Este desenho da Orada é a mais antiga ilustração que conhecemos deste templo e tem quase 150 anos.
O lugar da Orada fica a umas centenas de metros da vila, à beira da velha estrada que passava pela vila de Melgaço e se dirigia à fronteira. Trata-se de um sítio que nunca teve ocupação humana significativa, mesmo atualmente. Os valores apresentados para batismos ou óbitos, sem significado, ao longo dos últimos quatro séculos, neste lugar, assim o comprovam. Antes, estas terras eram ocupadas para uso agrícola, tal como provam alguns documentos antigos a que vamos fazer alusão posteriomente.
Sabemos que a condessa Dona Fronilde, em 14 de Dezembro de 1166, doou ao Mosteiro de Fiães a herdade de Cavaleiros, na atual freguesia de Rouças. É plausível, ainda que não certo, que o sítio da Orada pertencesse a esta herdade doada ao mosteiro.
Torna-se importante fazermos uma revisão aos documentos mais antigos relativos à Orada e percebermos a origem do topónimo através da forma como era escrito em tempos mais recuados. Assim, a referência documental mais antiga que temos conhecimento remonta a 1199. Nesse ano, a 11 de Dezembro, o rei Sancho I de Portugal doa ao mosteiro de Fiães, quatro casais e meio em Figueiredo, Monção, pela herdade de Santa Maria da Orada, doada por D. Afonso Henriques, seu pai, ao mesmo mosteiro e, agora, por ele entregue aos povoadores de Melgaço. Neste documento, pode ler-se: “Damus igitur uobis hec quatuor casalia et dimidium pro remissione peccatorum nostrorum et pro hereditate Sancte Marie da Erada quam pater meus, rex domnus Alfonsus, uobis dedit et nos dedimus eam populatoribus de Melgaz.” Repare-se como o topónimo é escrito: Erada, que será interessante para discutirmos a sua origem e significado. Outro aspeto a realçar é que a expressão “Sancte Marie da Erada”, embora não o refira, faz-nos suspeitar que já poderia existir uma ermida primitiva.
Voltamos a ter registos históricos da Orada em 1218. Por essa altura, o abade de Fiães, Diogo Dias, e o seu convento fizeram uma troca com Fernando Martins metade duma horta de vinha, em São Fagundo, então nos arrabaldes da vila de Melgaço, por uma outra junto da Santa Maria da Orada. Na escritura, pode ler-se: ”...Ego frater Didacus Didaci Dei inspiratione dictus abbas de Fenalibus una cum conuentu eiusdem tibi Fernando Martini facimus concambiam de media de una orta de vinea in loco qui uocatur Sancto Facundo, in radice fontis. Et nos recepimus de te aliam circa ecclesiam Sancte Marie de Herada, tali pacto ut si ipsa hereditas de Erada in nostra potestate fuerit,…” Note-se a forma como aparece escrito o topónimo arcaico Erada ou Herada, ainda no primeiro quarto do século XIII. Trata-se igualmente da mais antiga citação documental conhecida à igreja da Orada (“ecclesiam Sancte Marie de Herada”).
Num outro documento, datado de 1219, e provavelmente relacionado com a permuta citada antes, podemos ler um acordo realizado pelo abade Pedro III, do mosteiro de Celanova, com o abade Gonçalo de Fiães, a respeito do lugar de Figueiredo, na terra de Valadares. Neste documento, o topónimo aparece escrito “Sancte Marie da Erada”.
Temos novas referências documentais à Orada na década de quarenta do século XIII. Assim, sabemos que em 1240, um tal Afonso Pais e esposa permutaram com o Mosteiro de Fiães uma horta situada entre a Orada e a Gafaria de São Gião (na escritura, “leprozos de Melgazo”), por outra horta e uma casa do mesmo mosteiro. Tal como se refere, a tal horta situava-se “in ripa de Regario, qui currit inter Heerada et leprosos de Melgazo”. Aqui, o topónimo aparece escrito com um H inicial.
Ainda em Maio do mesmo ano de 1240, é formalizada uma doação feita por um tal João Pires, o Bosco, e a sua esposa Marinha Joannes, de uma vinha junto à capela de Santa Maria da Orada, sob a Carreira, e um terreno sobre Merrelhe. Conforme se cita, a localização da dita vinha é assim descrita na escritura: “unam vineam circa ecclesiam Sancte Marie de Erada sub carreira et unum terreum quod est super Mereli”. Duas pequenas notas deste pequeno extrato da escritura que convém salientar: por um lado, a grafia do topónimo mantêm-se idêntica mas temos aqui outra das mais antigas referências documentais à igreja da Orada (“ecclesiam Sancte Marie de Erada”).
