A proprietária do "Paris" recebe o prémio correspondente ao melhor exemplar do concurso |
"Os cães, em número de 25, a ser presentes aos juízes, Drs. António Cabral presidente do Clube Português de Canicultura, e Teodósio
Antunes, foram dispostos por classes: de cachorros, destinada aos
exemplares que, à data do concurso, tenham mais de seis e menos de 12 meses de
idade; e aberta, destinada a todos aqueles com mais de um ano.
Enquanto os bichos eram minuciosamente
observados, com muito mais minúcia do que as «misses» num concurso de beleza,
pois eram apalpados de todas as formas e feitios, incluindo grãos e dentes, os
mirones da cidade (Lisboa, Porto, Évora, Faro), que ali se haviam deslocado
propositadamente, procuravam estabelecer contactos com toda aquela gente, que nos
pareceu, contudo, pouco receptiva a satisfazer a curiosidade geral.
O repórter afadigou-se em formular perguntas,
mas, quase sempre, esbarrou com muralhas de mutismo. Então quando lobrigava
obter resposta, era do género. «Não sei». «Para que quer saber?», «Vá perguntar
ao Inferno». Não saiam disto.
Deixarem-se fotografar foi problema ainda
mais difícil. Sempre que o camarada fotógrafo apontava a máquina e elas davam conta
disso, era certo e sabido virarem, ostensivamente, as costas. Indignavam-se
mesmo. «Tire o retrato ao cão e deixe-nos a nós. Já toda a gente sabe que
«semos» bonitas. A gente não precisa disso». Não fora a perícia do Orlando
e a reportagem não conseguiria fixar as suas expressões.
As casas circulares cobertas do colmo,
durante séculos características da região, foram substituídas pelas casas de
telha
«francesa». Com o dinheiro que amealha na
estranja, o natural de Castro Laboreiro começa por mandar construir a sua própria
casa. Depois, investe na cidade, comprando andares em regime de propriedade
horizontal.
Apesar disso, naquela aldeia serrana, o
forasteiro, nas primeiras impressões, fica com a ideia de que os naturais vivem
com extrema dificuldade. O aspecto humilde das pessoas, de cara queimada e
enrugada, precocemente envelhecidas, leva exactamente a supor de que subsistem
em função do que ganham com a enxada na mão. De parcos recursos, portanto. Pois
ali, mais do que em qualquer outro lado, pode dizer-se que assentou arraiais a
decantada sociedade de consumo.
Dizia-nos quem mais e melhor está informando
acerca de Castro Laboreiro, que é precisamente o Padre Aníbal que lá nada
falta. «Televisores, torradeiras, máquinas de lavar e de barbear, gravadores,
aspiradores, aquecedores. Tudo aquilo que a técnica
criou para facilitar a vida de cada um, há cá
na terra.»
Alguém de fora, mas que por funções
profissionais vai muitas vezes a Castro Laboreiro, dizia-nos depois: «É
formidável, de facto, como esta gente tem tudo». Um sorriso. Uma dúvida,
como que se interrogando a si próprio se havia ou não, de dizer-nos o resto.
Tal estado de coisas tende, contudo, a
acabar, dado que os filhos dos emigrantes (e eles próprios quando estão de «vacanças»)
frequentam as Universidades do Porto, Coimbra e Lisboa e o Seminário, tendo a
terra já os «seus» doutores.
A proprietária do "Paris" recebe o
prémio correspondente ao melhor exemplar do concurso. As pessoas que ali se
haviam deslocado propositadamente para adquirir um cão de «Castro Laboreiro», e
para isso atravessaram o país de lés-a-Iés, percorrendo mais de mil quilómetros
(!!!) procuravam ouvir aquilo que os juizes cochichavam acerca do interesse de
cada cão julgado, para depois abordarem o respectivo proprietário antes de
serem conhecidas as classificações. E é fácil saber porquê. Evidentemente que
desde a altura em que o proprietário soubesse que o seu animal havia sido
premiado, acto-contínuo faria «render o peixe», que no caso era pedir mais
dinheiro pelo animal, elevado à categoria de vedeta. Cão com diploma e medalha
é mais caro. A propósito julgámos que a melhor altura para o negócio não seria
aquela. Talvez por isso, há «peregrinações» a Castro Laboreiro, «santuário» da
raça do mesmo nome, durante todo o ano, ainda que os meses de Março e Abril
sejam aqueles que mais gente atraem.
Pois por cachorros de um mês, portanto ainda
«imberbes» para participarem no concurso, os donos pediam entre os 200 e os
250$00. Mas já o bicho considerado o melhor do certame, de seu nome «PARIS»,
propriedade de Manuel Gonçalves Loureiro, ausente no Canadá e apresentado por sua
mulher Benezinda Gonçalves, teve cotação de seis mil escudos. Muito dinheiro,
convenhamos, segundo o nosso ponto de vista pessoal, naturalmente.
Observámos à «ti» Benezinda: «Não tem
vergonha de pedir seis contos pelo cão ?»
-Oh home, deixe-me ficar o bicho em paz. Não
o quero vender. Vocês é que
mo querem comprar.
A despachar-nos: «Daqui a algum tempo isto
(e apontou para o cachorro) não é um cão. É um elefante. E
foi-se.
«TI» Benezinda, acompanhada do seu
"PARIS" considerado o melhor cão do concurso, diz-nos «Tire o retrato
ao cão e deixe-nos a nós», E virou-nos as costas.
«TI» Benezinda, acompanhada do seu "PARIS" considerado o melhor cão do concurso. |
Facto curioso é que os possíveis compradores
antes de entrarem em negociações procuravam catequizar o Padre Aníbal a fim
dele dar a sua opinião sobre o cão em causa, pois, como já referimos, é um
estudioso profundo das raças nacionais, e ao mesmo tempo servir de medianeiro
para que o preço não ferrasse demasiadamente. Já se vê a sua dificuldade
em aguentar-se entre os dois fogos de interesses díspares. Defesa do paroquiano
e amabilidade para com o forasteiro.
Após os julgamentos, ouvimos o Dr. António
Cabral:
-A impressão geral é bastante boa. A fixação das
características étnicas está garantida. O lote de cães este ano foi
muito bom! Muito bom!
Antes da distribuição de prémios, o Dr.
Teodósio Antunes «falou às massas». Depois de ter historiado a razão do
concurso, disse: «Cada vez temos de ser mais exigentes. Temos de combater as
malhas brancas. Não devem existir mais cães de «Castro Laboreiro» com malhas
brancas. Há que evitar o cruzamento com outras raças. Prendam as vossas cadelas
na altura do cio..."
Texto extraído de:
- Jornal “O Mundo Canino” – Novembro de 1971, por Aurélio Cunha (textos) e Orlando Soares (fotos)
- Jornal “O Mundo Canino” – Novembro de 1971, por Aurélio Cunha (textos) e Orlando Soares (fotos)
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