domingo, 26 de outubro de 2025

O estado da estrada de Valença a Melgaço e São Gregório em notícia de “O Comércio do Porto” (1866)

 

Estrada nas proximidades de São Gregório, Melgaço (1911)

 

Em tempos antigos, a via que percorria o vale do Minho entre Caminha e Melgaço e que se prolongava até São Gregório era a designada Estrada Real nº 23. Dizia-se em 1866, que o troço entre Valença e São Gregório se encontrava em muito mau estado e impunha-se o seu melhoramento. A urgência de uma intervenção é tema de uma notícia do jornal portuense “O Comércio do Porto” de 31 de Maio de 1866 onde se pode ler:

Estrada de Valença a S. Gregório - Publicando há tempos uma representação que a Câmara de Valença dirigira ao governo, pedindo a pronta construcção da estrada d’aquella villa a S. Gregório, no concelho de Melgaço, acompanhamo-la das reflexões que o assunto nos suggeriu, secundando a Câmara de Valença na sua justa solicitação. 

No "Diário de Lisboa" de 28 do corrente deparamos com algumas palavras pronunciadas na câmara efetiva pelo Sns. Joaquim Maria Osório, representante do Círculo de Melgaço, por ocasião de apresentar uma proposta relativa à construção da mesma estrada. Julgando essas palavras dignas de trasnscrição, porque veem em reforço do que se tem dito acerca da necessidade de melhoramento alludido, damo-las em seguida, bem como a proposta feita pelo mesmo Snr. Deputado para que se converta em realidade o que os habitantes do concelho de Valença com sobrada razão pedem que lhe seja concedido. 

Cumpre notar, porém, que não é esta a única vez que o Snr. Joaquim maria Osório, advogando os interesses da localidade que representa, tem feito ouvir a sua voz no parlamento a solicitar dos poderes públicos que tenham em consideração as reclamações dos povos de Valença, reclamações sobejamente fundadas n’este ponto, pelo estado de abandono a que se acha votada a comunicação entre aquella vill e a povoação de S. Gregório. 

Na passada sessão de 25 do mez passado, por ocasião de mandar para a meza a representação da Câmara de Valença, que n’este jornal foi transcrita, S. Ex.cia acompanhou-a de algumas reflexões, que muitos deviam influir para o seu diferimento, se a justiça de qualquer causa fosse sempre a melhor recomendação para ser attendida. 

Eis as palavras do illustre deputado: Não posso deixar de chamar à atenção do inteligentíssimo ministro das Obras Públicas para o estado em que infelizmente se acha a estrada de Valença a S. Gregório no concelho de Melgaço. É ele de tal natureza, que o excelentíssimo antecessor de Sua Excelência, o Sr. Conde de Castro, em uma das ocasiões a que aludi a este assunto, nesta casa e daquela mesma cadeira me disse que há quarenta anos, estando Sua Exelência em Melgaço, se tinha contristado de ver o miserável estado desta estrada, já então intransitável.  

Na actualidade, pôde Sua Excelência ajuizar qual será o seu estado, e quais serão os perigos a que se têem sujeitado os habitantes dos concelhos de Valença, Monção e Melgaço, que se vêem na dura precisão de a transitarem. Tornando-se estes perigos muito mais graves nas ocasiões invernosas, em que o rio Minho com as suas cheias a inunda. 

Acresce a este mal os prejuízos que sofrem os proprietários de não poderem levar os seus géneros agrícolas e industriais aos pontos de consumo. 

Não tratarei agora de enumerar os factos lamentáveis que se têem dado naquela estrada, porque não desejo cansar a atenção da câmara e a do nobre ministro. Mas não posso deixar de chamar a atenção de Sua Excelência sobre a quase paralisação em que se acham os trabalhos da estrada dos Arcos a Monção, pelo diminuto pessoal que ultimamente ali se tem empregado. Espero que Sua Excelência dê as providências necessárias para activar a construção desta estrada, e para mandar continuar os trabalhos na direcção de Melgaço, por ser essa a directriz a seguir. 

Também não posso deixar de chamar a atenção do nobre ministro sobre o estado em que se encontra a estrada de Valença a Paredes de Coura. 

A câmara sabe que Coura é um ponto importantíssimo para o comércio, porque é sem duvida o celeiro do Minho, e os proprietários não têem meios alguns de fazerem sair os seus géneros agricolas para consumo, como acontece aos de Melgaço e Monção, do que lhes resulta graves prejuízos. 

