sábado, 23 de julho de 2022

Quando os de Guimarães vieram ajudar a defender Melgaço (1641)


 

A guerra da Restauração inicia-se depois da declaração unilateral da Restauração da independência por parte de Portugal em 1640. O conflito que iria opor Portugal a Espanha iria prolongar-se até 1668. Em Melgaço, houve operações militares a partir de 1641. 

Na edição de 12 de Abril de 1936, no jornal “Notícias de Guimarães”, encontramos um artigo que evoca o importante papel de destacamentos militares vindos da cidade berço para defenderem Melgaço dos ataques dos espanhóis em 1641. O dito artigo tem o título seguinte “Guimarães na Restauração de Portugal - (…) A defesa de Melgaço pelos de Guimarães...” 

No artigo podemos ler: “Havia já sessenta anos que Portugal gemia sob as garras de Filipe IV de Castela, dominando o nosso país sob o nome de Filipe III, o Grande.  

A nobreza lusitana apoiara o povo que já por várias vezes se tinha revoltado em diversos pontos. Évora fora teatro de graves motins reprimidos com muito sangue pela gente dos castelhanos. 

O mês de Dezembro de 1640 surgira com a aurora da Liberdade. A Pátria ia, finalmente, respirar o seu ar de independência. D. João IV fora aclamado rei de Portugal e dos Algarves. O oitavo duque de Bragança, com o nome de D. João II, era senhor de Barcelos e de Guimarães. 

O berço da monarquia quisera ser das primeiras terras do país a reconhecer o novo rei. A primeira onde ele fora aclamado tinha sido Lisboa, a segunda Guimarães.  

Os espanhóis, ao norte, entrando pela fronteira da Galiza, raziavam as povoações portuguesas, não poupando nada do que se lhes deparava.  

Os improvisados exércitos de Portugal, desfalcados pelos Terços que tinham ido para a Catalunha, pelos emigrados e pelos presos, não podiam opor séria resistência ao dominador de ontem, inimigo de muitos séculos. 

Só o muito patriotismo desses punhados de bravos, movidos por uma ardente fé, se abalançava a lutar contra as tropas organizadas, do senhor do maior reino da Europa. Guimarães quisera contribuir com a sua quota parte para a independência de Portugal. E desta maneira, em Janeiro de 1641, «se deu rebate nesta villa [de Guimarães] para se acudir à ponte do Porto onde se dizia estavam cinco mil castelhanos. Com grande presteza sairão os moradores della, formando três companhias com todo o restante Povo, a quem se deu pólvora, balas, e corda, que fez custo à Câmara mais de duzentos cruzados; e sendo o lugar distante mais de quatro légoas foram as primeiras que chegaram a ella 

Estas forças tinham por capitães Fernão Ferreira da Maia, Estêvão Machado de Miranda seu irmão, Cristóvão Machado Riconado, Gonçalo Maçoulas de Castro, levando também os privilegiados de Nossa Senhora da Oliveira que eram o arcediago Jerónimo da Rocha Freire e os cónegos Cristóvão Ferraz e Gaspar da Fonseca de Góis cora outros muitos clérigos. 

Chegou o mês de Fevereiro desse mesmo ano e o general D. Gastão Coutinho, determinou que fossem duas companhias da Ordenança de Guimarães guardar Melgaço, um dos objetivos do inimigo. Fernão Ferreira da Maia e Estêvão Machado de Miranda reuniram duzentos e cinquenta arcabuzeiros e seguiram a cumprir as ordens do chefe. Com eles foi também o Sargento-Mor Francisco de Abreu Soares, «que se convidou para a jornada de bom ânimo».  

D. Gastão Coutinho residia em Monsão para onde se dirigiu a pequena força que o alevantado patriotismo fazia obrar prodígios. Iam receber ordens para a defesa da Pátria. 

«Naquele dia houve notícia, que na seguinte noite vinha o inimigo para entrar na fortaleza de Melgaço por tracto ou interpreza, que por tanto relevava se partissem elles Capitães, & Sargento-mor, com as companhias, segurar aquella força, & lhes encomendou o General o cuidado della 

O inimigo em número muito superior não fez desanimar os portugueses que apesar de se encontrar em piores condições de ataque não só pela diferença numérica como pelo armamento, foi repelido das posições que ocupava. Sobre um outeiro, tinham os castelhanos duzentos homens armados de mosquetes e outras armas e no fundo do vale, onde corre o formoso Lima, mais quatrocentos homens de reforço. 

Perante tão numeroso adversário, alguns opinaram que seria temeridade afrontar um inimigo estrategicamente bem colocado e com enormes vantagens na defesa, «com tudo sem atender as conveniências, & razões propostas, se alevantarão até 15 homens dos Nobres desta Villa [de Guimarães] dizendo que não era credito seu deixarem de pelejar por mais perigos que representassem, dizendo isto remete como leões os peitos descobertos, dizendo atirai inimigos que lá vos imos buscar, começando a dar a primeira carga foram seguidos de todos os companheiros naturais que subindo pela eminência acima, puseram em tal estado, & tanto terror ao inimigo, que desemparando as trincheiras se puseram todos em fugida, havendo que não estavam seguros enquanto não nos perdiam de vista» 

Em Lamas de Mouro receberam notícia de que o inimigo se aproximava com muita gente a cavalo e de infantaria, pelo que alguns resolveram a retirada, sendo de opinião contrária o filho do Capitão-Mor Francisco de Sousa e o Sargento-Mor Francisco Soares de Abreu a cuja conta vinha a provisão de «pólvora, balas & corda». 

Estas munições foram repartidas pelos soldados os quais ficaram em condições de batalhar. «Pelo mesmo dia assistiam em Melgaço uma companhia do General quatro companhias nossas da Ordenança, a que cabia o giro de fazer guarda naquela ocasião e se achavam na entrada da Ponte das Várzeas [ponte velha de São Gregório] o Capitão João Rebello Leite, com hum seu filho do mesmo nome, o Capitam Gregório do Amaral, & o Capitão Dionisio do Amaral seu filho, & António de Freitas Vieira Alferes por seu Capitão ausente.» 

Portaram-se à altura dos lugares a cada um confiados, e muito especialmente o filho do capitão João Rebelo Leite que obrou prodígios de bravura o qual foi atingido com treze feridas e feito prisioneiro. Levado para Tui, aí o curaram, mas como se encontrasse muito perto da fronteira, foi removido para Pontevedra. Com ele ficaram prisioneiros todos os que o tinham acompanhado, visto não o quererem abandonar naquela emergência. 

Além de todas estas coisas continuou «a Villa na guarda de Melgaço dezoito légoas distante delia, de Fevereiro até os últimos dias de Outubro, tendo duas companhias de presidio nella, que entravam, & sahião por giro, gastando 15 dias de estada, & oito de ida, & vinda, sempre à conta dos Capitães, & dos soldados, que por não serem ricos, pondera mais a vontade com que se oferece, sem haver falta da sua parte». 

Tão galharda e bravamente se portaram os de Guimarães nessa memorável data que nem sequer os vereadores quiseram ficar dentro dos seus muros gozando a tranquilidade dos seus lares, como lhes competia e lhes fora pedido. Os três edis Manuel de Melo da Silva, Manuel Peixoto de Carvalho e Diogo Leite de Azevedo lançaram-se contra as hostes espanholas que tentavam subverter a liberdade duma Pátria que gemera, durante sessenta anos, um agónico cativeiro.” 

Texto de Oliveira Abrantes. 

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