Há cerca de cem anos, mais precisamente em 1911, um jornalista do jornal “O Século” viajou até as montanhas agrestes da Peneda e do Soajo e contatou de perto com as populações locais, mormente Soajo e Castro Laboreiro. Dessa digressão, Bruno Buchenbacher deixou-nos um registo na revista “Illustração Portugueza”, publicação ligada àquele periódico republicano dirigido por Magalhães Lima.
Na realidade, não foi a
curiosidade do etnólogo que motivou a deslocação do jornalista a esta região.
Ele próprio o confessa: “Não era simples curiosidade de touriste nem tão
pouco um espírito de aventura, que me conduziu, n’estes dias caniculares do sol
inclemente, áquellas serras abandonadas e desconhecidas, mas sim o dever
jornalístico”.
O dever jornalístico
consistia em acompanhar os esforços das forças republicanas, do Exército e da
Carbonária, numa zona fronteiriça que tinha sido transposta pelas forças
realistas sob o comando de Paiva Couceiro ou seja, as chamadas incursões
monárquicas. Mas, fiquemo-nos com o registo e com as suas impressões, sobretudo
em relação às gentes do Soajo.
COMO EU VISITEI AS SERRAS DO
SUAJO E DA PENEDA
Os motivos que me levaram a
visitar as regiões do norte de Portugal, compreende-se facilmente.
Não era simples curiosidade
de touriste nem tão pouco um espírito de aventura, que me conduziu, n’estes
dias caniculares do sol inclemente, áquellas serras abandonadas e
desconhecidas, mas sim o dever jornalístico.
Antes de entrar no assumpto,
cumpre-me o dever de agradecer publicamente a todas as auctoridades civis e
militares a deferência e amabilidade que dispensaram ao visitante, nem sempre
commodo e agradável.
Constatei, igualmente, com
grande surpresa e satisfação, a hospitalidade carinhosa que quasi sempre me foi
dispensada.
A região que percorri, fica
afastada dos meios de conducção geralmente empregados. Não há estradas, e os
próprios caminhos, são, na verdade, simples caminhos de cabras, onde unicamente
estas e a mula, ponney da montanha, transitam com relativa segurança.
A primeira parte da excursão,
levou-me de Melgaço a Alcobaça e Castro Laboreiro.
Em todo o caminho, até ás
alturas de Alcobaça, perto do Cruzeiro que representa a gravura vêem-se as
montanhas pedregosas da Galliza, pobremente arborizadas, manchadas aqui e álem
de pequenos núcleos de pastagens e matto.
O cruzeiro de Alcobaça, a
500 metros da Fronteira
O nome Alcobaça, faz-nos
recordar as luctas sangrentas travadas entre os fundadores da monarchia e os
mouros.
Pelos vestígios que se
encontram espalhados pela região vê-se que os combates não pararam n’estas
serras quasi inacessíveis. Perto de Alcobaça, existe um logar que o povo chama
Lamas de Moiros; a etymologia da palavra indica-nos facilmente como lagrimas de
moiros, dando-nos uma prova lendária de sangue derramado – ad majorum
dei Gloriam.
A “praia” em Castro
Laboreiro
Chegado a Castro Laboreiro,
divaga o pensamento por tempos mais remotos, tempos em que um povo glorioso
conquistou á força de armas toda a orbe, até que a onda implacável do destino o
afogou no mar do esquecimento.
Mas, a tradição do nome
romano Castram Laborarum, quer dizer acampamento de trabalhadores, ficou como
característico da povoação. São os seus habitantes trabalhadores incansáveis,
existindo n’esta aldeia serrana, até o gérmen de uma industria que me causou
pasmo e admiração.
Encontram-se no Crato, como
os habitantes chamam á sua aldeia, duas fábricas de chocolate! E, em verdade,
direi que já encontrei nas minhas viagens, qualidades muito peores n’este
artigo de alimentação.
Uma serrana de Castro
Laboreiro
A fabricação é,
principalmente, para exportação, ramo de negócio muito difícil e até perigoso,
atendendo à falta de meios de transporte e á dificuldade de transito pela raia
secca.
O “leão das montanhas”:
Comendador Mathias de Sousa Lobato, professor oficial de instrucção primaria
Devido á amavel recomendação
do administrador do concelho de Melgaço, fui recebido com fidalga hospitalidade
pelo sr. Comendador e cavaleiro fidaldo, Mathias de Sousa Lobato, professor
oficial de instrucção primaria.
Este cavaleiro, que
sacrificou 28 annos da sua vida ao bem estar d’este povo, merece bem, pelo seu
aspecto venerando, o cognome de rei das montanhas, que lhe foi conferido pelo
falecido Hintze Ribeiro.
Os serviços relevantes
prestados ultimamente ao novo regímen, levaram o sr. Dr. Alfredo de Magalhães a
transformar a antiga designação autocrática, na mais popular denominação, de
Leão das Montanhas. Mas, mesmo assim, sempre rei…
O comício em Castro
Laboreiro, em que falou ao povo o jornalista Hermano Neves
N’uma pyramide de rocha que
se eleva a pouco mais ou menos a 1:200 metros acima do mar, encontramos, por
assim dizer, um livro de historia.
Sobre fundamentos inegáveis
de origem romana, elevam-se as ruínas de um castello moiro, de grande área.
A porta das ruínas do
Castello dos Mouros em Castro Laboreiro
Foi conquistado e destruído
por D. Affonso Henriques, e reedificado por D. Sancho I, o povoador, como
indica a inscripção ilegível de uma lapide, que a muito custo foi decifrada
pelo comendador Mathias.
As ruínas conservam ainda s
suas duas entradas, destinadas a peões e cavalleiros.
Uma terceira porta de
comunicação, foi destruída há pouco pelos castrejos, persuadidos
que encontrariam um tesouro entre os escombros.
A ex-séde de concelho, de há
meio seculo, distingue-se também por dois característicos notáveis: lindas
cachopas e formidáveis cães, ambos de recear…
Casas em Castro Laboreiro
Ancioso por continuar a
excursão pela serra, conseguiu-me o meu hospitaleiro amigo, uma desembaraçada
\Castreja, que simplesmente justificou a segunda das afirmações contidas no
período precedente.
Apenas sahido da aldeia,
perde-se o caminho entre as penedias da serra.
Um grupo de castrejas
Mas a Castreja conhece os
recônditos da montanha, e, ora subindo, ora descendo, por sítios em que um
passo em falso da montanha representava a morte certa para o cavaleiro,
fômo-nos aproximando da parte peor do caminho, o “Peito do Sagasta”.
A descida do Peito do
Lagarto, a caminho da Penêda
Ali, o caminho é constituído
por pedras quasi polidas, n’um declive tão acentuado que a cavalgadura mais
patina do que anda. É impossível ficar sobre o selim. Mal tinha descido, quando
o macho escorregou e cahiu, batendo com a espadua nos rochedos, o que veiu
confirmar a minha previdência.
(CONTINUA)
Texto e Clichés de
Bruno Buchenbacher
Fonte: Illustração
Portugueza, nº 284, de 31 de Julho de 1911
Extraído de:
Blogue do MInho
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