Por norma, é frequente afirmarmos que as paróquias mais antigas em Melgaço tiveram os seus primórdios nos séculos XI e XII. Todavia, houve, em tempos muito mais recuados uma paróquia em terras do atual concelho de Melgaço cuja igreja sede se situava no atual lugar de Canda, integrado na atual freguesia de Alvaredo. Da mesma, apenas temos referências documentais da sua existência.
Na realidade, a mais antiga citação a uma paróquia constituída nesta terra remonta ao século VI dC, ao tempo das primeiras comunidades cristãs organizadas na região. Para tal, temos que dar atenção ao importantíssimo cartulário Liber Fidei, que, entre outros manuscritos, contem o designado Parochiale Sueuorum (Paroquial Suevo) ou Divisio Theodemiri (divisão realizada durante o reinado do rei suevo Teodomiro). Este é um importante manuscrito da segunda metade do século VI dC, onde se apresenta a organização administrativa e eclesiástica do Reino suevo da Galécia, obra de S. Martinho de Dume, contendo uma relação das 132 paróquias, agrupadas em treze dioceses. Entre estas, encontra-se descrita a diocese de Tui com as suas paróquias. Integrada na diocese tudense, a única paróquia sita nas atuais terras de Melgaço e que já se encontrava formalmente constituída na época era a paróquia de Canda, que hoje em dia é apenas um lugar da freguesia de Alvaredo. FERNANDES (1997), no seu livro “Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas”, refere-se a esta primitiva paróquia nestes termos “... Canda situa-se abaixo da famosa Cividade de Paderne (assim chamada por ser Paderne a sede de freguesia mais vizinha e não porque haja sido o seu nome), a qual «cividade» é que devia ter sido a civitas Canda. Nesta freguesia de Paderne existiu, desde muito antes da Nacionalidade, a igreja de Santa Maria e S. Salvador - recordando-se na titular a ecclesia mater de Sancta Maria de Canda e, no titular, a respetiva cemiterial. Quanto à ecclesia baptismalis da paroécia, é lembrada, logo ao lado de Canda, em S. João Baptista (Remoães). Também ao lado, o título patronal S. Martinho (Alvaredo) pode ser um eco da Suévia paroecitana, num tal conjunto de concorrências.” Assim, o autor considera que existia neste lugar uma «ecclesia mater», ou seja, uma igreja sede de paróquia, muito provavelmente, designada de Santa Maria de Canda. Para além desta importante alusão documental, nada mais sabemos acerca desta paróquia. Temos que ter em conta que no século VIII, se verifica a entrada dos mouros na Península Ibérica e o processo de consolidação dos territórios eclesiásticos fica, naturalmente, interrompido.
Apenas voltamos a ter referências documentais destas terras no século XII, e já não aludem à paróquia de Canda, mas à freguesia de São Martinho de Alvaredo e ao Couto de São Vicente. Não sabemos se a paróquia de Canda desapareceu durante a ocupação muçulmana da península ou se simplesmente houve, entretanto, uma transferência da sede da antiga paróquia do lugar de Canda para o local onde atualmente se situa a igreja de São Martinho. É preciso termos em conta que temos aqui um largo hiato temporal de cerca de 600 anos entre a referência documental à paróquia de Canda (século VI dC) e a primeira referência a São Martinho de Alvaredo. Durante este período acontece a reconquista cristã e a independência.
Como já referimos no parágrafo anterior, a menção documental mais antiga a esta freguesia de São Martinho de Alvaredo remonta ao século XII, a tempos anteriores à independência de Portugal. Em 13 de Abril de 1118, uma tal Onega Fernandes fez uma doação à Sé de Tui da quarta parte da igreja de São Paio de Paderne, o equivalente da igreja de São Martinho de Valadares e outro tanto da vila chamada de São Vicente e da sua igreja. Segundo PINTOR (1948), a referida vila e desaparecida freguesia de S. Vicente “...era couto, ou melhor constituída por dois coutos, o do centro paroquial e o do lugar de Vilar.”
