser posto duvida ou embargo allgum por que assim o hei por bem por quoanto foi examinado e avido por apto e suficiente para servir o dito officio e pagou de novos direitos trinta e sete mil seis centos e trinta reis que forão carregados ao tisoureiro delles, Gonssalo Soares Monteiro, a folhas cento e outenta e seis verso do libro segundo de sua Recejta, como se viu de hum seu conhecimento que foi Registado a folhas cento e dezanove versso do Livro Segundo do Registo Geral, e ao dito Domingos Gomes de Abreu será dado o juramento dos Santos evangelhos na minha Chancellaria sub cargo do quoal lhe sera, emcarregado que bem e verdadejramente sirva o dito officio goardando em tudo Meu servisso, e as partes seu direito e justissa, e se porão as verbas onde direito for; dada em esta Carte e Cidade de Lisboa aos quatorze dias do mes de Dezembro de mil sete centos e sete & El Rey nosso Senhor o mandou pello Doutor João de Andrada Leitão fidalgo de sua Caza e do seu Dezembargo Dezembargador dos Aggravos e Corregedor do Crime da Corte e Caza auditor geral da gente de guerra em esta Corte e Comarqua da estremadura & desta grátis eu Antonio da Cunha escrivão do crime da Corte na dita Caza da Supplicação a fiz e escrevi. João de Andrada Leitão Lopes de Oliveira (?) pagou duzentos reis e de avaliar são seis mil e duzentos e vinte e sinquo reis aos officiaes seis centos e sincoenta reis. Lisboa quinze de Dezembro de mil sete centos e sete e jurou na Chansselaria Mor na forma do estillo.

Inocencio Corea de Moura».

Foi esta carta registada na Chancelaria-Mor da Corte no Livro de Ofícios e Mercês a fls. 333 em 16 de Dezembro de 1707.

Também pelo testamento de D. Jerónima de Faria, viúva de D. Baltasar de Sequeiros e cunhada de Frei Domingos Gomes de Abreu, sabe-se ter este fidalgo uma filha natural, Isabel Gomes de Abreu, pois pelo muito amor e carinho com que sempre a tratou quer nos seus momentos de doença quer nas horas de saúde a dona viúva doou a esta senhora a roupa de uso e os trinta mil réis por ela reservados para o bem de alma na doação de bens feita a sua irmã D. Isabel de Faria e marido.

E soube-se da fraqueza do valoroso militar melgacense pela bisbilhotice desta senhora, pois os nossos maiores tinham também as suas coisas, boas ou más consoante os ventos sopravam e uma delas era não verem em muitas ocasiões certos desatinos da gente grada. Assim desta fragilidade de Frei Domingos limitaram-se os da Confraria das Almas a consignar nos seus livros apenas estas incolores palavras:

«Isabel familiar da Caza do Cap.am D.os Gomes D Abreu entrou por hirmão nesta Santa Confraria aos Dois dias do mes de Abril de 1720 deu entrada 200 reis por não pagar de 20 a pg 722, 3. 24 e 25 e 26 e 27 e 28 e 29 e 30 e 31».

Ou então estas outras em que fica a descoberto a sem cerimónia com que casos destes se tratavam sem rebuço algum.

Mas seja como for, há-de ver-se aqui a caridade ou o amor paternal a salvar esta gente, porquanto se faziam os filhos onde calhava, também os levavam para casa, os sentavam à sua mesa, educavam-os e a toda a gente os mostravam como filhos. É que ainda se não tinha inventado nem espalhado por esses concelhos fora a vergonha da roda dos expostos!

Frei Domingos Gomes de Abreu viria a falecer em 16 de Agosto de 1748 e D. Isabel de Faria só deixou a vida corporal em 5 de Janeiro de 1763.


Extraído de:

- Esteves, Augusto César (1989) – O Meu Livro das Gerações Melgacenses – Melgaço, Edição da Nora do Autor.