O único logar onde encontrei
uma recepção pouco amavel foi em Penêda. Este povo selvagem e intratável, vê em
todos os desconhecidos um inimigo, e cconstitue-se na obrigação de d’elle se
desembaraçar.
Não sei se eles me tomaram
por conspirador ou por carbonário; nem tenho desejo em sabel’o.
O regedor da Penêda, com sua
filha
Devido á chegada, no momento
psychologico, de Domingos Avelino Lourenço, regedor da freguesia, consegui
escapar d’esta vez.
O certo, é que eu não conto
voltar á serra da Penêda, emquanto não tiver obtido a certeza de que se
modificaram os sentimentos fraternaes d’aquelle povo.
O sr. Avelino Lourenço e sua
exmª família, prepararam uma recepção hospitaleira, que foi verdadeiramente um
raio de luz nas trevas da montanha. Penêda, é o logar mais selvagem que
encontrei na minha expedição. Afastada léguas dos centros civilizados, falta á
população todo o sentimento de cultura. Não se compreende como o grandioso
santuário de Nossa Senhora, se perdeu por aqui. Se os romeiros são recebidos
com a mesma gentileza e atenção que nos dispensaram, duvido que algum estranho
á terra, volte a estas paragens.
Se tivesse alguma duvida
ácêrca da gravidade da minha situação, o sr. Avelino afastou-as no dia
seguinte, acompanhando-me durante duas léguas, e dizendo-me na despedida agora
é que v. exª está salvo.
Durante o trajecto, tive
ocasião de experimentar a eficácia de um instrumento desconhecido a incultos povos.
N’uma d’estas aldeias, cujo nome não me ocorre, tirei da algibeira um copo de
viagem de alumínio, forma de telescopio que causou o espanto de toda a
povoação, e que frequentemente tive de fechar e abrir sob este sol abrasador,
para satisfazer a curiosidade ingenua d’esta pobre gente, antes de pode beber
uma gota de agua, tão necessária á minha garganta ressequida.
Estou convencido de que,
ainda por muito tempo, será o copo do estrangeiro, o thema da conversação dos
aldeãos, a maior parte dos quaes desconhece estradas de macadame ou mesmo um
caminho de ferro.
O caminho segue sempre entre
serras selvagens, talhadas para servirem bem n’uma guerra de guerrilhas;
todavia será necessário que os contendores conheçam bem o terreno para evitar
qualquer surpresa. Infeliz d’aquelle que cahisse n’uma cilada n’estes abysmos
tenebrosos! De longe, n’um planalto rodeado de altos montes, depara-se á vista
uma aldeia maior, é o Suajo, estação intermédia entre Penêda e Arcos de
Val-de-Vez.
Uma rua no Suajo
Aqui, o meu salvo-conducto,
assingnado pelo ilustre ministro do interior, valeu-me uma grande manifestação
de sympathia; era um bom republicano que chegava, visto que só como tal poderia
o dr. António José d’Almeida, conceder a um estrangeiro a protecção
incondicional garantida no documento referido. O povo do Suajo é relativamente
culto.
O interior de uma habitação
no Suajo. A casa do Juiz de Paz
A maior parte dos homens
conhecem Lisboa, por ser tradicional a sua emigração para esta cidade, onde se
empregam, de preferência, no mister de moços de padaria. O aspecto da povoação
é estranhamente pitoresco.
Typo de casa no Suajo
Na praça principal, ergue-se
um antigo pelourinho, encimado por uma horrenda carranca, que faz lembrar, pela
sua factura primitiva e ingenua, qualquer trabalho gentílico. Infelizmente, o
sol ardente, opunha-se a immortalisar a tal obra na pellicula photographica,
bem como os curiosos palheiros, construídos de pedra, em forma de cadela, e
todos eles encimados por uma cruz. A gravura, mostra um grupo de aldeãos, entre
palheiros, construídos de verga e cobertos de palha. Não lembra, este aspecto,
uma scena do continente negro?
Palheiros do Suajo
Á sahida do Suajo, foi a
nossa caravana augmentada com o cabo da guarda fiscal, de espingarda ao hombro,
cavalgando uma pequena mula; um padeiro de estatura gigantesca, que, n’uma
montada egual, quasi arrastava as pernas pelo solo, uma mulher candongueira de
estatura avantajada e com um rosto ainda de uma beleza, que há vinte anos devia
ser extraordinária.