Convocamos ainda uma outra citação em documentação da época que tem um interesse especial. Trata-se de uma escritura redigida em 1241, onde um tal Pedro Pires, o Tirado, e sua esposa, venderam a Frei Lopo Pires de Santa Maria da Orada, uma leira na fonte sobre Pomarinho. Segundo PINTOR (1950), temos aqui a primeira indicação a frades na Orada. Voltamos a encontrar referências a monges na Orada numa escritura de 1242 e, entre os assinantes da mesma, é mencionado um tal F. Joanes da Orada (“F. Iohannis de Herada”). Temos ainda o exemplo de uma outra escritura de 1246, onde nos aparece, entre os confirmantes, um tal Paio, monge da Orada (“Pelagius monachus de Erada”). Assim, temos aqui algumas evidências que a Orada teria algum tipo de comunidade de frades, ligados a Fiães, desconhecendo-se a sua dimensão.
Em face das mais antigas referências documentais conhecidas, fica claro que o topónimo arcaico de Orada é “Erada” ou “Herada” e que assim parece remeter o seu significado para hera ou heradeira. No Cartulário de Fiães, existe uma escritura de meados do século XIII, onde se formaliza uma venda de uma herdade em Rouças, cujos limites são “...pela água do Mestre, à leira da Igreja de Santa Marinha e daí ao porto da pedra da herada de Jusão.” (Et est terminum ipsius hereditatis quomodo diuiditur per aquam de Magister et vadit ad leiram de ecclesia Sancte Marine et deinde ad portum de pedra de Heerada de Uizau)
Desta forma, é pertinente pensarmos que o topónimo Orada pode-se explicar por ser, em tempos antigos, um local onde houvesse abundância de heras. Esta linha de pensamento é seguida por PINTOR (1950). Contudo, esta opinião contraria a de alguns autores que sugerem que Orada explica-se por ser um lugar de oração e pela presença da igreja. Todavia, temos que ter em conta que não sabemos se a presença do templo é ou não mais antigo que o uso do próprio topónimo. Tal como vimos atrás, as primeiras alusões documentais ao topónimo referem-se à herdade e à igreja da Orada.
Temos ainda uma outra opinião que é explanada por Aldomar Soares na edição da Voz de Melgaço de Janeiro de 1962, onde expõe o seguinte: “Quanto aos que vêem Orada vinda de hera… podem ter razão, pois o sítio, por seco e exposto ao sol, é propício à eclogia destas plantas rastejantes e trepadoras (…) Para mim – notem que digo para mim – tenho que Erada é má derivação de herdade, em latim, hereditas.” Assim, admite a possibilidade da hipótese adiantada pela Padre Bernardo Pintor estar certa mas acredita mais na origem do topónimo estar relacionado com o termo herdade.
Não se conhecem, com exatidão, origens da capela de Nossa Senhora da Orada. Diz-se que, no tempo de D. Afonso Henriques, haveria aqui uma pequena ermida e que teria sido reconstruída no tempo deste monarca e a mando deste. ESTEVES (2003) admite essa possibilidade, e enceta uma complexa discussão acerca das origens da capela da Orada que vale a pena transcrever, onde começa por mencionar que “...não se pode negar uma certa probabilidade a esta na parte referente ao primeiro rei português, tanto mais quanto é certo Orada ser reguengo e portanto propriedade de el-rei. Que o sítio pertencia à série de reguengos di-lo abertamente a Inquirição de 1258 e até conta como ele foi usurpado ao património real e dado a um Convento, sem ao menos o Vigarius da terra ter escrito no Rol o consagrado – « Perdit Dominus Rex illud» – , E assim o Senhor Rei perdeu o prédio: «…Item, disseram que Dom Suerio Ayras tinha a Terra da mão de el-rei Dom Afonso I, e filou um homem no mosteiro de Fiães e enforcou-o, e por isso filou esse sobredito Suerio Ayras Santa Maria da Orada, que era reguenga de el-rei, e deu-a ao Mosteiro de Fiães. Item, veio o rei Dom Sancho I a Melgaço e filou Santa Maria da Orada para si, e deu a Fiães por ela Figueiredo e cem maravedis; e ora têm, os frades de Fiães, essa Santa Maria e Figueiredo, e não sabem por que os têm.» Talvez o rei não tivesse conhecimento da espoliação nem tão pouco, em dias da sua vida, haveria dado aos frades de Fiães a Orada. Tal suspeita fundamenta-se ao lermos este velhíssimo documento de 1173, confirmado por D. Afonso Henriques, o seguinte: “… pro remedio anime mea atque remissione omnium peccatorum meorum. vobis domno iohanni abbati de fenalis, atque universis successoribus vestris dono atque concedo totum quod in presentiarum habeo ab illa vite de melgazo usque ad terminum de chavianes quomodo claudit per cotarum, et inde usque ad minium.” E julgar-se-á assim porquanto o objecto da doação pode considerar-se um largo trato de terreno, com sesmarias e devesas, decerto, onde não faltaria a caça, nem as árvores, os matos e até os casais. O Cótaro e o Rio Minho, em pontos opostos, o afirmam; mas nos limites traçados por el-rei não é lícito incluir a Orada, a igreja ou o reguengo, já que neles se não fala e são hoje indeterminados por desconhecidos os primeiros pontos da referência indicados.