Confio que o nobre ministro tomará em consideração estas minhas observações, que são verdadeiras. Leu-se na mesa a seguinte proposta: Proponho que da verba, destinada para as estradas, seja aplicada a quantia necessária para a construção das estradas de Valença a S. Gregorio no concelho de Melgaço, e da de Valença a Paredes de Coura no concelho de Valença. 

O deputado, Joaquim Maria Osorio. 

Enviada á comissão de fazenda.” 

A nova estrada até São Gregório ficaria concluída ainda na década de oitenta do século XIX...


Extraída de: "O Comércio do Porto", edição de 31 de Maio de 1866.

domingo, 19 de outubro de 2025

Usos e costumes em Santa Marinha de Rouças (Melgaço) em início do século XVIII

 

Para compreendermos as tradições das nossas paróquias, temos que recuar vários séculos e procurarmos documentação de época. Vamos recuar cerca de três séculos e darmos um pouco de atenção a uma documento histórico que nos conta muito sobre os usos e costumes em Santa Marinha de Rouças, neste concelho de Melgaço, em início do século XVIII.

Tal documento foi lavrado em finais de Abril de 1708, na presença do Doutor Brás Andrade da Gama, abade de Rouças, e a maior parte dos representantes da população da freguesia, onde se registou, em assembleia, os usos e costumes vigentes, quanto a festas e defuntos, especificando as várias situações possíveis quanto a funerais, sufrágios e obrigações dos familiares dos defuntos para com o pároco. O teor encontra-se explanado num caderno de quarenta e três folhas encadernado em pergaminho. O que nos diz o documento?

Uzos e custumes das festas e defuntos 

Aos vinte e nove dias do mes de Abril de mil setecentos e oito, nesta igreja de Santa Marinha de Rouças, estando a maior parte dos freiguezes juntos, com o Rev.do Abbade o Doutor Brás de Andrade da Gama, e todos juntos declararão que os uzos das festas do anno e custumes dos defuntos, quando se falecião erão os seguintes: A festa de Santa Marinha, Padroeira da Freiguezia, se faz com dez padres, que assistem as vesporas e missa do dia e neste diz cada hum missa por tenção da freguezia, e tem de esmola cada hum dos padres pella assistencia e missa rezada duzentos e sinquoenta reis, e o Parocho tem mais vinte reis da missa cantada; e esta festa he obrigação de freguezia, que cada anno fazem tres mordomos para a servirem, que são os que pagão aos sacerdotes e ao Parocho, que também são obrigados a ter pregação no dia da festa, e trazem para ella tres arrateis de cera branca que entregão ao mordomo do Senhor para lhe prover os altares, e o resíduo fica para a Confraria do Senhor.  

Tem obrigaçam os mesmos mordomos de oferecerem ao tempo da oferta hum galheiro, que consta de duas roscas de pão branco grandes, hum quarto de carneiro, hua posta de vaca (fl. 2v), hua posta de presunto, hum frango, hua cabaça de vinho.  

A festa do Santissimo Sacramento, que se faz em cada hum anno, com sermão na missa do dia e com dez padres, que assistem as vesporas, missa, procissão da festa e dizem cada hum missa rezada, para o que se lhe a cada hum duzentos e sinquenta reis de esmola; paga o mordomo, que se elege para servir cada anno de sua caza, como também tem o mesmo mordomo obrigação de pagar de sua caza a hum dos padres que assistem nos officios da Semana Santa setecentos e sinquoenta reis, e os mais padres se pagão do rendimento da Confraria. 

Tem mais a festa do Nome de Deus, a de Santo Antonio, a de São Sebastião, e a de Santa Luzia com assistência cada hua de sete padres somente no dia da festa, com obrigação de dizer missa rezada, e se lhe da de esmola a cada hum duzentos reis, e o Pharoco mais hum vintem da missa cantada, as quais cada esmolas pagão os mordomos, que servem os ditos Sanctos cada hum anno. 

