Os anos dourados das termas, tal como noutras estâncias por esse Portugal fora, deram lugar a uma época de declínio. Com efeito, a partir de meados do século XX, inicia-se um período durante o qual a articulação entre o lazer e a terapia, na definição do “produto termal”, foi posta em causa pela própria evolução da medicina, e pelo declínio da sua vocação turística. Efetivamente, é a partir desta altura que o turismo balnear começa a crescer de forma explosiva, roubando clientes das termas, ao qual podemos juntar o desenvolvimento da medicina científica. Em conjunto, deram o “golpe fatal” para muitos estabelecimentos termais, que começam a fechar por falta de clientela.
Por outro lado, a partir da década de 70, dá-se uma alteração do perfil do termalista, pois se anteriormente as termas eram frequentadas por uma elite, as mesmas passam principalmente, a partir de 1974, a ser frequentados por classes menos favorecidas, uma vez que se estabelece a comparticipação dos tratamentos pela Segurança Social (GUSTAVO, 2010). Todavia, este novo tipo de clientela, sobretudo de uma faixa etária mais idosa, não contribuiu para a recuperação do setor, uma vez que o envelhecimento associado a um estado de degradação geral das termas não proporcionava uma imagem atrativa para um estrato mais jovem da população.
Dois anos depois, em 1976, foi legislado que os cuidados termais se deviam equiparar aos outros cuidados de saúde, o que determinou que a comparticipação se alargasse às despesas com alojamento, transporte e alimentação, permitindo o aumento da procura termal. No entanto esta medida só durou até 1981 o que não consolidou a recuperação do setor.
As termas do Peso modernizaram-se procurando responder às novas exigências do mercado do termalismo com a criação de novas estruturas de lazer como o mini-golf, campo de ténis, ou um Health Club, entre outras. Contudo, o Peso continuava a vender-se aos potenciais visitantes como uma conjugação entre as águas que detinham caraterísticas terapêuticas singulares e um turismo de lazer, muito ligado aos passeios pela região, o ar puro e os ditos espaços de lazer que foram sendo construídos no parque termal. Atente-se num desdobrável da Câmara Municipal de Melgaço, dos anos cinquenta, onde o professor António Pinho, na sua majestosa escrita, nos descrevia assim o Peso na época: “...num pitoresco recanto, brotam, em duas bicas, as afamadas “águas minerais” que ao doente aliviam e ao são proporcionam bebida agradável. Sim, a essa distância situa-se a Estância Hidrológica do Peso.
O Peso... Insigne “boulevard” sob ramada compacta de árvores frondosas; rincão onde o sol, noutras partes, calcinante, enamorando a copa do arvoredo, que sofre as inclemências do astro-rei, para prodigamente oferecer ao aquista ou ao visitante, a sombra, uma sombra perfumada pelo aroma inconfundível da flor das tílias que se evola nos ares e cala nos corações.
Estância de cura e turismo, de vilegiatura e repouso, é o Peso. Ali afluem, na época calmosa, inúmeras pessoas que, extasiadas, esquecem, como que por encanto, aquelas preocupações do dia a dia que a todos encurtam a vida e comprometem a alma. Aí, tudo distrai e seduz...
É o harmonioso marulhar das águas do bucólico regatozinho. São os campos de jogos, onde se pratica o ténis e joga o golf. É mais além, o maravilhoso Balneário, onde se exercita a mais avançada terapêutica, que bem digno é duma visita. É adentro do majestoso pavilhão, o cantar da água da “bica” que, qualquer coisa, parece segredar às solicitas empregadas, as quais num constante vai-vem, levam um copo vazio, enquanto a miraculosa água a outro abranda sofrimento ou mitiga a sede.
E, por toda a parte se vê gente que admira, comenta, medita, lê, conversa, discute e, assim, neste cantinho abençoado, o espírito esclarece-se, o país encontra-se, a saúde melhora-se e as horas voam!...
