domingo, 28 de setembro de 2025

Onde ficava o antigo Largo do Chafariz, na vila de Melgaço?



Entre meados do século XIX e ainda algum tempo durante o século passado, existiu ao fundo dos terrenos onde hoje assenta a Praça da República, antes Praça do Comércio, um largo onde existia um chafariz. Ficava por trás da desaparecida capela de Santo António. Para se aceder, “entrava-se no desaparecido Largo do Chafariz, então separado da Praça da República pela capela de Santo António e pelo prédio em cujos baixos estava instalado o antigo Café Melgacense…” VAZ (1997). Este largo desapareceu no primeiro quarto do século XX. Na edição de 19 de Dezembro de 1895 do “Jornal de Melgaço”, uma notícia refere que “Dentro das vetustas muralhas que circundam parte da nossa villa, existe no Largo do Chafariz, uma fonte, que só de per si abastece toda a povoação agora unida...” A fonte servia para muitos moradores da vila, virem buscar água.  

Fomos folhear os jornais ainda do século XIX e procurar referências a este largo do qual nenhum dos vivos se lembrará. No “Jornal de Melgaço”, na sua edição de 20 de Junho de 1895, uma notícia fala-nos dos preparativos para as grandes festividades do S. João e na decoração deste largo nestes termos: “… No Largo do Chafariz vae ser construída uma gruta ou cascata que deve produzir um efeito maravilhoso. Neste largo e junto da igreja matriz, encontra-se o coreto destinado à philarmonica do snr. Sanches, que, segundo nos consta, apresentará ao publico um escoIhido e variado reportório de peças d'opera, de grande merecimento, o qual será também brilhantemente illuminado.  

Contudo, eram algo frequentes as queixas em relação à limpeza deste espaço. Por exemplo, na edição de 6 de Agosto de 1896 do “Jornal de Melgaço”, pode ler-se: “Chafariz - Por mais de uma vez temos pedido à Ex.ma Câmara se digne mandar fazer limpeza e os reparos necessários no chafariz público d'esta villa, mas, infelizmente, não temos lido o prazer de ser ouvidos. Pois, pena é, porque se o fossemos não haveria occasião, decerto, a muitos queixumes, assás justificados, do publico e até dos próprios forasteiros. Devido à falta de limpeza, saiu, há dias, já em estado de putrefacção, por uma das bicas do chafariz, uma víbora de tamanho regular, que, com certeza, alguns prejuízos deve ter causado à saúde dos habitantes, que d'ali costumavam abastecer-se d'água. Para isto e para muitas outras cousas tão úteis como prejudiciaes, não olha a Ex.ma Câmara...Podemos ainda ler, no mesmo periódico, na edição de 31 de Dezembro de 1896, o seguinte: “Chafariz - É lastimoso o estado em que se encontra o chafariz publico d'esta villa. Já não tem torneiras há muito tempo; buracos, são tantos como dia de lodos os Santos; immundicia, é, aos carros e, a respeito d'água, constanos que mudou de logar. Que situação!  

Mais queixas, podemos encontrar em notícia da edição do mesmo jornal de 30 de Agosto de 1900, onde podemos ler: “O largo do Chafariz e marcos fontenários, são o que pôde haver de mais indecente. Tudo porco e a deitar água por todos os lados…” Uns tempos depois, o Largo do Chafariz viria a ser alvo de melhoramentos tal como se confere na notícia da edição de 27 de Setembro de 1900 do “Jornal de Melgaço”: não é sem tempo - Segundo informa o «Melgacense», brevemente se dará princípio às obras de reparação da rua Nova de Mello e empedramento do Largo do Chafariz, logo que o projecto e orçamento das mesmas obras seja submettido à approvação da estação tutellar... Numa outra notícia do mesmo periódico, na edição de 27 de Outubro de 1910, conta-se que em reunião do executivo camarário, se decidiu que "...que fossem intimados os proprietários dos prédios urbanos para mandarem collocar nas beiradas dos mesmos os necessários conductores das aguas pluviaes e que fosse ligada a canalizaçao d'agua para o chafariz que faz a irrigação do jardim ao cuidado da junta de parochia de esta villa, no largo «Bernardino Machado»”. Note-se que, por ocasião da implantação da República em 1910, este largo foi renomeado de “Largo Bernardino Machado”, (decisão em reunião do executivo camarário de 12 de Outubro de 1910), embora a tradicional designação do largo continuasse em uso.  