E quanto aos uzos dos defuntos, como as possibilidades dos freiguezes são as que fazem a certeza do custume, estão no uso de que as pessoas principais e os labradores mais ricos davão de obradação do corpo presente quatro alqueires de pão, quatro almudes de vinho, que são quatro cabaços nesta terra, hum carneiro e hum cesto, que consta de hum prezunto, hum (fl.3r) tostão de pão branco, meio cabaço de vinho e hua broa, e nos dous officios do mês e ano se paga de obradação duzentos reis em cada hum, e obradão todos os domingos de hum anno, cuja obradação consiste em hum vintem de pão branco, hua posta de carne ou quatro ovos, hum quartilho de vinho, hum palmo de cera de fieira, que acendem quando offerecem a obrada, e quando o Parocho se concerta com os herdeiros a dinheiro pellas ditas obradas do anno, sempre os herdeiros obradão de sua caza, alem do dinheiro o primeiro mês, e este não entra na conta dos responsos do anno em que se concerta, e quando se offerece a obrada do corpo prezente se lhe rezão quatro responsos, para o que o herdeiro acende quatro candeas de fieira, que também offerecem; e pellos duzentos reis da offerta dos officios do mes e anno se lhe dizem dois responsos no tempo da offerta, em que tambem offerecem duas fieiras acezas, e quando obradão o responso annual sempre obradão treze mezes.  

Os labradores que são possantes, mas não tam ricos como os primeiros pagão da obradação do corpo presente tres alqueires de pão, tres cabaços de vinho, hum carneiro e hum cesto com hum prezunto, quatro vinteis de pão branco, hua broa e meio cabaço de vinho, e nos outros dois officios de mês e anno e responso annual tem o mesmo uso e custume que assima fica dito nos da primeira cathagoria. 

Os freguezes de mediana possivilidade, pagão de obradação do corpo prezente, dois alqueires de pão, dois cabaços de vinho e hum carneiro e hum cesto com as especias ditas nos da segunda cathagoria, e nos dois officios e responso annual, como os assima (fl. 3v) da segunda e primeira cathagoria, porque nao tem direrença mais que no custume pao e vinho da obradação do corpo presente. 

Os freiguezes que são pobres, mas tem algua couza de seu, pagão de obradação do corpo prezente hum alqueire de pão, hum cabaço de vinho, hum carneiro, e o cesto e responso annual e obrada dos dois officios do mes e anno se paga na forma dos da primeira cathagoria, e os uzos e custumes assima são cẹrtos e se guardam ainda que os defuntos disponhão outra couza. 

Tem assim os freiguezes da primeira, segunda, terceira e quarta cathagoria tres officios de nove licões, chegando o numero dos padres a sete e dahi para sima e sendo menos de sete, não tem mais que hum nocturno e laudas.  

Os da primeira cathagoria não testando dos padres quantos hão de ser, tem por custume vir a cada officio de quinze athe vinte sacerdotes.  

Os da segunda de doze athe quinze.  

Os da terceira de oito athe dez.  

Os da quarta de sinquo até sete padres, que todos dizem missa e lhe dão duzentos reis de esmola a cada hum, e o Parocho tem mais hum vintem de cada missa cantada dos officios.  

Tem todos os herdeiros dos defuntos assima ditos obrigação de pagarem a esmola de hua missa do altar priviligiado, que são cem reis, e esmola de quatro missas rezadas pellas almas da obrigação do defunto, que são oitenta reis, e isto tambem he custume certo.  

E de como estes erão os uzos e custumes que se observavão inviolavelmente assim nas festas, como nos defuntos, o depois que se acórdão e assi o ouvirão a seus antepassados, o fizerão sempre, para constar (fl. 4v) e evitar duvidas pello tempo adiante, mandarão a mim o licenciado P.e Domingos Gonçallves fazer estas declarações e termo que assignarão com o dito Reverendo Abbade Belchior Durães Juiz da igreja, Pedro Durães e Domingos Lourenço, eleitos da igreja, com os mais freiguezes abaixo assignados, dia e era ut supra.  

O Licenciado P.e Domingos Gonçalves. 

E declararão mais, por evitar todas as duvidas que podião ocorrer, que os filhos famílias sendo herdados de pai ou mai ou do outros quaesquer bens adventicios se lhe fazia o funeral como se fora cabeceira de casa com os tres officios e obradação e responso annual comforme as possivilidades do defunto; e os filhos familias, que não são herdados lhe fazem seus pais o officio do corpo prezente com o numero de padres que seu pai havia de ter, e somente pagão duzentos reis pela obrada do corpo prezente e o vintem ao Rev.do Parocho da missa cantada. 