Mas o businar das caminhetas dos hotéis lembra a hora de jantar. Mergulha-se, então, a Estância no silêncio e o buliço é agora nos hotéis e pensões onde a culinária é de primeira qualidade…”
Esta descrição procura elevar o Peso ao estatuto de paraíso, ainda que, por esta altura, no pós Segunda Guerra Mundial, os aquistas começassem a diminuir bastante. Conforme se menciona atrás, a volatilidade das tendências do turismo termal não encontrou correspondência na capacidade de modernização e os aquistas começaram a deixar de encher os hotéis do Peso. Mais razões, podemos encontrá-las num pequeno mas interessante artigo no jornal “Estrella do Minho”, na sua edição de 17 de Setembro de 1955: “As termas de Melgaço e a sua crise - Se há termas que pela sua excelência hídrica merecem especial atenção, as de Peso (Melgaço) estão entre elas. No vasto panorama da terapêutica hidrológica do nosso país, pode dizer-se que as Águas de Melgaço são as únicas no tratamento da diabetes, embora a fonte nº 2 seja extraordinária no tratamento de doenças do aparelho digestivo. Pois bem, o Peso que possui três hotéis de razoável lotação, e algumas pensões, encontra-se em crise de há três anos a esta parte. Motivos? Os proprietários dos hotéis afirmam todos a um - a fronteira!
A população aquista do Peso era normalmente constituída por gente do Centro e Norte do país. No último triénio, porém - tal como acontece às crises migratórias da sardinha – os diabéticos fugiram para Mondariz onde não nos consta que alguém haja recolhido resultados melhores do que os benefícios dados pelas águas do Peso - Melgaço.
Razões justificativas? Há pelo menos duas, mas não se poderá afirmar concretamente qual delas detenha a pertinência - talvez as duas, é possível que nenhuma.
Médicos portugueses teriam subestimado, a partir de certa altura, o valor das águas de Melgaço em favor das de Mondariz (também há muitos portugueses endinheirados que a conselho médico vão para Vichy e Baden-Baden e não nos consta que hajam deixado de ser mortais; em segundo lugar ser mais barata a hospedagem em Espanha pelos favores ou desfavores do câmbio.
Ao fim e ao cabo, os três hotéis de Melgaço acusam menos gente e é desolador ver parque tão frondoso e margens do Minho tão belas, despovoadas de veraneantes.
As termas de Melgaço trazem assim ao turismo português mais um problema a resolver. Há porém que fazer uma chamada ao nosso patriotismo – sobretudo ao patriotismo dos diabéticos portugueses – que não deve ser posto à prova apenas quando se invoca a distante Índia Portuguesa. Não devemos, por outro lado, desgovernar – sem outro proveito ou qualquer glória - a nossa casa para governo da casa alheia, por maior que seja o respeito e amizade que votemos aos amigos.“
Aos problemas apontados na notícia atrás transcrita, podemos associar alguns outros. No Congresso de Turismo e Termalismo do Norte em 1970, Martins Rodrigues, presidente da Junta de Turismo da Estância Hidrológica do Peso, na sua intervenção, identificava alguns problemas que, no seu entender, ajudavam a explicar a crise que a estância do Peso vivia. Esses problemas, segundo ele, não se restringiam às termas em si mas diziam respeito a aspetos relacionados com o contexto envolvente do concelho e da região. Segundo aquele responsável, as carências mais flagrantes centravam-se na falta de: “uma unidade hoteleira com uns 40 quartos ou duas pensões de primeira com instalações decentes e confortáveis para servir o turismo, ou, melhoria apreciável nas actuais instalações hoteleiras, se outra solução não for viável; uma piscina corno elemento desportivo e de saúde, que muito valoriza as zonas de turismo; boa pavimentação da estrada nacional 202 e aproveitamento da sua máxima largura entre Monção e Melgaço (24 km); pavimentação da estrada de turismo que vai desde os hotéis até ao Posto da Polícia Internacional na beira-Minho, junto da passagem fluvial para Espanha (800 metros); instalação da Junta de Turismo em casa própria e com acomodações compatíveis com o seu fim; lnclusão desta zona na futura Carta Turística do País; como a maior parte da freguesia de Castro Laboreiro está dentro do Parque Nacional de Peneda do Gerez, há necessidade de estabelecer ligação rodoviária com os Arcos de Valdevez pelo Mezio, de que há