… ab illa vite de melgazo… (… desde aquela vinha de Melgaço...)
Mas qual vinha? Onde estava situada a tal vinha de Melgaço? - … usque ao terminum de Chavianes… Mas onde começava e terminava o termo de Chaviães em 1173?
Um documento deste género deve ser considerado irrelevante por quantos o queiram incluir entre os referentes à Orada, pensar-se-á. Mas, não é assim; porque o documento de Figueiredo, outorgado por Sancho I ao D. Abade de Fiães em 1189 contradiz tal conclusão, pois nele se lê: « Ego Santius dei gratia portugalie Rex una cum filio meo domno alfonso, et ceteris filiis. et filiabus meis. vobis domno iohanni abbati de fenalis, et fratribus vestris tam presentibus quam futuris de illis quatuor casalibus et demidio que habuimus in villa que vocant figueiredo Damus igitur vobis hoc quatuor casalis el demidium per remissione pecattorum nostrorum et per hereditate sancte marie da erada quam pater meus Rex domnus Alfonsus vobis dedit et nos dedimus eam poplatoribus de melgazo…»
Ora se D. Sancho I deu aos frades de Fiães os quatro casais e meio de Figueiredo pela remissão dos seus pecados e pela herdade de Santa Maria da Orada que o meu pai, o Senhor Rei D. Afonso, vos deu, aquele velho documento refere-se ao reguengo da Orada e daí esta convicção: D. Afonso Henriques teve conhecimento da espoliação feita pelo seu Rico Homem e confirmou-a quando o julgou oportuno.
Não fala, na verdade, nenhum destes documentos na igrejola da Orada, mas tal exclusão nada representa, porque o rei dando o todo, deu a parte e se tal redacção permitiu é porque nenhuma circunstância de momento impunha ao velho rei de Portugal qualquer referência expressa e forçosa à igreja.
Mas seja como for a realidade, a existência da igreja nos dois primeiros reinados pode ser posta em dúvida. Não assim no imediato, porque é inegável a sua existência no tempo de D. Afonso II. Afirma-o um documento de 1218: « Ego frater Didacus didaci dei inspiratione dictus Abbos de fenalibus una cum Conventu ejusdem tibi Fernando martini facimus concambiam de media de una orta de vinea in loco qui vocatur sancto facundo in radice fontis et nos recepimus de te aliam circa ecclesiam Sancte Marie de herada… »
Reafirma-o este de 1220: « judicibus delegatis causa inter monasterium de feanes ex una parte. et burgenses de melgatio ex altera super hemitagio sancte marie de Erade et suis terminis… »
Confirma a informação de ambos um de Maio de 1240: «quod ego Johannes petri quod nomine bosco, et uxor mea Marina johannis pro remedio animarum nostrarum facimus cartam donationis et firmitudinis tibi abbati Martino et conventui eiusdem loci sancte Marie de fenalibus de nostra hereditate quam habemus videlicet unam vineam circa ecclesiam sancte Marie de erada sub carreira...»
E corrobora os dizeres de todos três, este do mesmo ano: «… quod ego petrus fernandi quod nomine nigro et uxor mea maior silvestri. pro remedium animarum nostrarum facimus cartam donationis et firmitudinis de duabus ortis qui sunt iuxta ecclesiam sancte marie de herada…»
E, assim, se não fica de pé a tradição recolhida pelas velhas crónicas monásticas, comprovado está e fica ter existido na Orada antes de 1245 uma capela levantada em honra de Santa Maria da Orada, erecta, para nós os pecadores de hoje, sob a invocação de Nossa Senhora da Orada – palavra assim ortografada já no processo da Inquirição de 1258.” Desta forma, não há maneira de demonstrarmos a antiguidade da primitiva igreja antes da primeira citação documental que data de 1199.
