quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O contrabando na raia seca do Laboreiro

Rio Laboreiro, que define a linha de fronteira nesta região

"O antigo concelho de Castro Laboreiro (perto de 90 quilómetros quadrados), actualmente freguesia do concelho de Melgaço, é rodeada, a Norte e a Nordeste pela Galiza, especificidade raiana que assume um maior significado se pensarmos que a extensa serra do laboreiro comporta toda a raia seca entre o rio Minho e Lima.
Estamos perante uma das fronteiras mais velhas da Europa (senão a mais antiga) e o início da numeração fronteiriça da raia seca hispano – portuguesa (do marco 1 ao 53). Por causa desta localização, Castro laboreiro, teve no seu território, no século XX, durante o Estado Novo, até ao 25 de Abril, três postos (quartéis) pertencentes à corporação da Guarda-fiscal: Vila, Ameixoeira e Portelinha (os dois últimos construídos na década de 20 e 30).
No lugar da Alcobaça (marco da raia nº 1), freguesia de Lamas de Mouro, estava situado o quarto posto, que ajudava a criar um cordão asfixiante de vigilância e controle das rotas do contrabando vindo da Serra do Laboreiro. Mesmo assim, o contrabando era diário, de dia e de noite, galegos e portugueses e as suas bestas atravessavam diariamente a fronteira que pontilha a Serra do Laboreiro, a contrabandear.
Do lado espanhol, os Carabineiros, tinham funções similares, percorrendo o basto espaço de planalto, na procura do contrabando e dos seus transportadores, que podiam ser homens ou mulheres, de tenra idade ou mesmo já na casa dos setenta anos.
O contrabando, enquanto actividade condenada pelos poderes instituídos, é  um fenómeno de séculos. Tem a idade das fronteiras administrativas e politicas, e foi desde as suas origens um elemento importante na economia destes povos vizinhos. Melhorou sempre as suas condições de vida e criou laços de amizade, familiares (casamentos) e de cumplicidade em ambos os lados da fronteira. A cumplicidade do contrabando, o pastoreio nos montes vizinhos e as romarias foram sempre motivos de aproximação entre famílias de ambos os lados da raia.
Neste importante “comércio de fronteira”, passaram durante séculos todo o tipo de produtos: gado, sal, carvão, milho, centeio, azeite, bacalhau, castanhas, feijões, pimentão, batatas, metal, vestuário, calçado, pedras de isqueiros, vidros, peles, suínos, louças, utensílios agrícolas, café, farinha, pólvora, minério (volfrâmio), ouro, cozinhas de ferro, máquinas de costura, máquinas de café, electrodomésticos variados, dinheiro, bananas, maças, ananases, amendoins, amêndoas, bocados de cobre e muitos outros produtos de maior ou menor valor. A época, o preço ou a escassez de um produto, de um dos lados da raia, geravam contrabando.

Para as populações locais o contrabando nada tinha de ilícito, era simplesmente um modo de vida que ajudava na difícil sobrevivência destas paragens. o medo de ser apanhado e de perder a carga, os pesos exagerados e as distâncias, exigiam ousadia, coragem e sofrimento."

Texto extraído de:
- DOMINGUES, José & RODRIGUES, Américo (2009) - Contrabando pela raia seca do Laboreiro, NEPML in: Boletim Cultural de Melgaço, Câmara Municipal de Melgaço.

Nota: O marco que se encontra em Cevide é o marco nº 1 colocado na sequência do Tratado de Limites de 1864 entre Portugal e Espanha. Na fronteira do Trancoso e do Laboreiro, existe mais do que uma série de marcos, geralmente bastante mais antigos do que o de Cevide. Em Castro Laboreiro, há marcos que se podem identificar e que já são citados em documentação da Idade Média (século XIII, salvo erro). Este marco, gravado como nº 1 que é citado no texto, não se encontra longe da nascente do rio Trancoso e pertence a uma série de marcos muito mais antiga e que apenas marca a raia seca (não havia marcos a norte deste ao longo do Trancoso) e que se prolongava até Castro Laboreiro.

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