sábado, 6 de setembro de 2025

Usos e costumes em São Paio (Melgaço) há mais de 300 anos

 



Recuamos mais de trezentos anos a um tempo em que os usos e costumes da freguesia melgacense de São Paio eram muitos diferentes dos atuais. Entre o espólio documental da paróquia de São Paio, existe um documento chamado de “Livro que servira para uzos e custumes desta igreja de S. Payo...” e data de 30 de Junho de 1708. O manuscrito foi elaborado pelo Padre Bernardo de Morais Sarmento, licenciado em Direito Canónico, e como juiz da Confraria do Subsino, um tal Manuel Esteves do lugar de Requeixo e outros paroquianos, esclareceram quais eram os usos e costumes desta freguesia.

O documento é de fácil leitura e diz-nos o seguinte:


«Livro que servira para uzos e custumes desta igreja de S. Payo, e mais couzas, que manda a Pastoral do Illustrissimo Senhor Arcebispo D. Rodrigo de Moura Telles, publicada, e tresladada no Livro da vizita desta igreja.


Aos trinta dias do mes de Junho de mil setecentos e oito se ajuntarão em prezença do Reverendo Abbade, o P.e João Bernardo de Moraes Sarmento, fidalgo da Caza de Sua Magestade, formado na Faculdade dos Sagrados Canones, natural da Villa de Vinhais, Bispado de Miranda do Douro, e Abbade desta igreja, o Juis de Subsigno Manoel Esteves de Requeixo, e seus acompanhados Lourenço Domingos de Carvalha Furada e Domingos Codesseira do lugar da Carreira, com outras pessoas abaixo assignadas e huns e outros declararão os uzos e custumes desta igreja, na maneira seguinte:


Custume dos defuntos

Acharão que pellas pessoas mais ricas se dava de obradação, no dia do corpo prezente, coatro alqueires de pão, coatro cabaços de vinho, duas broas cozidas, coatro vinteis de pão branco, hum prezunto e (fl. 1v) carneiro, e tres officios cada hum de nove lições, e com os padres que deixa em seu testamento, ou se ajustam os herdeiros com o Reverendo Parocho.

Pagão mais seus herdeiros a amenta do anno, que são por hua sentença que o Reverendo Parocho alcançou dois mil cento e vinte e cinco reis, obradando o primeiro mes do anno, e querendo obradar as offertas cada domingo do anno o fazem, constando a offerta de pão, vinho, carne ou ovos, que valha tudo <quarenta e coatro reis>.

Pagão ao Reverendo Parocho das missas cantadas de cada hua hum vintem de mais da sua esmola, que são para elle e para os mais padres a duzentos reis.

Pagão ao Reverendo Paroco do segundo e terceiro officios de offerta do corpo presente ceis fieiras, cada hua de palmo, e do segundo e terceiro officios de cada hum quatro fieiras, também de palmo cada hua.

Pagão as missas rezadas, que o defunto deixa em seu testamento ou declaração, e se o defunto não declarou, sempre seus herdeiros pagão hua missa de Altar Privilegiado de esmola de cem reis e sinco rezadas de esmola de oitenta.

Acharão que as pessoas que não eram tam ricas, mas que quazi igualavam as mais ricas, pagavão de obradação no dia do corpo prezente tres alqueires de pão, tres cabaços de vinho, tres vinteis de pão branco, e fazem e pagão todo o demais como os primeiros.

Acharão que as pessoas de mais poucos bens que os assima ditos pagavão no dia do corpo prezente dois (fl. 2r) alqueires de pão, dois cabaços de vinho e dois vinteis de pão branco, e fazem e pagão todo o demais como os primeiros e segundos.

Acharão que com aquellas pessoas muito pobres, mizeraveis, se acomodava o Reverendo Parocho comforme a sua possivilidade, uzando de Mizericordia.

Acharão que pellos que se falecião fora desta freguesia, sendo perto, se fazia aonde se sepultava o corpo, o primeiro officio, e os dois últimos nesta freguezia, partindo os Reveren- dos Parochos os beneesses assima ditos; e falecendo-se em partes remotas se fazem os tres officios nesta freguezia e se pagão todos os beneesses ao Parocho della, salvo se mostrarem seus herdeiros certidão juridica do Parocho donde se faleceu, que nesse cazo se lhe levara en conta o primeiro officio e a metade dos benesses supra.

Acharão que aos filhos familias, que pasarem de sete annos, a saber, os que não forem herdados, lhe fazem seus pais hum officio de nove lições, com os padres que se havia de fazer o officio de seu pai s'em aquelle tempo se falecera, e sendo herdado he o mesmо e se lhe dizem sinco missas rezadas, paga a esmola a oitenta reis; e sendo os filhos herdados e passando o morto de catorze annos, e a femea de doze se lhe faz o seu bem d'alma na forma expressada nos da primeira, segunda e terceira qualidade, e tendo os filhos familias bens castrenses ou quazi castrenses se acommodão seus herdeiros com o Reverendo Parocho; e àquelles que não tinham sette annos completos se lhe mandava dizer hua missa (fl.2v.) de Anjos offertada,paga a esmola da missa a cem réis, e a offerta como acima fica declarado.