tantos anos se vem falando, criando-se o mais belo circuito turístico do Alto Minho; que seja igualmente pavimentada como convém, a estrada que vai de Lamas de Mouro ao Santuário Mariano da Senhora da Peneda; construção do previsto Parque de Campismo em Lamas de Mouro a 8 km de Castro Laboreiro e a igual distância do Santuário da Peneda; construir os acessos ao velho castelo roqueiro de Castro Laboreiro, donde se observa um dos mais extraordinários panoramas serranos de Portugal, sobre o Soajo, Peneda, Gerez e Amarela. Esse velho castelo pode vir a ter muito interesse turístico, quando se fizerem ais previstas albufeirais no regato internacional que corre ao fundo da sua íngreme encosta…”
Este apontar de caminhos para a recuperação das termas do Peso é, de certa forma, corroborado pelo Sr. José Ranhada, filho do fundador do hotel Ranhada numa entrevista na edição da “Voz de Melgaço” de 1 de Junho de 1973. Na mesma, José Ranhada traça um diagnóstico preocupante na época mas aponta direções: “Muito há a fazer para que aquilo tudo não caia em ruínas. Antes de mais nada, há que retificar e pavimentar nas devidas condições a estrada de Valença a São Gregório e concluir a ligação aos Arcos pela Peneda. Este, um melhoramento fundamental para o desenvolvimento da estância. Acresce ainda a necessidade de tudo fazer para que ligação por estrada entre Puente Barjas e Orense seja também muito beneficiada.
A Ponte [Internacional] do Peso seria de grande utilidade, mas talvez não seja viável uma vez que está prevista uma bastante próximo, na barragem a construir em Valadares.
Quanto a hotéis, é preciso sair do ciclo vicioso. Faltam os hóspedes porque os hotéis, apesar de todos os esforços feitos, não respondem às exigências modernas quanto a conforto. E os hotéis também não têm melhorado o bastante porque faltam os hóspedes.
É necessário, portanto, muito poder criativo. Há que saber esperar largos anos até fazer algo que permita cobrir os gastos a realizar nos hotéis.
Entre as muitas iniciativas possíveis, estaria a instalação de uma colónia de férias como se fez em São Pedro de Moel. Há que favorecer por todos os meios a caça e a pesca, criar torneios competitivos aquando da conclusão da barragem. Criar aquele mínimo de diversões indispensáveis para os tempos modernos e que permitam à juventude sentir-se bem, porque hoje são muitos os pais que deixaram de frequentar o Peso porque os filhos não se adaptam num meio tão pequeno e sem diversões.
As piscinas cobertas de água quente e fria são indispensáveis. Campos de jogos, mesas de jogo, salas de convívio e de dança, uma “boite”, são tudo estruturas mínimas indispensáveis para se poder falar num incremento de frequência turística da nossa estância termal.
Indispensável ainda dizer que terão de ser dadas muitas mais facilidades alfandegárias para o natural intercâmbio internacional e talvez que a própria fronteira do Peso tenha que rever os horários para estarem mais de harmonia com a passagem dos comboios, pois desde o Peso a Vigo, por comboio, gasta-se apenas uma hora e a paisagem é muito alegre. O mesmo se diga na viagem até Orense.
E basta pensar que noutros tempos o Peso foi pioneiro…”
Estas considerações tecidas por José Ranhada reforçavam a ideia que a crise nas termas do Peso desde meados do século XX se devia a um conjunto de fatores internos e outros que advém das condições da própria região onde a estância se insere. Conforme se fez notar, os caminhos para a sua recuperação passam por melhorar as condições da própria região, no que toca, por exemplo, aos acessos, mas também lamenta o facto de o complexo termal do Peso deixar de ter um papel inovador à semelhança de finais do século XIX e o início do século XX, em que um cinema, ligações de autocarro ao comboio (a Valença e depois, a Monção), entre outros serviços, verdadeiramente pioneiros na época, tal como é salientado pelo entrevistado. Temos que reconhecer que nas primeiras décadas do complexo termal, o mesmo beneficiou de um conjunto de empreendedores que foram, em boa parte, responsáveis pelos seus tempos de maior prosperidade. Da mesma forma, é evidente que o Peso deixou de beneficiar de uma iniciativa privada disposta a investir na necessária e constante modernização das estruturas, tal como noutros tempos.