Temos alguns elementos históricos posteriores a este período e que fizemos alusão a alguns anteriormente. Sabemos que a capela ostenta uma data inscrita junto ao arco triunfal assinalando a reconstrução da igreja, provavelmente substituindo a primitiva, possivelmente um eremitério dos frades de Fiães. A data aparece em numeração romana e aponta o ano MCCLXXXIII (1283), na era de César, a que corresponde o ano de 1245, no calendário gregoriano. Então quem terá fundado esta igreja? Os documentos a que já fizemos referência não nos elucidam a dar as respostas necessárias mas existe uma inscrição que fica na frente junto à porta à direita de quem entra. Esta inscrição, com a maior parte das palavras abreviadas diz: “PRIOR MONACHORUM FENALIBUS ISTAM ECCLESIAM FUNDAVIT” que no português corrente se pode ler: “o Prior dos Monges de Fiães fundou esta igreja”.
Segundo ESTEVES (1956), “...se já existia na Orada em 1218 uma igreja que ainda estava de pé em 1240 e até chegou a ser um eremitério para os frades de Fiães, essa igreja primitiva desapareceu depois de 1240, quer a arruinasse o tempo, quer aqueles frades, por pobre ou não representar para eles qualquer interesse de maior, a demolissem. No seu lugar mandaram construir a actual. Esta é, pois, uma reconstrução da primitiva e data de 1245.”
Tal como foi feita alusão atrás, em 1258, os documentos das inquirições referem que a igreja da Orada tinha sido usurpada ao património real e dado a um convento, sem o vigário da terra ter escrito no rol o consagrado - "Perdit Dominus Rex illud" - perdendo-o assim o rei.
Temos conhecimento também que em 5 Maio de 1303, um tal Lourenço Gonçalves Raposo, morador na Bouça, doou trinta soldos à ermida de Santa Maria de Orada, mandando que a sua geração dê anualmente à ermida da Orada os trinta soldos.
Em 1567, foi erguido o cruzeiro com a imagem de Cristo crucificado em frente da capela da Orada, durante um período da peste, como agradecimento por Melgaço ter sido poupada ou a pedir por aqueles que morreram. Segundo ESTEVES (1956), o dito cruzeiro “...é um ex-voto dos melgacenses daquela era, ali colocado naquele ano de peste, para agradecer a Deus ter poupado Melgaço aos seus horrores ou a pedir um Pai nosso por alma dos ceifados por ela nestas redondezas. Muitos e mui fervorosos devotos teve este cruzeiro...”
Esse período da peste é a origem da devoção que muitas povoações na região tinham à Senhora da Orada. Deu origem a várias lendas relacionadas com milagres relacionados com a proteção dada a algumas povoações na região por parte da Senhora da Orada. A este propósito, numa publicação de 1890, o “Archivo Histórico de Portugal”, faz-se referências ao tempo em que a capela da Orada era visitada por numerosos romeiros devotos em séculos anteriores. O autor conta-nos que “Tem Melgaço um templo digno de menção, edificado sobre uma elevação sobranceira ao rio Minho, o qual, como se sabe, separa esta villa do reino vizinho. O atrio d’este é atravessado por uma estrada, que vindo da povoação parte para a Galliza.
O templo, da invocação de Nossa Senhora da Orada, é construído de boa cantaria e foi até 1834 da jurisdição dos monges do Convento de Santa Maria de Fiães. Desde a egreja à povoação é a estrada ladeada de formosas hortas, pomares, fontes abundantes de magníficas águas, vistosos campos e casas, o que dá o mais alegre e grato aspeto do sítio.
Do dia da Ascensão até ao domingo do Espírito Santo era outrora muito concorrida a estrada pelos romeiros do concelho de Melgaço, Valladares e Monção, os quais iam oferecer à Virgem da Orada o resíduo pascal, lavando cada freguesia os seus párocos, e ao menos uma pessoa de cada família.
Tinham estas romagens um voto que os povos das mencionadas freguezias fizeram durante uma terrível epidemia de peste, que, tendo assolado e deixando desertas inúmeras povoações, áquelas não havia causado o mínimo damno.
Hoje, conquanto ainda tenha devotos, não é a egreja procurada como d’antes. A civilização fazendo pouco a pouco no espírito humano tem-lhe ensinado que o verdadeiro templo é a consciência próprio, que todos devem honrar e respeitar como um sanctuário que Deus nos collocou dentro do peito.”
Existe também uma lenda popular alusiva à Senhora da Orada e que remonta ao período da peste. Sendo verdadeira ou não, ajuda-nos a perceber a origem da extrema devoção à Orada nesta região. A lenda diz-nos que "Corria o ano da Graça de Nosso Senhor de 1569, e pelas terras do vale do Minho espalhava-se a peste. Em todas as freguesias as pessoas estavam apavoradas com o terrível flagelo. Ricos e pobres eram atacados por um grande febrão, e ninguém parecia escapar a esta desgraça. Cheios de pavor e de fé, todos se voltavam para os santos, pois só a eles parecia restar o poder para debelar tão grande infortúnio.
