Deixo aqui um texto transcrito da edição de Maio de 2003 d' "A Voz de Melgaço". Porque é um bom texto e porque a memória e o legado do Padre Aníbal merece que não esqueçamos...
"Sacerdote exemplar, homem insigne, historiador dedicado e
arqueólogo de valor, tudo isto foi o Pe. Aníbal.
Com o seu desaparecimento, ficamos todos mais pobres.
Resta-nos prestar-Ihe o nosso respeito, a nossa admiração, a nossa homenagem
pela obra magnífica, que realizou como padre e como cidadão, sempre defendendo
os interesses dos seus paroquianos e o progresso da sua "vila de Castro
Laboreiro". Podemos afirmar que na religião também há heroísmo. O Padre
Aníbal foi um herói. Entregou toda a sua vida A causa da Igreja, por ela lutou,
abnegadamente. Percorreu veredas e caminhos para visitar enfermos, para prestar
assistência religiosa aos necessitados aquém e além fronteiras. No dia do
mercado, via-mo-lo, na vila, sempre atarefado, com a pasta pesada na mão, talvez
com documentos para auxiliar algum seu paroquiano com problemas, financeiros,
do tribunal, do fisco, camarários ou outros. Era incansável, recebia a todos
com um sorriso, sem distinções, com simplicidade. Pessoa humilde, estava sempre
pronto em obras de caridade, obras em prol dos mais carenciados, a todos
confortando com palavras de fé e esperança. A sua vida foi de batalhas
sucessivas. Quando começou a paroquiar, Castro Laboreiro era a freguesia mais
esquecida de Melgaço. Faltava-lhe tudo. Com ele conheceu o progresso e hoje tem
orgulho de ser das freguesias do concelho com melhores vias de comunicação,
melhores infra-estruturas e melhor urbanização. Castro é, actualmente, terra de
grande procura por turistas nacionais e estrangeiros. O padre Aníbal é
conhecido internacionalmente. Deixou uma herança, riquíssima, o seu bom nome,
que é preciso saber perpetuar como bom exemplo a seguir, numa época tão pobre
de valores espirituais. Soube ser bom sacerdote, bom samaritano, e como cidadão
soube mover a sua influência, contra as injustiças da sociedade moderna.
O Pe. Aníbal venceu todas as batalhas. E foram muitas.
Recordo aqui uma delas, que se passou comigo, em Castro Laboreiro. Estava eu na
Guarda Fiscal em Melgaço e recebi uma ordem para embargar a instalação da
electricidade portuguesa na Assureira (Azoreira), povoado espanhol, a cerca de
duzentos metros do lugar raiano de Alcobaça, daquela freguesia. Subi a Castro e
disseram-me que o Padre Aníbal tinha pedido à EDP, que andava a electrificar o
lugar de Alcobaça, para por mais uns metros de fio de cobre até a Assureira
(Azoreira), de modo à luz eléctrica, chegar, também ali. A EDP fez a ligação.
Fui à residência paroquial, onde encontrei o Pe. Aníbal já ao corrente da situação.
Logo me tranquilizou, que iria a Viana do Castelo expor o assunto ao Sr.
governador civil e que tudo se arranjaria pelo melhor. Que informasse os meus
comando da iniciativa, que estava a tomar e que aguardasse mais um dia a
solução deste caso, que ele considerava de caridade cristã.
O que é certo é que no dia seguinte, recebi nova ordem
para não interferir na dita electrificação, por as formalidades legais, já,
estarem a ser respeitadas. Não fora a sua pronta intervenção, a Assureira
(Azoreira) não teria electricidade tão cedo. Envolveria os Ministérios dos
Negócios Estrangeiros, de ambos os países, as Alfândegas e a Guarda Fiscal e o
caso arrastar-se-ia por muitos anos, com as burocracias da praxe.
