Amanhã, completam-se 113 anos do naufrágio do célebre paquete Titanic. Foi na noite de 14 para 15 de Abril de 1912 que o transatlântico mais moderno e luxuoso da época, na sua viagem inicial que tinha como destino Nova York, chocou contra um iceberg e acabou por se afundar. Mais de mil e quinhentas pessoas morreram e o acontecimento teve grande destaque na imprensa mundial. E a imprensa escrita melgacense? Fomos procurar ecos da tragédia na nos periódicos da terra e encontramos o naufrágio noticiado no "Jornal de Melgaço", na sua edição de 25 de Abril de 1912, numa extensa notícia e cheia de pormenores interessantes que aqui transcrevemos:
“Tremenda catástrophe marítima - O naufrágio do «Titanic»”:
Como elle se deu — Momentos de Terrível pavor — As víctimas
Pelos telegrammas destes últimos dias já têem conhecimento os nossos leitores do naufrágio do transatlântico «Titanic», occorrido, na noite do passado domingo, ao sul da Terra Nova, e que constituiu, pelo número de víctimas e perda considerável de valores que causou, a maior catastrophe marítima dos tempos modernos.
O «Titanic» pertencia à importante companhia ingleza de navegação White Star Line, sendo o maior transatlântico que até agora havia sido lançado à agua.
Era de 46 000 toneladas e podia comportar 3 000 passageiros havendo a bordo de esta verdadeira cidade fluctuante, tudo quanto pode imaginar-se de conforto e luxo, tendo-se adoptado no esplendido barco todas as mais modernas applicações da sciencia às construcções nauticas.
Era um deslumbramente a magnificência de todas as dependências, entre as quaes se contavam luxuosíssimas salas de baile, de fumo, de jantar e até uma vasta piscina para banhos e um parque para jogos sportivos.
O «Titanic» sahiu, na quarta feira da semana passada, de Southampton, Inglaterra, para a América, levando a bordo uns 2 400 passageiros alem de oitocentos e tantos homens de tripulação.
Era a sua primeira viagem e foi também a última. Eram quasi 11 horas da noite de domingo quando o «Titanic», ao passar à vista do Cape-Race (ao sul da Terra Nova) abalroou com um enormíssimo iceberg (bloco fluctuante de gelo) que deve ter sido arrastado pela corrente fria que desce do polo, por entre a Groenlândia e a terra de Baffin, ao longo da costa do Labrador, vindo encontrar-se ao sul da Terra Nova com a corrente quente denominda «Gulf Stream» succedendo que nesta épocha a corrente fria da costa do Labrador, aliás quasi nulla durante o verão, traz uma grande velocidade.
O commandante do «Titanic» foi avisado no sábbado, pelo commandante do «Touraine» [referre-se ao SS La Touraine] da existência dos icebergs, aviso que agradeceu, mas que, no entanto, não evitou a tremenda catástrophe.
Com a violência do choque abriu-se um largo rombo no casco do «Titanic», entrando para dentro delle a água com extraordinário ímpeto, inundando inclusivé os compartimentos estanques.
Os passageiros que a essa hora dormiam tranquillamente, foram, com o violento embate atirados abaixo dos beliches, estabelecendo-se entre elles um pavor indescriptivel.
Appareceram, na sua maior parte, semi-nús nos corredores, escadas e coberta do paquete, gritando, implorando que os salvassem, vendo-se mulheres e creanças cruzando-se dum lado para o outro numa afflição horrível, para sossegar a qual não havia conselhos nem ameaças possíveis da parte dos oficciaes de bordo, que, em meio d'aquella confusão, d'aquelle horror se mantiveram serenos, dando as ordens que as circunstâncias do momento exigiam.
O commandante, sem perder o sangue frio, tratou, sem demora, de fazer embarcar nos escaleres as mulheres e as creanças, muitas das quaes perderam os sentidos, tendo-se manifestado também casos de loucura súbita. E a todas as desventuras juntava-se ainda um frio glacial, entorpecendo os membros quasi nús dos infelizes, que, na sua maior parte, dominados pelo susto, não conseguiram vestir-se embora summariamente.
O salvamento de um grande número de passageiros tornou-se, todavia, impossível pela falta de escaleres. A agitação do mar produzida pelo «Titanic» ao submergir-se — instante esse em que as caldeiras explodiram — fez voltar os escaleres que transportavam náufragos e que não haviam lido tempo de se afastar o bastante para evitarem o formidável embate da água revolta.
Toda a tripulação do «Titanic» pereceu na tremenda catástrophe, conservanda-se todos os homens no seu posto e sendo arrastados com o paquete para o fundo do mar.
As últimas noticias que os jornaes de Paris trazem sobre o naufrágio dizem que o número das victimas foi de 1533.