Por essa altura, morava no lugar da Assadura, junto da Senhora da Orada, Tomé Anes, mais conhecido como o "Vira-Pipas", pois andava sempre com uma malguinha a mais. Tomé Anes era uma figura alegre, mas um pouco desbocada, quando importunado com a alcunha. Para além de urnas pequenas leiras que amainava, Tomé limpava e arrumava a capela da Senhora da Orada, trabalho que fazia com muito desvelo e devoção.
Numa certa manhã, como de costume, Tomé foi arranjar a capela. Como era ainda cedo, só tinha tomado o seu «mata-bicho», lá em casa, e uma pequena malga de vinho na tasca da Mirandolina. Chegado à capela, o "Vira-Pipas" quase morreu de susto, pois a imagem da Senhora da Orada não estava no seu lugar, nem em qualquer outro! Vezes acontecia que chegava a ver duas ou três imagens da Senhora, quando a borracheira passava do normal. Não ver nenhuma assustava-o seriamente. Cego não estava! Ainda perguntou à imagem do Senhor S. Brás pela ausente, mas como este não respondeu, pensou que teriam sido os Galegos os autores de tão vil afronta.
Furioso saiu o "Vira-Pipas" em direcção à vila de Melgaço para comunicar o sucedido ao Alcaide, e disposto a juntar o povo para enfrentar tal desfeita. Ia o Tomé nestes propósitos pela via romana, quando o chamaram da casa do Arrocheiro para dar uma ajuda na trasfega do vinho. Este era trabalho a que nunca se negava o Tomé, já que entre o passar dos cabaços do vinho lá ia bebendo uma pequena malga do apreciado líquido. Depois de muito bebido e comido, deixou-se o "Vira-Pipas" levar pelo sono, de modo que já só noite dentro acordou e contou o sucedido para os lados da Orada ao seu amigo. Conhecendo os hábitos do Tomé, este só se riu, não acreditando em tão fantasiosa história. Mas como o Tomé insistia tanto, concordou em confirmar o acontecido com uma visita à igreja. Ao entrarem, verificaram que a imagem da Virgem estava no seu lugar. O único surpreendido era o "Vira-Pipas"!
No dia seguinte, muito envergonhado, decidiu o Tomé ir à Senhora da Orada mais cedo do que era costume. Para testar as suas capacidades, num grande esforço, não bebeu a sua malguinha de vinho, nem o imprescindível «mata-bicho»! Chegou até a meter a cabeça debaixo da fonte, para dissipar os possíveis vapores alcoólicos do dia anterior.
Na capela verificou que só estava o menino Jesus, sentado, com aquela cara de choro que toda a criança tem quando a mãe não o leva ao colo. Tomé ficou abismado, sem saber o que fazer. Com medo que se rissem dele, não contou a ninguém, preferindo entregar-se ao trabalho, ao ponto dos conhecidos ficarem admirados com tal dedicação. De manhã e à noite ia à capela, e verificou que a senhora da orada voltava à noitinha. Umas vezes levava o menino, outras não. Só o Tomé sabia destas fugas, e pressentiu naquele mistério uma grande responsabilidade. Não lhe passava da ideia o que lhe acontecera, julgando-se destinatário de uma mensagem da Senhora para que abandonasse o consumo do álcool. Por isso, começou a diminuir no vinho, o que a todos surpreendeu!
Enquanto isto sucedia ao pobre do Tomé, em Riba de Mouro no concelho de Monção, os habitantes viraram-se para a milagrosa Senhora da orada a fim de se livrarem da mortífera peste, que por aqueles anos assolava toda a região. Para agradar à Senhora, prometeram uma romagem anual à capela.
Depois de aparecerem os primeiros casos, surgiu na dita freguesia uma senhora, muito bonita e educada, que dizia saber como tratar aquela doença. Ninguém sabia donde ela viera. Entrava na casa das pessoas doentes, mandava fazer um chá com uma planta que trazia no alforge, e, juntando outras ervas, mandava preparar um banho que ela própria passava no corpo do doente, fosse mulher, criança ou homem. Recomendava às pessoas que se lavassem com ervas de Santa Maria e folhas de sabugueiro, que defumassem as casas com alecrim, e lavassem as roupas amiúde. A bondosa dama não tinha mãos a medir! De manhã até à noite, não parava de atender os doentes. Não comia nem aceitava convite para ficar à noite com eles. Quando trazia um menino, que dizia ser seu filho, este ajudava a descobrir a erva de Santa Maria e os sabugueiros que o povo não sabia onde mais encontrar.
