sexta-feira, 26 de junho de 2015

O Convento de Fiães descrito em finais do século XIX

Igreja do Convento de Fiães

No livro "O Minho Pittoresco", o convento de Fiães é assim descrito: "O que, porém, tornou Fiães notável, foi o seu mosteiro, de que hoje só por assim dizer o templo atesta a munificência. Foi na volta de Castro Laboreiro, quando o luar espargia a sua melancolia doce  sobre a serra, que visitámos essa gigantesca ruína, testemunha coeva da antiga piedade cristã.
A arquitectura gótica pura revela-se clara nas formosas colunatas da entrada principal e nas arcarias elegantes que sustentam o tecto da igreja vasta e ampla, àquela hora fantasticamente iluminada pelos raios do luar, de dia naturalmente com a penumbra pálida dos velhos templos góticos.
As cornijas e cimalhas são ornadas de diferentes figuras mais ou menos fantasiosas. Junto do altar de S. Sebastião está o elegante túmulo de Fernão Annes de Lima, pai do primeiro visconde da Cerveira.
O mosteiro, de frades bentos a princípio, é antiquíssimo pois no tempo de Ramiro II e sua mulher Paterna, se encontra já noticia dele. Consta que era o mosteiro mais rico das Hespanhas. Tinha foros e rendas no Minho, Traz-os-Montes e Galiza. Na igreja, havia Lausperene, na rigorosa acepção da palavra, isto é, exposição ininterrupta do Sacramento durante o dia e noite; 80 religiosos de missa, além dos conversos, minoristas, etc, colmeavam o riquíssimo mosteiro, onde alguns príncipes infantes e muitos fidalgos galegos e portugueses tiveram sepultura, e a que fizeram doação de rendas e propriedades.
O primitivo edifício que em mais de três séculos existiu em grande prosperidade, foi destruído por um pavoroso incêndio, sendo depois reconstruído por Affonso Paes e mais seus dois irmãos, que o doaram aos religiosos de Alcobaça. Como no incêndio arderam todos os papeis do cartório, muitos foreiros sonegaram depois os seus títulos, sendo preciso que a energia de Álvaro d'Abreu arcasse com os mais poderosos para restituir essas rendas ao mosteiro.
Em 1151, a ordem passou a Bernardos, e, para se instruírem nos preceitos do novo instituto, mandaram buscar um religioso a Alcobaça, fundando, em honra da vila capital da ordem, o próximo lugar de Alcobaça, com a sua capela de S. Bento. O convento era coutado talvez do seu principio, pois já o nosso primeiro rei lho confirmou, assim como seu filho Sancho I.
O D. Abbade tinha jurisdição episcopal metropolitana com recurso somente para o Pontífice. O provisor, nomeado pelo D. Abbade, recebia directamente os breves apostólicos. O arcebispo de Braga não podia aqui fazer visitas, nem na Ourada de Melgaço e tão pouco o bispo de Tuy as podia fazer em Azoreira e Lapela, que, apesar de serem lugares do seu bispado, estavam sujeitas ao mosteiro, como ainda hoje o estão para os efeitos eclesiásticos, apesar de pertencerem à Galiza para os efeitos civis.
As quintas da Orada e Cavaleiros foram doadas em 1166 ao convento, sendo abade D. João, pela condessa D. Frovilla.
Ainda no fim do século XVI tinha, este convento a apresentação de vinte abadias, entre as quais Lamas de Mouro, Cristóval, Chaviães, Santa Maria da Porta da Vila e Vilela dos Arcos. Tinha também a de Paderne, na Galiza, e muitos coutos, que os comendatários aforaram a vários fidalgos.
A casa de Bragança pagava ao mosteiro um florim d'ouro pelas aldeias de Villarinho, Fezes de Juzão e Mondim e pelos padroados das igrejas destes lugares, próximo a Monte-Rei.
Na Galiza, tinha o couto de Freyxomo, junto de Alhariz, que ao mosteiro doara Fernão Peres, aqui falecido, e pelo qual recebia anualmente 600 maravedis de prata. Possuí ainda aí os coutos de Coginha, Asperello, Gancêros, Requeixo e Rio Frio, em Vigo, afora fazendas e granjas, dispersas em vários pontos.
O D. Abbade tinha, de direito de condado, todas as cabeças da caça real morta no couto; e os moradores deste eram isentos do pagamento de fintas ou pedidos, ainda mesmo feitos pelo rei.
Essa riqueza pródiga, que dera causa à afirmação popular de que nestes reinos ninguém, depois do rei, era mais rico que o D. Abbade de Fiães, foi-a pouco a pouco reduzindo o tempo, esse verme destruidor das grandes obras do Homem, e a indiferença, o abandono e o cepticismo do século completaram o aniquilamento do vetusto mosteiro, onde o incenso ardia noite e dia, os cânticos dos religiosos se misturavam continuamente ao som plangente do órgão, e o povo concorria nas tribulações cruciantes da sua fé e nos  regozijo íntimos da sua piedade.
Não somos nós, homem novo, que lamentamos esses tempos de santa e cândida ignorância, em que o trabalho era o látego do vilão e a riqueza o património de poucos. Abre-se hoje livremente o horizonte a todos os esforços dignos, a todos os lutadores com fé na nova religião do trabalho. Mas o que não podemos deixar de censurar é que por isso mesmo, que tem tantos reflexos de oiro a bela aurora da liberdade moderna, se votem a um desprezo vandâlico esses documentos vivos das civilizações destruídas, e que os governos façam, como a respeito do mosteiro de Fiães, a venda por todo o preço e mesmo a retalho, em hasta publica, da pedra das paredes, das colunas, arcarias, telhados, portas, janelas, varandas, grades, etc!
Monstruoso simplesmente!
E assim é que a ruína, a devastação e o silêncio cobrem hoje com a sua nota de desolação triste o velho mosteiro de Fiães, à hora em que o visitámos mais triste ainda, mergulhado, como estava, nas poéticas sombras do luar, que se entornava pela serra na sua melancolia casta.


A oeste do convento rebenta um manancial de águas ferruginosas, não analisadas ainda e a que os povos dali atribuem virtudes medicinais, tendo havido em tempo uns tanques para banhos, que a autoridade teve de mandar fechar por causa dos conflitos a que dava lugar a concorrência. "

Extraído de:
-VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, tomo I, Edição da livraria de António Maria Pereira- Editor, Lisboa.

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