Por altura de finais do século XIX, existia neste largo um espaço comercial chamado “Loja Nova do Cantinho”, que nos aparece em anúncios publicados em números sucessivos dos periódicos da época. Se reparar no anúncio, “Cantinho” era uma alcunha pela qual era conhecido o proprietário Feliciano Cândido de Azevedo Barroso. 

Anúncio à “Loja Nova do Cantinho” (Fonte: Jornal de Melgaço, 20/06/1895) 

Curiosamente, encontramos no “Jornal de Melgaço”, na sua edição de 19 de Junho de 1913, uma notícia na qual se referem que, entre os trabalhos da reunião de Câmara, foi analisado “Um requerimento do Sr. Feliciano Candido d’Azevedo Barroso, desta villa, a pedir licença para reconstruir um passeio de pedra existente em frente à sua casa de morada, no largo Bernardino Machado, e fazer convergir para ali, por meio de cano, as águas vertentes do chafariz do referido largo. Concedida.” 

Em 1914, fala-se na imprensa local em melhoramentos que urgia concretizar neste largo. Assim, no “Jornal de Melgaço”, na edição de 18 de Junho que foi “Auctorisada a commissão executiva a expropriar uns pequenos quintaes junto ao adro da Misericórdia e a aformoscar o resto do Largo do Chafariz.” Também, no mesmo periódico, na edição de 27 de Agosto do mesmo ano, se conta: Largo do Chafariz - Vão multo adeantados os trabalhos de calcetamento no largo do Chafariz, desta villa, devido aos esforços da Câmara Municipal, melhoramento que há muitos annos deviam estar realisados, se não fosse a incúria e o desleixo das vereações transactas... 

Entretanto, em 7 de Agosto de 1915, em sessão da Câmara Municipal, foi deliberado expropriar a capela de Nossa Senhora da Lapa, vulgo de Santo António, que existiu ao fundo da Praça da República, e os três prédios contíguos; o primeiro com frente para a referida Praça, onde estava o Café Melgacense, e os dois últimos no antigo Largo do Chafariz, pertencentes, respetivamente, aos herdeiros de António Joaquim Baião, Manuel José da Costa Velho e João Fernandes Baixinho, este de Monção e aqueles desta Vila. (VAZ, 1997) A capela e as casas citadas separavam o largo da Praça da República.  

Sabemos ainda que em 26 de Junho de 1919, a Câmara decidiu vender o material proveniente da demolição de uma dessas casas situada no largo do Chafariz e a pedra da muralha da couraça nova. Entretanto, deixámos de ter referências documentais a este largo na documentação, tendo o mesmo desaparecido da toponímia da vila ainda no primeiro quarto do século passado com a demolição das casas que ali existiam e da própria capela de Santo António. Estas demolições transformaram o espaço, tornando mais ampla a própria Praça da República.  


Fontes consultadas:

- “Jornal de Melgaço”, edição de 19 de Dezembro de 1895;

- "Jornal de Melgaço”, edição de 6 de Agosto de 1896;

- "Jornal de Melgaço", edição de 31 de Dezembro de 1896;

- "Jornal de Melgaço", edição de 30 de Agosto de 1900;

- "Jornal de Melgaço", edição de 27 de Setembro de 1900;

- "Jornal de Melgaço", edição de 27 de Outubro de 1910;

- "Jornal de Melgaço", edição de 19 de Junho de 1913;

- “Jornal de Melgaço”, edição de 18 de Junho de 1914;

- "Jornal de Melgaço", edição de 27 de Agosto de 1914;

- VAZ, Pe. Júlio (1996) – Padre Júlio apresenta Mário. Edição de autor.