Entretanto passaram-se quarenta dias, e a peste abrandou. Poucas pessoas sobreviveram ao flagelo, mas em Riba de Mouro ninguém morreu! A senhora que tinha ajudado a população desapareceu tal como havia surgido. Todos se perguntavam agora sobre a identidade daquela misteriosa senhora. Alguém se lembrou, então, que a roupa, e até a fisionomia, eram iguais à da Senhora da Orada!
Nesta certeza, logo partiram em romaria ao seu santuário, agradecendo a protecção. Vendo tal devoção e escutando o sucedido, o Tomé entendeu rapidamente o que lhe tinha sucedido e resolveu contar a todos os desaparecimentos da Senhora naqueles dias anteriores. Agora, todos acreditaram! Os romeiros partiram, espalhando o relato do milagre por todas as freguesias.”
Nas obras de restauro feitas nos anos quarenta do século passado, foi posta a descoberto uma inscrição com o ano de 1691, numa pedra lavrada, que corresponde provavelmente a uma intervenção.
Nos séculos XVII e XVIII, é feita a substituição do antigo arco cruzeiro, feitura do púlpito, coro e outros melhoramentos. No início do século XVIII, o Frei Agostinho de Santa Maria, no seu Santuário Mariano (Tomo IV), publicado em 1712, apresenta-nos a igreja da Orada nessa época, nos seguintes termos: “Um tiro de mosquete pouco mais ou menos de distância da Praça de Melgaço se vê situado o Santuário e Casa de Nossa Senhora da Orada. Foi edificada sobre o mais alto de um monte eminente ao rio Minho que lhe fica da parte do norte, em igual distância do arrabalde da dita praça e vila de Melgaço de onde vem uma estrada pública que vai para o Reino de Galiza e Castela que passa junto ao átrio da capela. E desta até à vila se vê a estrada povoada e pomares, que tudo suaviza e recreia muito a vista a todos os que passam e também aos devotos da Senhora da Orada quando a vão buscar e venerar, tudo isto é um passeio.
É este templo de excelente estrutura, porque é fabricado de boa cantaria e é da jurisdição e administração dos Monges de Santa Maria de Fiães. Porque dele lhe fez doação El-Rei D. Sancho I deste reino, como coisa sua, pelo ter herdado de seu pai, o rei D. Afonso Henriques, que foi o que o reedificou depois da restauração de Espanha. De onde se colhe, que houve um templo mais antigo do que este, pois este foi reedificado sem dúvida ou porque o primeiro ameaçava ruína, ou estava já arruinado. Tudo isto consta de uma escritura de doação feita pelo referido rei D. Sancho em Santarém aos 3 dos idos de Setembro do anos de 1207 que assinou o mesmo rei com todos os seus filhos e prelados do reino que ali se achavam como era costume naqueles tempos. Esta escritura está no Livro das Datas do mesmo Mosteiro de Fiães o qual se conserva no cartório do referido mosteiro e assim se verifica ser este templo da Senhora da Orada antiquíssimo, como também o título da Senhora. Também daqui se colhe a particular devoção dos reis, fundadores deste reino. Como foi informado o padre António Carvalho da Costa, em dizer que este templo da Senhora da Orada era da Condessa Fronilla. A Quinta de Cavaleiros podia ser sua e fazer dela doação ao Convento de Fiães no ano de 1166 mas a Casa da Senhora da Orada não. !
A imagem da Senhora antiga com o decurso dos anos se desfez e a que existe é muito devota. É de perfeitíssima escultura, tem ao Menino Deus sobre o braço esquerdo e tem cinco palmos de estatura. É de madeira com as roupas estofadas de ouro. É muito milagrosa e como tal é buscada e invocada da devoção dos fiéis, os quais por sua intercessão, alcançam de seu Santíssimo Filho, o que justamente pretendem. A este santuário, desde o dia da ascensão do Senhor até à festa do Espírito Santo, vão em romaria as mães das freguesias da vila de Monção e do seu termo, a oferecer o resíduo do Círio Pascal e vai acompanhar a procissão ao menos uma pessoa de cada paróquia, com os seus párocos e isto por voto que antigamente fizeram em tempo de uma grande peste, de que ficou preservada a mesma vila e as freguesias do seu termo, as quais fizeram o referido voto e também muitas freguesias do termo de Valadares e todas as do termo de Melgaço. As gentes vão em procissão à Senhora da Orada e no mesmo tempo, umas por devoção e muitas por voto, com clamores e procissão no mesmo santuário, para implorar da Senhora os favores do Céu. E também em tempo que se necessita de sol, ou de chuva, vão muitas freguesias em procissão com ladainhas a pedir à Senhora os seus favores. O que com evidência experimentam, porque esta misericordiosa Senhora lhes alcança logo os bons despachos de tudo o que pedem.
