sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Acerca da contribuição de guerra de Melgaço para os franceses (1808)




Em Novembro de 1807, iniciava-se a primeira invasão francesa a Portugal, comandada pelo general Junot. Rapidamente, as tropas de Napoleão ocupam o país, contando com a preciosa ajuda de tropas espanholas, sem encontrar qualquer tipo de resistência por parte das nossas tropas. Durante a ocupação, o nossa país foi saqueado, tendo inclusivamente os franceses exigido a Portugal uma contribuição de guerra de 100 milhões de francos. Não satisfeitos, ordenaram a entrega das peças de ouro e prata das igrejas, capelas e confrarias.
De Melgaço, terão saído também algumas peças valiosas como parte dessa pesada contribuição de guerra, ainda que sejam muito escassas as provas documentais da entrega desses artigos. Um dos poucos documentos que atestam tais factos é um termo lavrado em Março de 1808, pertencente à velhinha Confraria do Espírito Santo, da vila de Melgaço, fundada no século XVI mas desaparecida há muito tempo. Esse velho manuscrito é citado por Augusto C. Esteves num livro publicado há quase 70 anos, “Melgaço e as Invasões Francesas”, onde o autor nos fala da entrega de um conjunto de artigos de prata da citada confraria, com vista a serem entregues aos franceses.
No dito livro, podemos ler: “Se por qualquer capricho da Fortuna, não ficou no Porto para os espanhóis, naqueles primeiros carros, como lembranças de Melgaço, lá ia também alguma coisa, afim de ser conduzida para França, no fim da campanha, graças à malfadada Convenção de Sintra.
E isto se escreve apesar de ninguém saber onde param os termos de entrega das pratas das igrejas, capelas, confrarias e irmandades do nosso concelho, termos lavrados na primeira quinzena do mês de Março [de 1808] , ao abrigo das instruções publicadas no dia 27 do mês anterior na casa do tesoureiro da décima, onde os culturais foram obrigados a levar aqueles bens igrejários confiados à sua guarda para serem relacionados e pesados na frente do Juiz de Fora da comarca, e isto se escreve e isto se afirma, porque na falta de tais documentos, guarda-se na minha casa memória de outra espécie.
Com toda a simplicidade, mas a reacender tanto limpeza de mãos como receio das consequências susceptíveis de surgirem num futuro incerto, ainda e sempre possível naqueles tempos de invasão estrangeira, se acaso não representa somente o simples protesto contra a forçada entrega ao invasor das coisas de Deus, di-lo um velho Livro de Actas duma velha confraria da Vila – a do Espírito Santo, fundada aí por 1578 e há muito desaparecida para os actos do Culto.
Ouçamos a voz longínqua:

"Aos seis dias do mês de Março de mil oitocentos e oito annos por Ordem do Governo deste nosso Reino se remeteu para a Cabeça da Comarca a prata desta confraria que foi a Cruz com sua haste, o Caldeiro com seu hezope, humas galhetas com seu prato, hum turibulo com sua naveta, e a vara do Reverendo Prior, que tudo pezou doze arrateis e meio, e meia quarta digo e meio, e hua quarta. E determinamos que para o transporte da dita prata visto as ordens determinarem ser à custa da Confraria, o Thezouro desta satisfará e enporte do seu transporte que se lhe levará em conta. E para constar se fez este termo que assynamos. Em meza do dia, mês, anno ut supra.
O Prior, Pedro da Ribeira Araújo Castro
O Padre Francisco António da Cunha
O Eleito, o Padre João Manuel Durães
O Prometor, Padre Manuel Alvarez Torres
O Procurador, Padre José Lopes”

E isto sabia-se aqui na terra, era público e era notório. Comentava-se. Havia más vontades...”
Em Melgaço, não há provas que atestem que tropas napoleónicas tenham passado por aqui. Sabemos que as autoridades melgacenses, ao contrário das ordens dos franceses no sentido de destruírem todas as armas reais nos edifícios públicos, mandaram colocar argamassa sobre as mesmas. Esse procedimento foi seguido, por exemplo, na Fonte da Vila ou na Câmara Municipal.
Os franceses foram expulsos de Portugal em 1808 mas voltariam mais duas vezes…





Fontes consultadas:
- ESTEVES, Augusto César (1952) – Melgaço e as Invasões Francesas. Tipografia Melgacense, Melgaço.
- SILVA, João Paulo Ferreira (2015) – Primeira Invasão Francesa – 1807 – 1808 – A invasão de Junot e a revolta popular. Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa.

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