Uzos e custumes das festas

Acharão que nesta freguezia há a festa do orago S. Payo, e a do S. Sacramento, cada hua com des clerigos, e com sua pregação e vesporas, e que a cada clerigo se lhe dava de esmola pellas vesperas e dia, com sua missa rezada a duzentos reis.

Acharão que nesta igreja se festejavão S. António, o Menino, S. Maria Magdalena, S. Luzia, S. Sebastião e a Senhora do Rozario, e que estas também erão com vesporas e com os clérigos, que se ajustavão os mordomos com o Reverendo Parocho, a quem se dava a esmola assima dita.

Acharão que em cada hua das fitas festas se dava ao Reverendo Parocho de offerta, com o vintem da missa cantada, a saber, na do Senhor duzentos e vinte reis, na de S. Paio coatrocentos e vinte reis, na de S. Maria Maria (sic) Magdalena coatrocentos e vinte reis, na de S. Antonio coatrocentos e vinte reis, e nas demais a cem reis, excepto a da Senhora do Rozario que tambem pagavão duzentos e vinte reis, e que naquellas festas que se pagão de offerta ao Reverendo Parocho alem dos duzentos e vinte reis da assistencia, coatrocentos reis, estes são em lugar de hum galheiro, que os antiguos davão no dia da festa ao Reverendo Parocho, que constava de pão, carne, etc. (Fl.3r)


Obrigação das capellas, que se mandão dizer nesta igreja, a saber das confrarias.

Acharão que todas as segundas feiras de cada somana se dezia hua missa rezada por todos os officios, digo por todos os defuntos de que são obrigados os mordomos desta freguezia, para cuja esmola pagão os freguezes, a saber os cazados hum vintem e os viuvos e solteiros a dez reis.

Acharão que a Confraria do Senhor e a do Mártir S. Sebastião mandavão dizer hua capella cada hua, a saber a do Senhor aos sabbados, e a do Mártir às quartas feiras de cada semana, e no prezente se dá por cada capella dois mil e oitocentos reis de esmola.

Acharão que a Confraria do Menino mandava dizer doze missas rezadas para as quais se dava de esmola seiscentos reis.

Acharão que a Confraria do Senhor e da Senhora e a do Mártir S. Sebastião e a das Santas Almas tem sua fabrica, que consta dos seus livros e inventários.

Acharão que a Confraria do Senhor manda dizer hua саpella, que consta de hua missa rezada cada sesta feira de cada semana e hua missa cantada todos os terceiros domingos, para cuja obrigação dão ao Reverendo Parocho coatro mil reis.


Sepulturas e bens

Acharão que nesta igreja não havia sepulturas de obrigação, antes todos se sepultão conforme sucede.

Acharão que esta igreja não tinha bens alguns, mais que os que constão do foro que se acha na mão do Reverendo Parocho, o qual declarou que não achara inventário e que só se lhe entregarão três tonéis, cada hum dez carga de vinho, e hum lagar, e hua tulha do pão e nada mais de bens móveis, e que os de raiz, a saber, os passais e foros constavão do foro que en sua mão está e no archivo de Braga.

Acharão que tinha esta igreja dez mil reis de fábrica, com a qual se comprão os ornatos necessários e se fabrica a capella mor, e destes paga a renda do Senhor Arcebispo sete

mil, digo cinco mil reis, e a renda da Caza de Bragança dois mil e quinhentos reis, e a renda do Reverendo Abbade dois mil e quinhentos reis, e este dinheiro se paga por quinze de Agosto de cada anno.

Acharão que as rendas desta freguezia davão cera para as missas do diae esta a davão em cada S. João, que são oito arreteis, e cada quarto paga pro rata o Senhor Arcebispo coatro arreteis, a Caza de Bragança dois e o Abbade dois.

(Fl. 4r) Acharão que as rendas desta freguesia pagavão ao Coadjutor della cada anno oito mil reis em dinheiro, e vinte alqueires de pão meado, a saber, cada quarto a rata, que lhe toca, e que o mesmo pagão as ditas rendas ao Reverendo Vigário de Remoães cada anno.

Acharão que os moradores de Remoaes erão obrigados ajudar a fabrica da Confraria do Senhor e para isso da Confraria desta igreja se lhe dá cera para acompanhar o Senhor e outrossi se lhe dão os ornatos para as festas e officios de defuntos, para os que são irmãos.

Acharão que as rendas desta freguezia davão dos oito arreteis assima nomeados, que pagão de cera para as missas conventuaes, para as missas conventuaes da annexa de Remoaes a cera necessária.

[Fl. 4v] E de como acharão ser o que dito tem supra os uzos e costumes desta freguezia assignarão com o Reverendo Parocho aos oito de Julho de mil setecentos e oito.


(Assinam): Abbade João Bernardo de Moraes Sarmento

O P.e Pedro Centrão.


[Fl.5] P.e Pedro Centrão.

Este livro he para esta Igreja de Sam Payo e Melgaço que vai por mim numerado e rubricado com o meu sobrenome Sero de que fis esta declaraçam neste lugar por estar escripto o lugar onde havia de hir este termo.


Em Visitaçam, 27 de Junho de 1709.

Frei Brás Mendes Sero”.