É tradição antiga, que por favor e intercessão desta milagrosa Senhora se livraram muitos cativos, que estavam em prisões em terras de Mouros e que milagrosamente ou por ministério dos Anjos, apareceram às portas do templo da Senhora da Orada com os grilhões e correntes com que estavam presos. Os quais invocando o favor da Senhora da Orada, ela compadecida do seu trabalho e os aliviava e trazia à sua Casa. Infinitos são os milagres que obra e tem obrado a Senhora, e o querer fazer deles relação, não haveria papel que os compreendesse.
O autor da Corografia, o Padre Carvalho, também confirma a grande devoção de todos aqueles povos para com esta Senhora mas queixa-se de que a devoção daqueles Monges de Fiães já hoje estava muito tíbia, tendo antigamente muito fervorosa e que esta indevoção se ia já pegando muito. Porque não só já hoje a gente é menos, mas a Casa da Senhora se via menos asseada e que temia que viesse a padecer ruína. Porque como os arcebispos primazes não se podem ali intrometer, também os não podem obrigar a que reparem a Casa da Senhora da Orada para que se não arruine de todo e extinga totalmente aquela grande e antiga devoção que todos aqueles povos tinham com aquela milagrosa e prodigiosa imagem da Senhora da Orada. Nem eu posso crer de religiosos tão solícitos da sua religião tenham tão grande descuido em uma matéria que merece tanto cuidado e atenção."
Temos conhecimento que em tempos que não conseguimos precisar, os frades deixaram de ali ter o seu eremitério, levando as chaves da igreja para Fiães, passando assim a estar fechada grande parte do tempo. Segundo PINTOR (1950), tal questão teria a ver com o facto de a Orada, que se encontrava no território paroquial de Santa Maria da Porta, teria sido interditada por um visitador da paróquia por os frades não darem as chaves para o templo ser visitado. De facto, apenas sabemos que no relatório da visita de 1737, em que o interdito é levantado por causa de se poder cumprir com o expresso no testamento do Padre Domingos Gomes Lobarinhas que tinha disposto que se dissessem duas missas por semana na Senhora da Orada.
Em meados do século XVIII, em 24 Maio de 1758, e segundo o padre Bento Lourenço de Nogueira, nas Memórias Paroquiais, refere que a capela de Nossa Senhora da Orada tinha sido fundação dos Templários, pertencia aos monges de São Bernardo do Mosteiro de Fiães e ficava junto à estrada que ia para a raia seca, que dividia Portugal da Galiza.
Diga-se que a devoção à Nossa Senhora da Orada continuava viva e socorremo-nos de alguns episódios que a comprovam. Em anos de crise agrícola, o concelho vinha em procissão à capela pedir proteção e implorar socorro divino. Assim aconteceu em 1760, devido ao rigor da chuva, bem como em 1768, ou em 1778 por causa da estiagem. Lá foi também depois do sismo de 31 de Março de 1761, onde toda a comunidade foi descalça, com cordas ao pescoço e coroas de espinho na cabeça.
Até 1834, pertenceu ao mosteiro de Fiães, altura em que devido à extinção das ordens religiosas, foi entregue às autoridades concelhias. Em 1 de Janeiro de 1888, D. Albina Olímpia de Sousa e Castro, sendo então fabriqueira da capela, oferece um campo na área próxima da capela, para criar um terreiro frontal à mesma.
Em 15 Fevereiro de 1898, aquando da abertura da estrada real de Melgaço para São Gregório, a Junta de Freguesia deliberou colocar o Cruzeiro da Orada no centro do pequeno recinto, à margem da estrada, na confluência das freguesias de Santa Maria da Porta e Santa Maria Madalena de Chaviães, porque até ali estava junto à parede de suporte do terreno da capela. Por essa altura, é destruída a galilé da capela que ainda nos aparece num desenho no livro “O Minho Pitoresco”.
A estrada real para São Gregório passava pelo interior da galilé. PINTOR (2005) acrescenta, em relação a este assunto, que de facto “Frente à ermida da Senhora da Orada havia uma arcaria coberta a que na linguagem vulgar se chama alpendre ou cabido e os eruditos conhecem por galilé, nártex ou átrio…” LEAL (1874) também se refere menciona a a estrada pública que “passando pelo átrio do Santuário se dirige à Galiza”. VIEIRA (1886) é mais explícito ao referir-se a “O templo, sob cujas arcarias passa a via pública…”.