Note-se, contudo, que as dificuldades dos hotéis e noutros estabelecimentos, também têm origem na questão de o turismo termal ser, na época, muito sazonal, estando restrito àqueles meses das temporadas termais, o que se constituiu também como um fator contrário ao investimento necessário na modernização das estruturas hoteleiras. A este propósito, na Voz de Melgaço, na sua edição de 15 de Junho de 1980, o Padre Júlio Vaz salienta que as termas do Peso apresentavam, na conjuntura, dois problemas de base, que residiam na necessidade de novos estudos das caraterísticas das águas, bem como nas “...instalações: o Peso não tem hotéis. O Sr. Mário Ranhada quer vender o seu hotel e não tem compradores; o antigo Hotel do peso está em ruína escandalosa. Se não há particulares que se abalancem, só a empresa é que pode resolver o caso.
O nosso correspondente de Paderne disse, há tempos, neste jornal que a empresa pensava no caso e que a Câmara Municipal e a Junta de Turismo colaboravam. Se assim é, mãos à obra. Sem perdas de tempo. Sem visões de luxo.
Os hotéis, ou um bom e grande hotel, seriam, com o estudo das águas, a verdadeira promoção turística das termas, do turismo de Melgaço, e do apoio indispensável ao Parque Peneda-Gerês.” Em relação à degradação das infraestruturas hoteleiras, temos que ter em conta que, tal como já foi citado atrás, haveria que quebrar um ciclo vicioso entre o investimento necessário e as receitas insuficientes da procura em quebra progressiva. Faltou ao Peso, em vários momentos, a disponibilidade da iniciativa privada mas também o apoio das entidades públicas que, em ambos os casos, pareceram demonstrar não acreditar na recuperação do complexo hoteleiro e na inflexão da curva da procura. Dois dos exemplos de infraestruturas que poderiam ter beneficiado a estância termal e respondido às novas tendências da procura turística era a construção de uma piscina e um campo de golfe. Num pequeno artigo publicado naquele mesmo periódico melgacense, na sua edição de 15 de Maio de 1981, refere-se o seguinte: “Para os muitos que não sabem se diz que, já alguns anos atrás, alguém com amor pela terra onde nasceu, pois noutra terra arranjou dinheiro e conquistou prestígio, quis construir uma piscina nos arredores de Melgaço, num local amplo e de vistas largas até à Espanha. Pois, esse piscina só não foi construída pela maldade de alguns poucos, que, como sempre, não sabem fazer mais nada que destruir aquilo que os outros querem fazer. Agora o que não se compreende bem porquê, é que sendo as Águas de Melgaço exploradas pela mesma empresa das Águas de Vidago e das Pedras Salgadas, nestes locais existam piscinas, campos de golfe e outros divertimentos, que aí no Peso se não vêm.
