Castro Laboreiro, início do século XX
(Foto: Torre do Tombo)
Em 1928, José Leite de
Vasconcelos, “pai” da antropologia moderna em Portugal, publicou um trabalho
sobre a linguagem popular falada em Castro Laboreiro . Esse trabalho parte de um
texto enviado em 19 de Novembro de 1903 pelo Abade de Melgaço, Manuel José Domingues,
natural de Castro Laboreiro, para o investigador. Nesse texto é feita uma
tentativa de transpor o castrejo falado para a escrita.
O dito texto reproduz um
diálogo travado entre dois populares castrejos. Um velho, que está sentado ao
lume e um indivíduo mais novo que o foi visitar, e o trata respeitosamente por
tio.
No texto, representa-se a
linguagem castreja com toda a natureza e pureza, “pelo menos como os velhos
então a falavam”. Desconhece-se se este
diálogo é verídico ou é fictício.
“- Deus lhe dia boas noites
tio Francisco! Intóm est’á ó lume, ei! É ele huje sabe, cá faz um frio que
parece Janeiro, com’é.
- Isto um bélho
tem de star sempre’ó lume, cá lá ó frio nom pode star! Intóm stou p’ràqui ó borralho p’ra tê’los pés quentes.
- Cecais
qu’estaria milhôr na cama porqu’ò calor da cama é milhôr.
– Mais na cama nom
se póde estar sempre, c’àté dói o corpo è os ossos: è em canto a gente póde
lebantar estas pernas, bai-s’erguendo.
– Pois eu huje fui
guiá’la auga á Porteleira, é bi-me mal co’a nebe: todo era escorregar,
escorregar, que dei cada caída, c’até me parcia que nom me lebantaba, nim binha
pr’ó eido!! É apareceu-m’o condanido do lobo no caminho, que p’ra me librar
d’ele, bi-m’entr’à cruz e o caldeirinho, è pensei que era huje a minha última.
- Sume-t’artelo!
Eu t’arrenego! Àbrenúncio! Que demonho de bicho! Cá faç tanto mal perí! Só com
obelhas tem comido tantas, tantas, c’àté nom sei como lhe nom cái o rabo co’as
unturas que dá ás tripas!
- Veigam-che cantos hai no outro mundo! C’ó demonho do
lobo até me fezo pôr rouco a berrar eu ú, ú, ú; mais ninguém m’oubia. Olhe cá
pensei que lhe daba üa cêa àquele condanido. Eu bém chamaba é berregaba, mais
ninguém me falaba! O escomungado parece qu’adebinhaba que estabámos ali só os
dous, p’ra juntá´los coletes.
– Pois graças a
Deus qu’escapache d’esta enfeita.
– È que tal? Hai herba nos campos estiano?
– A cousa regula
pelos outros anos: nim hai muita, nim hai pouca, hai um remédio p’ra gobernar,
é ir tendo mã dos ossos ás baquinhas, cá as minhas pequeninhas estiano sóm bem
castigadas do frio.
– Sóm, sóm! Olha
qu’este ano bai frio, qui-eu já conto dous carros è nom me lembro de tanta
frialdade: só é por eu ser bélho, è senti-lo mais!
– Olhe q’o ano bai
sequeiro. A minha Maria tamém se queixa, q’às berças estiano já secárum todas
co’a giada, é que nom hai com que faze’lo cardo: è a gente sem cardo parece que
nom quéce por dentro.
– Ai intóm nom sô
eu só que conheço isso, é porque é berdade, qu’o ano bai coelheiro; mais olha
nom ch’hai mal que nom traga bem. O frio no seu tempo tamém ch’é bô, cá já meu
abô dezia qu’[em Janeiro sube ó outeiro: è chora, se bires berdegar, è canta se
bires terrear]. Olha c’ó ditado dos bélhos sai-che certo, por qu’olhà giada
matos bichos qu’andã nos campos, p’ra que despois nom coma os fruitos e à
nobidade toda.»
---------------(CONTINUA)------------------
Extraído de: VASCONCELLOS, José Leite de (1928) - Linguagem Popular de Castro Laboreiro. in Opúsculos, Vol. II – Dialectologia (parte I),Imprensa
da Universidade, Coimbra.
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