Igreja do Convento de Fiães |
No livro "O Minho Pittoresco", o convento de Fiães é assim descrito: "O que, porém, tornou Fiães notável, foi o seu mosteiro,
de que hoje só por assim dizer o templo atesta a munificência. Foi na volta de
Castro Laboreiro, quando o luar espargia a sua melancolia doce sobre a serra, que visitámos essa gigantesca ruína,
testemunha coeva da antiga piedade cristã.
A arquitectura gótica pura revela-se clara nas formosas
colunatas da entrada principal e nas arcarias elegantes que sustentam o tecto da
igreja vasta e ampla, àquela hora fantasticamente iluminada pelos raios do luar,
de dia naturalmente com a penumbra pálida dos velhos templos góticos.
As cornijas e cimalhas são ornadas de diferentes figuras mais
ou menos fantasiosas. Junto do altar de S. Sebastião está o elegante túmulo de Fernão
Annes de Lima, pai do primeiro visconde da Cerveira.
O mosteiro, de frades bentos a princípio, é antiquíssimo pois
no tempo de Ramiro II e sua mulher Paterna, se encontra já noticia dele. Consta
que era o mosteiro mais rico das Hespanhas. Tinha foros e rendas no Minho,
Traz-os-Montes e Galiza. Na igreja, havia Lausperene, na rigorosa acepção da palavra,
isto é, exposição ininterrupta do Sacramento durante o dia e noite; 80 religiosos
de missa, além dos conversos, minoristas, etc, colmeavam o riquíssimo mosteiro,
onde alguns príncipes infantes e muitos fidalgos galegos e portugueses tiveram sepultura,
e a que fizeram doação de rendas e propriedades.
O primitivo edifício que em mais de três séculos existiu em
grande prosperidade, foi destruído por um pavoroso incêndio, sendo depois reconstruído
por Affonso Paes e mais seus dois irmãos, que o doaram aos religiosos de Alcobaça.
Como no incêndio arderam todos os papeis do cartório, muitos foreiros sonegaram
depois os seus títulos, sendo preciso que a energia de Álvaro d'Abreu arcasse
com os mais poderosos para restituir essas rendas ao mosteiro.
Em 1151, a ordem passou a Bernardos, e, para se instruírem
nos preceitos do novo instituto, mandaram buscar um religioso a Alcobaça, fundando,
em honra da vila capital da ordem, o próximo lugar de Alcobaça, com a sua capela
de S. Bento. O convento era coutado talvez do seu principio, pois já o nosso primeiro
rei lho confirmou, assim como seu filho Sancho I.
O D. Abbade tinha jurisdição episcopal metropolitana com
recurso somente para o Pontífice. O provisor, nomeado pelo D. Abbade,
recebia directamente os breves apostólicos. O arcebispo de Braga não podia aqui
fazer visitas, nem na Ourada de Melgaço e tão pouco o bispo de Tuy as podia fazer
em Azoreira e Lapela, que, apesar de serem lugares do seu bispado, estavam sujeitas
ao mosteiro, como ainda hoje o estão para os efeitos eclesiásticos, apesar de pertencerem
à Galiza para os efeitos civis.
As quintas da Orada e Cavaleiros foram doadas em 1166 ao
convento, sendo abade D. João, pela condessa D. Frovilla.
Ainda no fim do século XVI tinha, este convento a apresentação
de vinte abadias, entre as quais Lamas de Mouro, Cristóval,
Chaviães, Santa Maria da Porta da Vila e Vilela dos Arcos. Tinha também
a de Paderne, na Galiza, e muitos coutos, que os comendatários aforaram a vários
fidalgos.
A casa de Bragança pagava ao mosteiro um florim d'ouro pelas
aldeias de Villarinho, Fezes de Juzão e Mondim e pelos padroados das igrejas destes
lugares, próximo a Monte-Rei.
Na Galiza, tinha o couto de Freyxomo, junto de Alhariz, que
ao mosteiro doara Fernão Peres, aqui falecido, e pelo qual recebia anualmente 600
maravedis de prata. Possuí ainda aí os coutos de Coginha, Asperello, Gancêros, Requeixo
e Rio Frio, em Vigo, afora fazendas e granjas, dispersas em vários pontos.
O D. Abbade tinha, de direito de condado, todas as cabeças
da caça real morta no couto; e os moradores deste eram isentos do pagamento de
fintas ou pedidos, ainda mesmo feitos pelo rei.
Essa riqueza pródiga, que dera causa à afirmação popular de
que nestes reinos ninguém, depois do rei, era mais rico que o D. Abbade de Fiães,
foi-a pouco a pouco reduzindo o tempo, esse verme destruidor das grandes obras
do Homem, e a indiferença, o abandono e o cepticismo do século completaram o aniquilamento
do vetusto mosteiro, onde o incenso ardia noite e dia, os cânticos dos religiosos
se misturavam continuamente ao som plangente do órgão, e o povo concorria nas tribulações
cruciantes da sua fé e nos regozijo íntimos
da sua piedade.
Não somos nós, homem novo, que lamentamos esses tempos de
santa e cândida ignorância, em que o trabalho era o látego do vilão e a riqueza
o património de poucos. Abre-se hoje livremente o horizonte a todos os esforços
dignos, a todos os lutadores com fé na nova religião do trabalho. Mas o que não
podemos deixar de censurar é que por isso mesmo, que tem tantos reflexos de oiro
a bela aurora da liberdade moderna, se votem a um desprezo vandâlico esses documentos
vivos das civilizações destruídas, e que os governos façam, como a respeito do
mosteiro de Fiães, a venda por todo o preço e mesmo a retalho, em hasta publica,
da pedra das paredes, das colunas, arcarias, telhados, portas, janelas, varandas,
grades, etc!
Monstruoso simplesmente!
E assim é que a ruína, a devastação e o silêncio cobrem hoje
com a sua nota de desolação triste o velho mosteiro de Fiães, à
hora em que o visitámos mais triste ainda, mergulhado, como estava, nas poéticas
sombras do luar, que se entornava pela serra na sua melancolia casta.
A oeste do convento rebenta um manancial de águas ferruginosas,
não analisadas ainda e a que os povos dali atribuem virtudes medicinais, tendo
havido em tempo uns tanques para banhos, que a autoridade teve de mandar fechar
por causa dos conflitos a que dava lugar a concorrência. "
Extraído de:
-VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho
Pittoresco, tomo I, Edição da livraria de António Maria Pereira-
Editor, Lisboa.
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