A nossa caravana à sahida do
Suajo
A tia Maria, conduzia ao
hombro a espingarda do padeiro, e uma sua sobrinha que a acompanha, não ficava,
em formosura, muito áquem de sua tia. Imaginem esta caravana, caminhando
penosamente entre os estreitos valles da serra, e comprehenderão, facilmente,
que eu me julguei n’uma viagem de exploração, por mares nunca d’antes
navegados. No caminho, encontrámos um patrulha de caçadores 5 que me fez
lembrar que a minha missão, era talvez assistir a alguma lucta sangrenta, mas, infelizmente,
nenhum sangue correu se não o meu, na ocasião de me barbear deante de um
espelho, que só poderia prestar bom serviço a um cego. O sol someçava a
desaparecer no horisonte, e nós comecámos a acelerar a marcha para podermos
chegar antes da noite aos Arcos de Val-de-Vez, deixando o guarda fiscal e o
padeiro regressar com os caçadores para o Suajo.
O rio em Arcos de Val-de-Vez
Anoitecia quando entrámos
nos Arcos, e a minha aparição, envergando o fato quasi militar, polainas,
esporas e pistola, deu ocasião a que umas mulheres espalhassem o boato de que o
Paiva Couceiro tinha chegado. Todavia, quando uma hora depois me viram
passeando com o comandante Simas Machado, as suspeitas desvaneceram-se por
completo.
O banho dos cavallos
Devido á amabilidade do sr.
Tenente coronel Simas Machado, tive ocasião de acompanhar uma força de tenente
que se ía installar na Portella do Extremo, como posto avançado, para assegurar
a estrada de Monsão-Arcos-Braga.
Nos Arcos de Val-de-Vez
A força aquartelou-se no cemitério
da aldeia, romanticamente situado entre dois alcantilados montes, coroados por
restos de fortificações das campanhas da guerra da independencia.
Um posto avançado na
Portella do Extremo
A pequena igreja foi fundada
no anno de 1741, por cavalleiros da Ordem de Malta, conforme indica uma cruz
d’essa ordem, esculpida sobre fundo azul, na base da qual se encontra a palavra
Malta e a era. O cemitério apresenta um aspecto pouco vulgar; não existem
lapides, cruzes, jazigos ou mesmo simples indicação sobre as sepulturas.
O meu almoço com o
commandante do posto da Portella do Extremo, tenente Velloso
Uma pequena elevação de
terra preta sobre a qual repousa uma pequena tigela de agua benta, é a única
indicação de que ali descançam das fadigas da vida os que labutaram n’este solo
ingrato. Não obstante esta vizinhança pouco convidativa para quem deseja
repousar-se um pouco da fadiga de uma jornada extenuante e de uma trovoada
formidável que parecia inflamar o ceu, e que encheu o estreito valle com o
ruído monumental dos seus trovões, dormimos sobre o feno, cobertos com as
mantas dos cavallos, até que, aos primeiros alvores da madrugada, os relinchos
e o escarvar das patas dos cavallos, nos chamaram ao cumprimento do dever do
dia.
A capella dos cavalleiros de
Malta na Portella do Extremo. Ao fundo, veem-se os restos das fortificações
levantadas em 1640
No regresso aos Arcos
aluguei um trem, que, sem mais incidentes, me conduziu a Braga. Resta-me, talvez, expor a
idéa de que n’esta região se podia estabelecer um centro de tourismo, para
aquelles cujo estado de saúde não permite a permanência nas altitudes.
Encontrariam os doentes n’estas condições, uma situação que lhes permitiria o
exercício de pequenas excursões de montanha ainda inexplorada, bastava que se
estabelecessem hotéis que proporcionassem as comodidades q que, em geral, estão
habituados os que costumam empregar o seu tempo e dinheiro em taes distrações.
Creio também, que será proveitoso mandar explorar esta região archeoloca e
geologicamente, porque, sestou convencido, que aqui se encontrariam valiosos
elementos para a historia dos primitivos habitantes do paiz.
Texto e Clichés de Bruno Buchenbacher
Fonte: Illustração Portugueza, nº 284, de 31 de Julho de 1911
Extraído de:
Blogue do MInho
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