Para terminar e em sua memória, vou transcrever uma
passagem de um seu trabalho literário sobre Castro Laboreiro, onde demonstra o
seu grande amor àquela terra, que o viu nascer:
- "( ... ) Quem numa manhã fresca de Primavera ou
quente de Verão, percorrer a estrada nacional de Melgaço a Castro Laboreiro, observa
paisagens lindas, cheias de beleza e verdura, cobertas de flores de variadas
cores, num anfiteatro de uma indefinida magia. Em cada curva daquela via a
serpentear pela encosta de elevados declives o cambiante das cores, tons e
panoramas vão-se modificando à medida, que nos vamos afastando dos vales
ribeirinhos e nos aproximamos das altitudes serranas (...)”.
In: A Voz de Melgaço, Maio de 2003
Não termino sem deixar um poema da sua autoria dedicado ao Castelo de Castro Laboreiro:
«Castelo, pastor Amigo
Das rezes da velha Grei
Deixa-me falar contigo,
Ouvir coisas que eu não sei.
O teu arnês de guerreiro,
Há quanto tempo o não vejo;
Mudaste-o em pegureiro,
Ou deixaste-o n'algum brejo.
Tua cabeça branquinha,
Parece o lírio do campo,
Inclinada à tardinha
à espera do descanso.
A bela lança d'outrora,
Arrogante e combativa,
Já se oxidou por fora,
Por dentro está combalida.
Teu olhar embaciado,
Quem o há-de conhecer?
Parece o sol nublado,
Pouco antes de morrer.
A tua voz de trovão
Sufocou-se na garganta,
Já não comanda o pelotão,
Não se ouve na Infanta.
A tua face enrugada
Não é dum velho Gigante
Que enfrentou a montanha,
Com aspecto arrogante.
A tua flauta tão linda,
Não se ouve como outrora,
No alto da Cartelinda,
Pelas quebradas em fora,
A chamar as ovelhinas,
Ao sol pôr e vir d'aurora.»
Das rezes da velha Grei
Deixa-me falar contigo,
Ouvir coisas que eu não sei.
O teu arnês de guerreiro,
Há quanto tempo o não vejo;
Mudaste-o em pegureiro,
Ou deixaste-o n'algum brejo.
Tua cabeça branquinha,
Parece o lírio do campo,
Inclinada à tardinha
à espera do descanso.
A bela lança d'outrora,
Arrogante e combativa,
Já se oxidou por fora,
Por dentro está combalida.
Teu olhar embaciado,
Quem o há-de conhecer?
Parece o sol nublado,
Pouco antes de morrer.
A tua voz de trovão
Sufocou-se na garganta,
Já não comanda o pelotão,
Não se ouve na Infanta.
A tua face enrugada
Não é dum velho Gigante
Que enfrentou a montanha,
Com aspecto arrogante.
A tua flauta tão linda,
Não se ouve como outrora,
No alto da Cartelinda,
Pelas quebradas em fora,
A chamar as ovelhinas,
Ao sol pôr e vir d'aurora.»
Pe. Aníbal Rodrigues
Quem viveu para cumprir uma missão nobre nunca há-de morrer: nem que seja na memória intemporal daqueles que possuem nobreza de caráter e fineza no trato. Estes foram atributos incontornáveis de que o conheceu, ainda que de forma ténue. Como ele, já não se "fazem" muitos, quer em Melgaço, quer noutro lado qualquer. Conservar a memória é conservar viva a nossa própria identidade. A propósito...não será a razão principal desta maldita crise que atravessamos uma questão de falta de identidade....nacional? Ou, até, pessoal? Vale a pena pensar nisto!.......
ResponderEliminarConocín o P. Anibal pola década dos oitenta, nun acampamento mixto de adolescentes españoles e portugueses, organizado polo Concello de Vigo e as Cámaras minhotas e de Viana do Castelo. Causoume fonda impresión, polo trato e pola cultura e paixón, tanto por Castro Leboreiro como pola serranía na que se atopa. Ten unha prosa magnífica, na que se nota a influencia dos clásicos latinos de longo e solemne período. Ben merece que o lembren.
ResponderEliminarF. Nogueira.