Assim, não restam dúvidas de que a capela tinha uma galilé e por dentro dele passava a velha estrada e, tal como citamos atrás, a mesma foi demolida na altura da construção da nova estrada real.
Em finais dos anos trinta do século passado, o templo sofreu obras de restauro, com o apeamento de dois altares da nave e capela-mor, coro e púlpito, entaipamento da nova fresta da capela-mor e da porta aberta posteriormente ao lado em substituição de um antigo nicho, que foi restaurado. Por outro lado, procedeu-se ao desentaipamento do segundo nicho da capela-mor, reabertura da porta da fachada sul que fora entaipada, apeamento de novo arco da capela-mor e restauração do antigo, desentaipamento e reconstituição dos nichos ladeando o arco, reconstrução da cobertura de nave, rebaixamento do pavimento, restauração da fresta testeira e deslocação do sino e pedra brasonada, regularização do adro e assentamento do novo lajedo, deslocação do arco de acesso à igreja, construção e assentamento da cruz terminal, limpeza geral das cantarias e refechamento das juntas, construção e assentamento de novas portas, construção do altar-mor e assentamento de vidraças coloridas em armação de chumbo.
Em 1955, foi de novo sujeita a obras com diversos trabalhos de construção civil. Em 1963, foi feita a reparação dos telhados. Em 1970, foi feita uma revisão dos telhados e em 1972, foram feitas reparações dos prejuízos ocasionados por um temporal. Em 1976, é feito o tratamento das cantarias do pórtico do frontispício e reparação geral dos telhados; Em 1980 é feita a pintura da face interior das portadas, reparação dos telhados da nave e capela-mor. Posteriormente, houve outras intervenções menores que não merecem menção.
Em termos arquitetónicos, a capela da Orada apresenta uma planta longitudinal orientada, composta por uma só nave e ábside quadrada. Possui volumes articulados com cobertura de telha a duas águas. Apresenta ainda fachada principal enquadrada lateral e frontalmente por contrafortes e terminado em empena encimada por cruz foliculada sobre dorso de carneiro. O portal é de três arquivoltas com enxaquetados, motivos vegetalistas, molduras e besantes, sobre imposta corrida e esculpida assente em colunas com capitéis vegetalistas. Encima-o cornija sobre cachorrada e fresta com colunelos, capitéis lisos, arquivolta e frisos envolventes de motivos vegetalistas e geométricos. Apresenta ainda fachadas laterais corridas por friso e vários modilhões de apoio a dependências, fresta central, cornija sobre cachorros esculpidos e portal lateral; o do norte de arco de volta perfeita, e nós de Salomão gravados nas aduelas, sobre impostas zoomórficas. Podemos observar tímpano com árvore da vida ladeado por harpia e outro animal. Ábside com cornija besantada sobre cachorros esculpidos e fresta na parede testeira, abrindo para fora em arco quebrado. O interior apresenta-se com cobertura de madeira. De ambos os lados, corre soco; arco cruzeiro quebrado, de duas arquivoltas: a exterior apresenta-se com friso esculpido sobre imposta e a interior sobre colunas com capitéis quadrangulares. Ladeia-o dois nichos estreitos de arco quebrado e encima-o fresta. Na parede da Epístola, existe uma inscrição. A capela-mor possui um pavimento mais alto, fresta da parede testeira abrindo também para o interior e dois nichos laterais, de arco quebrado.
Acrescente-se ainda que se trata de uma igreja de fábrica muito cuidada e custosa em relação ao local de implantação, ainda hoje isolada, revelando assim grande devoção. A maior concentração de motivos de carácter apotropaicos gravados no portal norte revela seguir a tendência da região em temer os espíritos virem do norte. Nos cachorros, observamos temas tradicionais e populares, como o nó de Salomão, a suástica flamejante, a roseta, etc. e outros mais modernos, como cabeças - rei coroado -, objetos e geometrizados, de escultura bastante cuidada. O portal axial, sem tímpano, e de arco quebrado, pelas bases de plinto bastante alto, reduzido tamanho dos seus capitéis de folhagem e sem volutas, pela modinatura e organização das arquivoltas e do pé-direito, bem como pelos temas, quase heráldicos, que as decoram, deve ser considerada já como protogótico, embora nele se possam ver ainda aves afrontadas, um friso enxaquetado e as malgas, típicas do portal lateral de Paderne. A decoração do tímpano do portal lateral norte, com a árvore da vida, constitui uma composição escultural única em Portugal, de grande carácter simbólico. (NOÉ, 1998)
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