Os campos de golfe fazem-se até pelo meio dos pinheiros. Uma piscina cabe em pouco terreno desde que se não seja muito exigente. Levaria muita gente à nossa terra e seria uma fonte de receita para a Câmara Municipal. E porque não? Acompanhe-se o progresso, que beleza natural não falta.” É notório que, por repetidas vezes, se constata que os melgacenses culpam a empresa Vidago, Melgaço & Pedras Salgadas pela decadência desta estância. Alegam que com a inclusão das termas na VMPS, a gestão colocou estas águas como uma peça sem importância num puzzle onde Vidago e Pedras Salgadas ocupam lugar de destaque e Melgaço foi caindo no esquecimento, saindo dos mapas de promoção turística e, em especial, no circuito termal. Repare-se no lamento transcrito num artigo publicado na mesmo periódico, na sua edição de 1 de Agosto de 1984: “… Não obstante serem das melhores, ou mesmo as melhores da Europa, segundo os entendidos pelos seus efeitos terapêuticos no combate à diabetes, as Termas de Melgaço encontram-se esquecidas pelas entidades competentes como a Associação Nacional dos Industriais de Águas Mineromedicinais e de Mesa, e a Direção Geral de Turismo; e por carambola, as Termas do Peso estão ausentes, marginalizadas da publicidade especializada. Basta dizer que no roteiro da visita de especialistas “às nossas estâncias termais”, organizada pelas entidades referidas e outras, não figuram as Termas do Peso de Melgaço. (…)
Entretanto, na localidade do Peso de Melgaço não existe um simples Posto Farmacêutico. Afirmo com verdade que desde 1981, que conheço as Termas de Melgaço, não existe ali um posto tão necessário como esse. Para comprar uma simples aspirina é preciso ir a Melgaço. O barbeiro que trabalhava no Peso, velho e amável profissional, faleceu. Agora não há barbeiro no Peso de Melgaço. Falta ali um estabelecimento comercial que venda artigos indispensáveis…
A localidade do Peso não possui estruturas de apoio aos aquistas e, naturalmente, aos seus habitantes. Se em Peso de Melgaço deixarem de funcionar os hotéis “Ranhada” e “Rocha”, e a “Pensão Boavista”, estabelecimentos servidos por pessoal amável, prestável, a localidade de Peso de Melgaço tornar-se-á um lugar sem vida.” E, progressivamente, o Peso foi ficando mais pobre.
Em meados dos anos 80, o Peso ainda luta contra esta agonia mas as forças já são poucas. Contudo, conta-se, na Voz de Melgaço, na edição de 1 de Maio de 1986: “A nossa estância termal prepara-se para a próxima época, que abre no dia 1 de Junho. O hotel Ranhada procedeu a arranjos para melhor serviço dos utentes; o hotel Rocha alindou o parque e continua a esmerar-se, durante o ano, em bem servir; a pensão Boavista está a ampliar as instalações com a construção de uma residencial.
Por seu lado, a Empresa das Águas está a proceder à construção de um Campo de Campismo e a preparar a exportação das águas para o estrangeiro. Ainda bem.” A tão desejada comercialização das águas a grande escala nunca foi avante, muito menos, a sua exportação. O parque de campismo seria uma realidade pouco tempo depois, tendo sido inaugurado no verão desse mesmo ano de 1987, visando atrair um público mais jovem. Note-se que, ao contrário daquilo que acontecia na viragem para o século XX, em que chegavam ao Peso, famílias inteiras, no último terço do século, o público que aflui ao Peso é cada vez mais um público idoso, muito dele fiel. Faltou, nesta fase, a capacidade de atração de novos públicos, especialmente na faixa etária mais jovem.
Na Voz de Melgaço, na sua edição de 15 de Setembro de 1990, o autor de um artigo dedica uns bons parágrafos à agonia que as termas viviam na época: “Ao passarmos hoje pelo Peso, outrora por esta época já se via por ali, movimento de frequentadores das Termas das Águas do Peso. Hoje, não se vê mais do que o próprio habitante e casualmente um fortuito forasteiro que por ali passa. É uma tristeza e uma desilusão para nós melgacenses, quando nos lembramos que as Termas do Peso eram o orgulho em organização, em limpeza em toda a área arborizada e um requinte de beleza no seu asseio, na parte ajardinada. Era o melhor local para uma sã convivência para as pessoas passarem o seu tempo e para um encontro de uma cavaqueira entre amigos aos domingos e em