Quando a bordo do «Titanic» se viu o perigo que este corria, radiographou-se para os navios que passavam ao largo assim como para Cape Race e Nova-York, de onde partiram alguns vapores com soccorros.
O paquete «Carpathia», que passava ao largo foi o primeiro que chegou próximo do «Titanic», recolhendo oitocentos e tantos passageiros, na maior parte mulheres e creanças, conduzindo-as para Nova-York.
Os prejuízos causados pelo naufráglo—Milhões para o fundo
do mar
O «Titanic» transportara além de muitas toneladas de chá e de cincoenta mil de cantchu, um milhar de libras sterlinas em diamantes, 120 mil libras em pérolas e alguns milhões em moeda, não fallando das bagagens dos passageiros. Só os valores pertencentes a estes são calculados em perto de seis mil contos de reis.
Uma passageira americana levava um cofre com jóias no valor de cerca de oitocentos contos.
A fortuna dos millionarios que viajavam no «Titanic» é calculada em oitocentos mil contos.
O «Titanic» custou dois milhões e 667 mil libras, estava seguro em um milhão e 111 mil libras no Lloid, a célebre companhia organizada em 1871 e cujo nome é o do antigo proprietário de um café onde se reuniam no século XVII as pessoas interessadas na navegação. O Lloid, que é uma das víctimas do naufrágio, sustenta estações semafóricas em toda a costa da Inglaterra e tem cerca de 1500 agências espalhadas pelo mundo. É o centro de todas as operações que se fazem sobre seguros de navios.
Várias notas
O local onde se deu a catastrophe do «Titanic», no Cape Race, é denominado o «cemitério do occeano».
O bloco de gelo que foi de encontro ao paquete era aguçado como a proa d'um navio e cortante como um gume de aço.
Salvaram-se um Rotchilld e um director da Star Line», que ía a bordo do «Titânic».
Nos restaurantes de bordo, achavam-se empregados sessenta francezes, que morreram.
Todas as nações têem apresentado ao governo inglez as suas condolências pela terrível catástrophe.
As agências da «White Star Line» a que pertencia o paquete naufragado, occultaram até o último momento a verdade sobre o sinistro, recusando-se a própria companhia, em Londres, a publicar o relatório do commandante do «Titânic» transmittido por telegraphia sem fios.
O «Titanic» afundou-se às 2 horas e vinte minutos da madrugada de segunda feira.
Ao romper o dia viu-se o mar juncado de cadáveres.
A bordo do «Carpathia», entre os náufragos que elle recolheu, contavam-se onze mulheres e dois homens que enlouqueceram, sendo doloroso o espectáculo que esses infelizes offereciam.
Mais pormenores
Na catástrophe afogaram-se os seguintes millionários, que, segundo o «Standart», possuíam estes milhões: J.J. Astor, 730 milhões de francos; B. Guggenheim, 500 milhões; F. Strauss, 250 milhões; G. Widner, 250 milhões; W. Roebling, 125, ou seja, um bilião e oitocentos e setenta e cinco milhões, repartido por cinco pessoas.
Um dos acidentes mais dramáticos do naufrágio foi a desaparição quasi completa, da rica família Allison, composta de oito pessoas.
Assignala-se também a lancinante odisseia duma família de onze pessoas, pai, mãe e nove filhos, que iam de S. Petersburgo para os Estados-Unidos. Morreram todos.
Um facto domina todos os pormenores trágicos da catástrophe: porque é que o vapor só tinha a bordo os escaleres em que se salvaram as oitocentas pessoas? Durante as quatro horas da sua lenta submersão havia tempo para se salvarem mais de duas mil.
Canalejas, presidente do conselho de ministros de Hespanha, tinha a bordo dois sobrinhos, cuja sorte se ignora.
Entre as pessoas salvas, de nomes mais ou menos conhecidos, há 79 homens, 238 mulheres e 16 creanças.
Entre os 540 sobreviventes, de nomes desconhecidos, cem são de marinheiros. Restam 440 passageiros, a maior parte dos quaes são mulheres e creanças.
O capitão do vapor «Ultonia», chegado a Nova York, disse que, passando pelo logar da catástrophe vira numerosos barcos de pesca. Acha possível que a bordo d'elles fossem recolhidos muitos passageiros.
No «Titanic» havia muitos cozinheiros francezes, para serviço de bordo.
Parece que a quantidade de borracha que o vapor levava era de cerca de 28 000 kilos.
O «Daily Telegraph» abriu uma subscripção para soccorrer as mulheres e famílias dos marinheiros.
Muitas damas da alta sociedade novayorkina formaram uma commissão para Soccorrer os sobreviventes de terceira classe do «Titânic».
O lord-mayor de Londres fez um appello à população londrina, a favor dos náufragos necessitados.”