Conforme dissemos antes, esta freguesia fazia parte, naquela época, da terra de Valadares. Esta era senhoreada por um tal Soeiro Aires, um dos cavaleiros das lides da Reconquista favorecidos com carta de Couto da povoação de S. Vicente concedida por D. Afonso Henriques. Em contrapartida, este e outros senhores ficavam “responsáveis pela defesa do território contra possíveis invasões do outro lado do rio Minho” (MATTOSO, 1988). Soeiro Aires, nascido por volta de 1140, fidalgo e cavaleiro medieval, tomou parte na batalha de Ourique, ao lado de D. Afonso Henriques e aparece referido em documentação da época como Tenente de Riba Minho em 1173. Surge mencionado nos arquivos da Corte do rei D. Afonso I de Portugal entre os anos de 1169 e de 1179.
Ainda segundo PINTOR (1948), “as Inquirições [de 1288] mencionam o clérigo Pedro Martins, mas não trazem o nome do pároco. Segundo juramento dos moradores, a localidade [São Vicente] foi coutada por D. Afonso Henriques a D. Soeiro Aires (de Valadares), que havia trocado com o Bispo de Tuy, e estava delimitada por marcos de pedra, de que havia documento, mas que, contudo, não foi mostrado.” O padre Bernardo Pintor acrescenta que “o lugar de Vilar também era couto, mas não tinha limites demarcados, nem documentos, nem [os moradores] souberam dizer quem lhe conferiu tal privilégio. Estes dois coutos não satisfaziam quaisquer tributos. Para os leitores que ainda não saibam, devo explicar que coutos eram terra que tinham obtido do Rei, ou por vezes de fidalgos poderosos, certos privilégios relativos a impostos públicos e isenção do fisco real. (…)
O referido lugar de Vilar devia ser um que existe entre Paderne e Alvaredo, mieiro das duas freguesias. Nas imediações devia ficar a igreja paroquial e povoação de S. Vicente cuja localização ainda não pude averiguar.” (idem) Na atualidade, conservam-se, na toponímia, a herança histórica dessas terras coutadas por D. Afonso Henrique, através dos lugares de S. Vicente e Vilar, este último junto ao limite com o antigo Couto do Convento de Paderne.
Em 25 de Fevereiro de 1312, D. Dinis anexou a Melgaço toda a terra de Valadares, mediante a renda anual de 300 libras em trocas dos direitos reais que ficavam a reverter para o concelho (PINTOR, 2005). Os moradores do termo de Valadares reclamaram ao rei e este voltou a conceder-lhes autonomia. Foi-lhe dada carta de foral, em Lisboa, a 1 de Julho de 1317 e em 1 de Junho de 1512 recebeu o Foral Novo de D. Manuel I.
Alvaredo manter-se-ia integrado no concelho de Valadares até à extinção deste pelo decreto de 24 de Outubro de 1855.
Fontes consultadas:
- FERNANDES, A. de Almeida (1997) - Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas. Arouca.
- MATTOSO, José (1988) -Identificação de um País. Composição, Ed. Estampa, Lisboa, 1988, Vol. 2.
- NIZA, Paulo Dias de (1748) - Portugal sacro-profano, ou, Catálogo alfabético de todas as freguezias dos reinos de Portugal, e Algarve… Officina de Miguel Manescal da Costa, Lisboa. - NOÉ, Paula (2003) – Igreja Paroquial de Alvaredo/Igreja de São Martinho. Em linha em http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=9021. (Consultado em 24 de Agosto de 2024. - Parochiale sueuum. Itineraria et Alia Geographica. In Corpus christianorum. CLXXV: p, 411-420. Typography Brepols Editores Pontificii, 1965. - PINTOR (1948) – XXIX – Antigas freguesias que desapareceram. In: A Voz de Melgaço, edição de 15 de Agosto de 1948.
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