dias de semana disponíveis. Hoje, melgacenses, tudo isso morreu. Os Hotéis Rocha e Ranhada estão a servir de ninho de ratos e a sua degradação aumenta de dia para dia e, se não houver quem tome medidas a seu favor, dentro de poucos anos, estarão na situação triste a que chegou o Grande Hotel do Peso, um dos mais bem localizados das termas. Apesar de ser bem explorado pelo falecido Figueiroa, pois sabia puxar pelos cordões às bolsas dos mais pintados, não lhe faltavam clientes. Mas por feliz sorte ainda temos uma tábua de salvação e aonde se pode comer uma boa refeição: A Pensão Boa-Vista, continua a seguir o bom ritmo de boa orientação. Por isso, os seus proprietários merecem o nosso respeito e a nossa admiração pelo grande progresso que lhe têm sabido introduzir no ramo que exploram, quer pela simpatia, quer pela abundância de bem confecionadas refeições, quer ainda na esmerada educação do seu pessoal serventuário. Por tudo isto, o nosso bem haja. No entanto, quando as termas funcionavam em pleno, tanto os hotéis como a Pensão Boa-Vista, não esquecendo de enumerar algumas casas particulares que também recebiam os hóspedes, não tinham mãos a medir. Portanto, a quem se deve atribuir a culpa da degradação das Águas Termais do Peso? Em meu entender, e em primeiro plano, aos presidentes do Município por não zelarem uma melhor atenção sobre o bom ou mau funcionamento da empresa exploradora. Segundo, aos melgacenses endinheirados por preferirem ir investir fora da terra, desprezando a sua, uma vez que a empresa já deu isto como abandonado olhando às promessas balofas do Sr. Sousa Cintra, com o Sr. Presidente da Câmara. Foram mais para dar notícias aos jornais do que para tirar delas algum proveito para as termas de Melgaço, pois o Sr. Sousa Cintra, se quisesse vir fazer esse progresso às águas medicinais do Peso, não tinha comprado uma quinta próximo de Linda-a-Velha, que lhe custou nada menos que “seiscentos mil contos”.
E, como se diz que o que está em Portugal pertence aos portugueses, podemos também dizer que o que está em Melgaço pertence aos melgacenses. Oxalá que juntamente com o Sr. Presidente da Câmara e num futuro próximo, as Águas Termais do Peso possam voltar a ser o que já foram para brio dos melgacences e honra e glória desta nossa queria Terra, que se chama Melgaço.”
Este texto, da autoria de António Luís Reinales toca em vários pontos importantes que merecem a nossa atenção. Olhamos para o título dado a este artigo: “As águas de termais do Peso estão no seu último fôlego”, onde o autor deixa a entender que as termas estão à beira de um caminho sem retorno. Identifica responsáveis e incute um tom de nostalgia de tempos antigos, misturados com lamentos pelo atual estado dos hotéis, em acelerada degradação, mas também pela atuação da empresa VMPS que sempre posicionou as Águas de Melgaço num patamar de projeção inferior às de Vidago ou às de Pedras Salgadas.
Note, o caro leitor, na frase que o autor abre o artigo: “Ao passarmos hoje pelo Peso, outrora por esta época já se via por ali, movimento de frequentadores das Termas das Águas do Peso. Hoje, não se vê mais do que o próprio habitante e casualmente um fortuito forasteiro que por ali passa…” É bem elucidativa desta fase das termas em que as mesmas deixaram de ter as enchentes habituais de visitantes dos grandes centros urbanos que outrora invadiam o Peso. No tempos áureos das termas, o Peso “pertencia” aos aquistas e a generalidade dos melgacenses pertenciam a um outro mundo, mais pobre e que vivia com muitas dificuldades. A estância era uma espécie de bolha no concelho, inacessível à grande maioria dos da terra. Quando o complexo termal conhece a crise, a partir de meados do século XX, e com a progressiva diminuição dos visitantes do exterior, o parque termal começou a ser um espaço cada vez mais frequentado pelos melgacenses. O declínio da procura das termas abriu lugar a uma crescente utilização do parque termal por parte dos melgacenses, não só para a procura das águas mas sobretudo para o lazer. Na verdade, o Peso transformou-se, num dos maiores pontos de encontro dos melgacenses, na sua terra, quando vinham passar as suas férias ou fins de semana. O parque, nos meses de Verão, passou a estar cheio, não