domingo, 23 de setembro de 2012

Esta reportagem conta-nos como era Castro Laboreiro e o Soajo em 1911 (parte I)




Há cerca de cem anos, mais precisamente em 1911, um jornalista do jornal “O Século” viajou até as montanhas agrestes da Peneda e do Soajo e contatou de perto com as populações locais, mormente Soajo e Castro Laboreiro. Dessa digressão, Bruno Buchenbacher deixou-nos um registo na revista “Illustração Portugueza”, publicação ligada àquele periódico republicano dirigido por Magalhães Lima.

Na realidade, não foi a curiosidade do etnólogo que motivou a deslocação do jornalista a esta região. Ele próprio o confessa: “Não era simples curiosidade de touriste nem tão pouco um espírito de aventura, que me conduziu, n’estes dias caniculares do sol inclemente, áquellas serras abandonadas e desconhecidas, mas sim o dever jornalístico”.
O dever jornalístico consistia em acompanhar os esforços das forças republicanas, do Exército e da Carbonária, numa zona fronteiriça que tinha sido transposta pelas forças realistas sob o comando de Paiva Couceiro ou seja, as chamadas incursões monárquicas. Mas, fiquemo-nos com o registo e com as suas impressões, sobretudo em relação às gentes do Soajo.


COMO EU VISITEI AS SERRAS DO SUAJO E DA PENEDA

Os motivos que me levaram a visitar as regiões do norte de Portugal, compreende-se facilmente.
Não era simples curiosidade de touriste nem tão pouco um espírito de aventura, que me conduziu, n’estes dias caniculares do sol inclemente, áquellas serras abandonadas e desconhecidas, mas sim o dever jornalístico.
Antes de entrar no assumpto, cumpre-me o dever de agradecer publicamente a todas as auctoridades civis e militares a deferência e amabilidade que dispensaram ao visitante, nem sempre commodo e agradável.
Constatei, igualmente, com grande surpresa e satisfação, a hospitalidade carinhosa que quasi sempre me foi dispensada.
A região que percorri, fica afastada dos meios de conducção geralmente empregados. Não há estradas, e os próprios caminhos, são, na verdade, simples caminhos de cabras, onde unicamente estas e a mula, ponney da montanha, transitam com relativa segurança.
A primeira parte da excursão, levou-me de Melgaço a Alcobaça e Castro Laboreiro.
Em todo o caminho, até ás alturas de Alcobaça, perto do Cruzeiro que representa a gravura vêem-se as montanhas pedregosas da Galliza, pobremente arborizadas, manchadas aqui e álem de pequenos núcleos de pastagens e matto.


O cruzeiro de Alcobaça, a 500 metros da Fronteira


O nome Alcobaça, faz-nos recordar as luctas sangrentas travadas entre os fundadores da monarchia e os mouros.
Pelos vestígios que se encontram espalhados pela região vê-se que os combates não pararam n’estas serras quasi inacessíveis. Perto de Alcobaça, existe um logar que o povo chama Lamas de Moiros; a etymologia da palavra indica-nos facilmente como lagrimas de moiros, dando-nos uma prova lendária de sangue derramado – ad majorum dei Gloriam.


A “praia” em Castro Laboreiro


Chegado a Castro Laboreiro, divaga o pensamento por tempos mais remotos, tempos em que um povo glorioso conquistou á força de armas toda a orbe, até que a onda implacável do destino o afogou no mar do esquecimento.
Mas, a tradição do nome romano Castram Laborarum, quer dizer acampamento de trabalhadores, ficou como característico da povoação. São os seus habitantes trabalhadores incansáveis, existindo n’esta aldeia serrana, até o gérmen de uma industria que me causou pasmo e admiração.
Encontram-se no Crato, como os habitantes chamam á sua aldeia, duas fábricas de chocolate! E, em verdade, direi que já encontrei nas minhas viagens, qualidades muito peores n’este artigo de alimentação.


Uma serrana de Castro Laboreiro


A fabricação é, principalmente, para exportação, ramo de negócio muito difícil e até perigoso, atendendo à falta de meios de transporte e á dificuldade de transito pela raia secca.


O “leão das montanhas”: Comendador Mathias de Sousa Lobato, professor oficial de instrucção primaria


Devido á amavel recomendação do administrador do concelho de Melgaço, fui recebido com fidalga hospitalidade pelo sr. Comendador e cavaleiro fidaldo, Mathias de Sousa Lobato, professor oficial de instrucção primaria.
Este cavaleiro, que sacrificou 28 annos da sua vida ao bem estar d’este povo, merece bem, pelo seu aspecto venerando, o cognome de rei das montanhas, que lhe foi conferido pelo falecido Hintze Ribeiro.
Os serviços relevantes prestados ultimamente ao novo regímen, levaram o sr. Dr. Alfredo de Magalhães a transformar a antiga designação autocrática, na mais popular denominação, de Leão das Montanhas. Mas, mesmo assim, sempre rei…


O comício em Castro Laboreiro, em que falou ao povo o jornalista Hermano Neves


N’uma pyramide de rocha que se eleva a pouco mais ou menos a 1:200 metros acima do mar, encontramos, por assim dizer, um livro de historia.
Sobre fundamentos inegáveis de origem romana, elevam-se as ruínas de um castello moiro, de grande área.


A porta das ruínas do Castello dos Mouros em Castro Laboreiro


Foi conquistado e destruído por D. Affonso Henriques, e reedificado por D. Sancho I, o povoador, como indica a inscripção ilegível de uma lapide, que a muito custo foi decifrada pelo comendador Mathias.
As ruínas conservam ainda s suas duas entradas, destinadas a peões e cavalleiros.
Uma terceira porta de comunicação, foi destruída há pouco pelos castrejos, persuadidos que encontrariam um tesouro entre os escombros.
A ex-séde de concelho, de há meio seculo, distingue-se também por dois característicos notáveis: lindas cachopas e formidáveis cães, ambos de recear…


Casas em Castro Laboreiro


Ancioso por continuar a excursão pela serra, conseguiu-me o meu hospitaleiro amigo, uma desembaraçada \Castreja, que simplesmente justificou a segunda das afirmações contidas no período precedente.
Apenas sahido da aldeia, perde-se o caminho entre as penedias da serra.


Um grupo de castrejas


Mas a Castreja conhece os recônditos da montanha, e, ora subindo, ora descendo, por sítios em que um passo em falso da montanha representava a morte certa para o cavaleiro, fômo-nos aproximando da parte peor do caminho, o “Peito do Sagasta”.


A descida do Peito do Lagarto, a caminho da Penêda


Ali, o caminho é constituído por pedras quasi polidas, n’um declive tão acentuado que a cavalgadura mais patina do que anda. É impossível ficar sobre o selim. Mal tinha descido, quando o macho escorregou e cahiu, batendo com a espadua nos rochedos, o que veiu confirmar a minha previdência.
(CONTINUA)


Texto e Clichés de Bruno Buchenbacher
Fonte: Illustração Portugueza, nº 284, de 31 de Julho de 1911

Extraído de:
Blogue do MInho


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