Recuamos ao início do século XIV. No primitivo concelho de Melgaço, algumas terras gozavam de privilégios e isenções de tributos à Coroa. Eram as chamadas "terras honradas", pertencentes a fidalgos ou mosteiros, cuja instituição apenas poderia ser feita por Carta Régia. Os reis, para efetuarem um melhor controlo do território e dos tributos a receber, faziam as chamadas Inquirições. No tempo do rei D. Dinis, as últimas foram feitas aí pelo ano de 1307.
Da consulta da ata referente às Inquirições relativas às terras de Melgaço, lavrada em 28 de outubro do dito ano, ficamos a saber quais eram as "terras honradas" no primitivo concelho de Melgaço. Por exemplo, ficamos a saber que na freguesia de Rouças, toda a terra era devassa, à exceção da Quintã do Forno Telheiro. Esta propriedade ficaria onde hoje assenta o lugar do Telheiro. Partilhámos aqui o documento, porque é de extrema importância para a História de Melgaço:
“In nomine Domini, amen e na Era de M.CCC.XL.V. anos, e no mes de Oytubro, quando eu Aparico Gonçalviz vym per mandado del Rey alem Doyro, e aaquem Doyro pêra enquerer as honrras ffeytas novamente dela Era de mil e trezentos e vynte e oyto mas aca, e sobrelas velhas, que acrecentarom, e sobre ffeyto dos Regaengos mal parados, e sobrelas casas, que se ffazem sobrelos seus Regaengos, per que os homeens que hy moram som perdidosos; e sobre outras cousas que som pêra correger.
Primeyramente comecey en Melgaço, e visto o Rool d'El Rey da Enqueriçom, que fez o Priol da Costa, e Gonçalo Rodriguiz, e Domingos Paez de Bragaa, perdante Giraldo Migueyz, e Roy Martynz, Juyzes dessa Villa, e perdante Pêro Anes, e Rodrigue Anes, e Martim Perez, Tabalioens desse logar, e perdante outros homeens boons muytos e outrossi visto o Rool, per que depoys desto Paay Estevez, e Pêro Salgado, Tabaliom de Guimarães, deytarom en devasso aqueles logares, que acharom que nom eram honrrados, nem no deviam veer, e visto com esto o livro, per que ora depoys Jhoam Çezar deytou per mandado d'El Rey en devasso as honrras, que ffezerom novas, e o que acrecentarom nas velhas de la Era de mil e trezentos e vynte oyto anos aca, que a sobre dicta Enqueriçom foy ffeyta achey, que todo estava asi como EI Rey manda segundo a mercee, que fez aos Filhos dalgo, salvo Bergoti, que era todo devasso, e Pêro Fernandiz de Crasto, Cavaleiro, achey polos moradores do dito logar, e pelos Juyzes, e Tabalioens sobredictos, que des a seis anos aca, e mays vedara ao Moordomo da terra, que nom entrasse hi; nem quis que fossem chegados senom pelo seu chegador os desse logar; e que Ihis defendera que nom dessem ende a fumagem con o Concelho per razom da renda que aviam a dar a EI Rey. E eu Apariço Gonçalviz deytey todo esse logar de Bergoti en devasso porque achey que ora novamente o onrrava o dicto Pêro Fernandiz. E porque o dicto Concelho de Melgaço perdera pelo dicto Pêro Fernandiz en aqueles seis anos onze libras e quatro ssoldos de portagem da ffumagem, que ende ouverom daver de oyto casaes, que som e outras onze libras, e seis soldos de portagem, que estimamos, que o dicto Pêro Fernandiz ende ouvera de serviços e doutros proces per razom dos dereytos Reaes, mandey aos dictos Juyzes que per todalas cousas, que achassem do dicto Pêro Fernandiz ouvessem vynte e duas libras e meia de portagem, que hy montava.
Item achey que todo Doma e a Granja, que hy fez o Moesteyro de Feaens, e todo Rouçes eram devasos salvo a quintaa do Forno telheyro. E eu Apariço Gonçalviz asi os dou por devassos. E mando que entre hy o Moordomo da terra aa voz, e aa coomha, e por todolos dereytos d'El Rey. E defendo da parte d' El Rey, e sofram pena dos seus encontros, que nenhuum outro nom entre hy a penhorar nem a constranger pelos dereytos Reaes, hergo o Moordomo da terra.
Item achey pelos dictos Juyzes e Tabalioens e homeens boos que en todo o outro termho de Melgaço nom avia honrra, salvo a quintaa do Forno telheyro sobre dicta, e a quintaa do Egildi, e a da Ponte, e a de Remoaens, hu moreu Fernam Rodriguiz, e a do outeyro da Várzea, que achey que eram honrradas en esta guisa que o Moordomo nom entrava dentro pola penhora mays tanto que sal fora, toma a mays o Porteyro, e o Meyrinho se lhy dam voz, entra dentro en essas quintaas polas penhoras. E outrosy que veem a mandado do Juiz ffazer dereyto, cada que lho manda dizer a esses Filhos dalgo que moram en essas quintaas. E eu Apariço Gonçalviz devasso todo o termho de Melgaço, salvo as dietas quintaas, que mando, que o Moordomo, e o Porteyro, e o Meyrinho husem delas, como eu acho que ataa aqui husarom enquanto fforem de Filhos dalgo. E defendo da parte del Rey que nenhuum amo de Cavaleiro, nem de domna, nem de outro homem en todo o termho de Melgaço, que nom seja escusado per amadigos e ffaçam vezinhança como seus vezinhos.
Item Eu Apariço Gonçalviz mando da parte d'EI-Rey aos Juyzes e ao Concelho de Melgaço que todas estas cousas ffaçam conprir e agardar e nom soffram a nemguum que se escuse per amadigos nem per outra honrra nenhuma e que ffaçam o fforo aa Villa como os outros Vezinhos da guysa que a júrisdiçom e os dereytos d’El Rey nom desperescam sob pena dos corpos, e dos encoutos d'El Rey e as sobre dictas quintaas mantinham-se como de suso he escrito enquanto fforem de Filhos d’Algo. E eu Pedro Annes, Taballiom del Rey en a Villa de Melgaço a estas cousas com o dicto Apariço Gonçalviz presente foy e meu synal y pugi em testemuyo de verdade, que tal est.
[Sinal]
Transcrição apoiada em: RIBEIRO, João Pedro (1815) – Memórias para a História das Inquirições dos primeiros reinados de Portugal. Impressão Régia, Lisboa.
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