de forasteiros mas de gente da terra que ali vinham às águas, mas também dar passeios naquele parque bucólico, onde se respirava um ar fresco, apesar dos dias mais quentes. Os mais jovens procuravam aquele lago improvisado, andar nos barcos e nos locais mais discretos, os casais de namorados eram presença mais ou menos assídua. No excelente blogue “Melgaço, do Monte à Ribeira”, encontramos relatos de como a juventude se divertia nesses tempos e o Peso fazia parte do seu circuito: “…Aos domingos de manhã, antes de almoçar, e consoante as vontades de cada um, o Tónio da Dores espontáva-nos o cabelo e fazia-nos o respectivo penteado na barbearia do Gildo onde trabalhava. Estava bem visto, faziam-lhe confiança. À tarde, para onde quer que fosse a nossa partida, estávamos apresentáveis, bem lambidinhos. Em princípio, íamos até ao Peso, ao café do Luís onde se bailava toda a tarde. Ou então, no verão, aproveitávamos a refrescante sombra das Águas (as termas) e galanteávamos as meninas convidando-as a dar um passeio nos pequenos barcos ali existentes num modesto lago, feito com a retenção da água de um arroio e de um rego que por ali passavam. O local era propício para cortejar. O denso e razoável aglomerado de árvores e arbustos, onde os verdes se sucediam sem se parecerem, era considerado o paraiso do bem-estar, do repouso e do apaziguamento interior. Nós sentíamo-nos demasiado novos, sem suficiente serenidade para passarmos horas sentados num banco a falar dum passado que apenas principiáramos a construir. Quando encontrávamos moças que simpatizavam connosco, organizávamos pequenos bailes num montículo frente ao lago. Um dos dois bancos de espessa pedra que ali se encontravam servia para pousar meia dúzia de discos e o pequeno gira-discos a pilhas que minha irmã me oferecera e que, de vez em quando, levávamos. No outro, sentavam-se as donzelas...”
No parque termal do Peso em 1980
(Foto de Gualberto Boa-Morte)
Já em finais da década de oitenta do século passado, se vinha notando um crescente desleixo nos espaços do complexo termal do Peso. “A avenida principal está uma calamidade, regos e entulho, transportados pelas enxurradas no mau estado que se faz sentir, pedaços caídos das árvores. O golfe apesar de completo dá pena ver a maneira como está tratado. Com muitas saudades recordamos os tempos doutrora. (…) O hotel Ranhada e Rocha não abrirão este ano. Os homens do Peso, Deus levou-os. Apenas um deixou um bom substituto, seu filho António Atlântico Ribeiro, proprietário de umas das melhores pensões do distrito (Boavista) e da mais moderna e luxuosa residencial que satisfaz os mais exigentes. Além da Pensão Boavista, a que já me referi, ainda temos outra boa casa de hóspedes: a pensão Gomes, na Folia, muito próxima do Balneários das Termas…”, contava-se na Voz de Melgaço, na sua edição de 15 de Junho de 1989. De facto, os históricos hotéis não voltariam a abrir, parecendo, de forma simbólica, como o fim de uma era. Se analisarmos os factos com racionalidade e sem emoções, temos que entender este encerramento como uma resposta a uma procura que vinha acentuando a sua queda ao longo de várias décadas. Desta forma, nessa época, o Peso passou a contar apenas com a casa Boavista, que ainda hoje se encontra em funcionamento, e uma outra pensão na Folia, próximo do parque. Meses mais tarde, na imprensa local, fala-se que “… alguém da família Ranhada pretendia investir a sério na remodelação do imóvel [hotel] mas que encontrou oposição interna. O Hotel do Peso a desmantelar-se é também quadro negativo da mesma estância. Soubemos no entanto que os proprietários da Pensão Boavista estão já na fase de trabalhos preparatórios oficiais para ampliar as instalações e dar possibilidade de alojamento aos aquistas que demandam o Peso.” (Voz de Melgaço, 1 de Setembro de 1989)