Declararão mais que os moradores desta freiguezia pagão as obradas das quatro festas ao depois do São Miguel de cada hum anno, e com ellas pagão tambem a capella das segundas feiras (de cada hum mes) digo dos fieis de Deus, que se diz na segunda feira de todas as somanas de cada hum anno, e se pagão pellas obradas meio alqueire e hum quarto de pão, que fazem tres quartos pellas obras e capella, e se paga nesta forma, a saber, o cazal inteiro cada hum cazal paga tres quartos ainda que não sejão separados, nem tenhão divizão nos bens, e os meios cazais, que vem a ser veuvo ou veuva, pagão meio alqueire de pão pellas obradas e capella; e os solteiros, que vivem sobresi, pagão pella mesma obrigação quarto e meio de pão; e estas obradas e capella se pagão depois de vencidas as festas e o anno, como achou por costume o Rev. Do Pharoco presente. 

Disserão mais, que pellos abzentes, que se falecião fora dessa freguezia, sendo cabeceiras ou herdados, se lhe fazião os tres officios de prezente, mes e anno, e pagavão os herdeiros as obradas na forma do custume assima declarados, como se falecidos forão nesta freguezia e com seu responso annual; e aos filhos famílias que se falecião abzentes se lhe faz o mesmo funeral como se faz àquelles que morrem neste freguezia. 

Se alguma pessoa se manda sepultar fora desta freguezia em alguma parochia vezinha, se lhe faz na igreja da sepultura o officio do corpo prezente e o segundo do mes e o terceiro se vem fazer a igreja donde era morador o defunto, e partem os parochos as beneesses a meio, e o responso annual se diz meio anno na parochia da sepultura, e meio anno na parochia donde era morador, e os padres, que assistirem aos officios também entrão tanto de hua parochia, como da outra e os desta igreja se lhe paga comforme ao custume della, ainda nos officios que fazem fora della.  

E falecendo-se algum freigues fora desta freguezia em parte que conste se lhe fez o funeral do corpo prezente hão de pagar seus herdeiros sempre nesta freguezia a metade da obradaçao do corpo prezəntə. E nella se hão de  fazer os dois officios de mes e de anno, e o responso do anno se ha de dizer a metade nesta freiguezia.  

Disserão que quando se falecia alguma criança bautizada se lhe dezia hua missa dos Anjos athe idade que entrem em sete annos e esta obradada, e de sete athe doze annos se lhe dizião cinco missas de defuncto obradadas cada huma, e de doze para sima comforme ao que se tem declarado assima. 

E quando se recebem alguns noivos nesta igreja se lhe diz hua missa por sua tenção de sponso, etc. e dão de esmola por ella hum tostão e hum vintem de pão com hua candea que se offerta em cada hum dos bautizados desta (fl. 5) igreja; e as missas que se dizem dos Anjos e crianças athe doze annos se dava de esmola por cada hua coatro vinteis. 

E como assi o disserão e declararão o juiz e eleitos e mais freiguezes ut supra mandarão fazer este termo por mim o licenciado P.e Domingos Gonçalves, que commigo assignarão, dia, mes e anno ut supra: 

O Abbade Bras de Andrade da Gama Domingos Gonçalves 

          Pedro Durais                                    Belchior Casais 

          O P.e Domingos Ferreira                  dos + Eleiros 

De Ber+nardo Vaz                         António Gomes de Abreu 

De Ma+noel Fernandes              O P.e Domingos Vidal 

De Cuvilhós                                  O P.e Sebastião Vaz 

Domingos Fernandes Juão (?) Diaz         Manoel Pereira 

Sebas+tião Fernandes 

Pedro Quintella           Ber+tlameu Meleiro 

Pedro Domingues           João + Durais 

Domingos + Fernandes       João Allvarez 

Domingos + Quintella             António Vaz 

Gomiz Vaz        António + Pereira     João + Vaz de Sorribas  

Domingos Salgado      António Durains 

António Peres          Sebas+tião Esteves de Lubio. 

 

Existe uma nota posterior que data de Outubro de 1821 onde de pode ler que "A offerta, com o nome de galheiro, que davão ao Rev.do Parocho na festa da Padroeira, a levavão arvorada na procissão, e entravão com a mesma na igreja até o pateo da capela mor, acima das escadas, cuja endecencia vendo-a o Rev.do Visitador Antonio de Vasconcellos, no tempo do meu antecessor, o Rev.do Cleto José, suspendeo a ditta offerta, e outras mais figuras para jamais se uzarem na procissão como tudo consta do Livro dos Capitulos desta freguezia, na capitulação que deixou. E em lugar daquella oferta, pagão agora os mordomos da dita festa ao Rev.do Parocho seiscentos reis em dinheiros. Este he o uso e costume que achei e nunca alterei. 

Santa Marinha de Rouças. De Oitubro doze de 1821 e vinte e hum. 

Francisco Luis de Sa Sotto Maior de Morim Leónes."