Entretanto, estávamos na viragem para os anos noventa. Por esta altura, podia-se ler no mesmo periódico uma notícia com o título: “Sousa Cintra investe na zona termal do Peso” (“Expresso”, de 12 de Agosto de 1989) e um novo alento invade o Peso numa esperança que resgatasse as termas do esquecimento. “A Câmara Municipal de Melgaço pretende dar um empurrão à zona termal do Peso, para o que conta com o apoio da Região de Turismo do Alto Minho e da empresa Vidago, Melgaço e Pedras Salgadas, o empresário Sousa Cintra. As propostas da autarquia passam pelo desenvolvimento turístico da estação termal e pela eventual criação de uma sociedade de desenvolvimento para a zona, aproveitando as bonificações especiais que são concedidas. (…) Com a concessão da exploração da Água do Peso, a VMPS recebeu também a gestão do parque termal e comprometeu-se a construir um parque de campismo e uma piscina. O camping já está a funcionar, mas a piscina “marca passo”, alegadamente por falta de um terreno que a Câmara se propusera disponibilizar.” Na realidade, a piscina nunca seria uma realidade, ao contrário do campismo que ainda hoje aproveita a sua inserção naquele cenário paradisíaco e continua a funcionar. Todavia, por esta altura ficava no ar a esperança em investimentos que contribuíssem para ancorar a recuperação das termas e fizessem regressar as agitadas temporadas termais de outrora. Nada disto aconteceu e os melgacenses foram criando uma crescente desconfiança de cada vez que eram anunciados investimentos no complexo termal. Note-se o que se escreve em início de 1994 na Voz de Melgaço, na edição de 15 de Janeiro: “Primeiro foi o projecto Sotermel, um novo Hotel, dinamização do parque e da grande riqueza que são as águas. Depois, há mais de um ano, na visita de Mário Soares, Sousa Cintra apareceu, e ainda se quis acreditar na revitalização do projecto. (…) O novo hotel é mais do que nunca uma miragem…” Por esta altura, foram feitos alguns trabalhos de reabilitação nas instalações das termas mas investimentos de monta, nomeadamente em termos de oferta hoteleira, não seriam concretizados.
Anos mais tarde, já durante este século, foram melhoradas as instalações e reabilitados os edifícios da Fonte Principal e do Balneário. A Fonte Nova foi encerrada e assim continua até hoje.
Paulatinamente, o parque termal viu diminuir o movimento até entre os da terra que, outrora, procuravam este espaço para convívio com os seus paisanos, especialmente nos fins de semana mas sobretudo nos meses de Verão. Em tempos mais recentes, entristece-nos passar pelo Peso, no Verão, e ver um local tão bucólico, tão romântico, quase sempre vazio. O Verão, no Peso, é cada vez mais vazio porque todo o concelho sofre desse mal. Outrora, a terra enchia-se dos seus. Eram as festas populares, era o tempo de encontrar aqueles que já não viam desde o ano anterior: família, amigos e os outros conhecidos. Era o tempo de voltar a comer aquelas coisas que só na sua terra encontrava e na companhia daqueles de quem tinham mais saudades. Era um tempo em que os melgacenses da diáspora vivam cada dia do seu Verão na sua terra e de uma forma muito intensa mergulhados nos costumes, tradições e devoções. Veja-se a extrema densidade do calendário das festas populares no nosso concelho durante o mês de Agosto. Em tempos mais recentes, tudo mudou. Os melgacenses que passam o resto do ano lá fora, não permanecem na sua terra a totalidade do seu tempo de férias. Em vez disso, repartem esse período entre a sua terra e as praias de outras regiões de Portugal. Com isso, também sofreu o Peso que deixou de ser invadido pelos da sua terra para desfrutarem das tardes e das noites animadas, dando lugar a um certo marasmo.
Há alguns anos, surgiu uma empresa disposta a recuperar o velhinho hotel Quinta do Peso, o primeiro dos históricos a fechar. Num primeiro momento, o projeto gorou-se por problemas ligados à própria empresa Mais recentemente, surgiu uma outra empresa com o mesmo propósito e as obras de reconstrução do histórico hotel já estão bastante adiantadas e prevê-se que o hotel abra em breve. Veremos se este novo investimento será capaz de alavancar a recuperação do movimento termal e devolver o Peso ao lugar que todos achamos que merece. Todos ansiamos por isso.
Na verdade, houve um tempo em que o Peso era a melhor sala de visitas de Melgaço para os forasteiros. Mais tarde, com a decrescente afluência de aquistas, assumiu o papel de ponto de encontro para os melgacenses. Nos últimos anos, até esse papel perdeu. Veremos o que o futuro reserva a este tesouro do nosso concelho que são as suas termas.
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